Indústria alijada

É mais caro produzir no Brasil que nos EUA, segundo estudo inédito de consultoria americana

Não bastasse a valorização cambial ameaçar a competitividade das exportações, o custo total de produção no país, até há alguns anos um dos grandes diferenciais da indústria brasileira, deixou de ser um trunfo. Já é maior até que o custo de produzir nos EUA, onde a mão de obra é mais bem paga mesmo nestes tempos de crise.

A constatação surpreendente para o público geral, mas não para as empresas estrangeiras, resulta de um estudo inédito da consultoria AlixPartners, com sede na vizinhança de Detroit e atuação global, elaborada para amparar um índice de custos de produção industrial na China, Índia, Brasil e México em relação aos EUA.- Antônio Machado - Correio Braziliense


Tal indicador, chamado de Manufacturing–Outsourcing Cost Index, é formado por sete custos-chaves para a operação industrial: taxa de câmbio, impostos (incluindo tarifas), mão de obra, financiamento e overhead (definido como custos com energia, seguros, equipamentos e operacionais, outros serviços, margem de lucro de fornecedores), matérias-primas, estoque e frete, tudo por país e por componentes.

O índice também pesquisa o custo para montar componentes e partes em cada país da amostra, desde simples peças de motores a máquinas complexas de alumínio, e o compara com o custo de produção desses mesmos itens por indústrias nos EUA. O Brasil se saiu mal na foto.

Em 2005, o ano inicial do indicador, China foi o país com o menor custo, seguida, pela ordem, de Índia, México, Brasil e EUA — base 100 do índice. No ano passado, México assumiu o 1º lugar, vindo a seguir Índia, China, EUA e Brasil. O que ocorreu de 2005 a 2008?

Em resumo, segundo AlixPartners, a vantagem de produção na China em relação aos EUA caiu de 20% em 2005 para 5% pela apreciação do renminbi (cerca de 20% no período) e aumento de fretes e salários.

O México se aproveitou do status de livre comércio com os EUA e Canadá, o Nafta. A queda de 20% do peso sobre o dólar, em grande parte no final de 2008, mais que compensou os ganhos salariais nos últimos três anos. E não foi afetado por frete: é vizinho dos EUA.

A depreciação da rúpia também beneficiou a Índia, corrigindo os custos internos e aumentos de frete (recordes até meados de 2008, quando desceram a níveis nunca vistos e só agora em recuperação).

No Brasil, a consultoria também destaca a queda do real do meio do ano em diante como fator de melhoria para a competitividade do país, mas, segundo ela, a desvalorização foi insuficiente frente aos atrativos dos outros países de baixo custo, LCC em inglês.

Custo sobe desde 2005
A produção brasileira já vinha em desvantagem, segundo o índice da AlixPartners, desde 2005. Ela dá como exemplo a produção de uma peça de alumínio, atribuindo a base 100 ao custo de fabricação nos EUA. Em 2005, se encomendada a fabricação a uma planta no Brasil, sairia por 85% do custo nos EUA — e de pouco mais de 70% a 75% na China, Índia e México, nessa ordem.

Em 2007, talvez devido ao preço de matérias-primas nas alturas, o custo no Brasil se equiparou ao dos EUA. Foi a 85% da produção nos EUA se feita na China, e a 75% no México e Índia. Em 2008, com a crise global uivando, sobretudo nos EUA, a mesma peça encomendada ao Brasil custaria 90% do custo médio americano, 85% na China e de 70% a 72% no México e Índia. Hoje, no Brasil, 110% sobre os EUA.

Os cenários adiante
O que virá adiante? Os custos de transporte, segundo tal análise, vão voltar aos níveis de 2007 ou menos, se o preço do petróleo se estabilizar abaixo de US$ 60 o barril, patamar atual, e a economia mundial continuar “soft”. Custos de matérias-primas não seriam um grande diferencial, a valer a previsão da AlixPartners de mercados fracos ainda por mais tempo. Sobre tributos e tarifas de comércio, ela destaca o rebate de impostos nas exportações da China. Quanto ao câmbio, prevê renminbi do jeito de sempre, rúpia mais forte e peso mexicano seguindo fraco. E o real? Deverá fortalecer-se.

Fábrica da GM no RS?Tudo considerado, o custo da indústria no Brasil passaria de 10% sobre os EUA, bastando o real voltar anos níveis de 2007, que é a sua aposta. Má notícia. A GM, cuja situação no Brasil independe de sua crise nos EUA, negocia com o BNDES, por exemplo, investir US$ 1 bilhão para construir no Rio Grande do Sul uma plataforma de exportação de carros com motores flex. Dependerá dos custos ou de subsídios. Muitos investimentos estão assim. E o governo discute a doença da ministra Dilma Rousseff, eleições de 2010. Ora...

Frenesi corporativo
Economia global em crise não significa economia parada. O que há é um frenesi entre as indústrias líderes à medida que voltam a se afastar da farra financeira que as manteve embriagadas por mais de duas décadas. Os governos também montam suas estratégias. Os EUA vão sair da crise devendo como nunca. O modelo adotado pela China ruiu. E o Brasil? Está melhor que o resto porque não teve tempo de cair na farra. Mas não está livre de ter de rever os indutores do crescimento até para saber se é por aí mesmo. Debater se o mercado interno basta ao crescimento, o que parece um tanto temerário. As lideranças nacionais só não podem se omitir. Mas é o que acontece.


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