Toffoli e Lewandowski são apontados como
vilões. Torcida gera debate no Facebook
Flávia Pierry -
O Globo
Meme com o ministro Joaquim Baebosa de Super Homem
circula nas redes sociais Reprodução internet
O mensalão está nas redes sociais – e virou até piada
- como forma de manifestar a torcida pela punição aos culpados. O relator, ministro
Joaquim Barbosa, se transformou na personificação de quem levará políticos para
a cadeia. Desde que começou o julgamento, circulam na internet mensagens de
apoio e defesa ao ministro. São os “memes”, imagens distribuídas e
compartilhadas pelos usuários que sintetizam uma ideia. Nessas imagens, Barbosa
é colocado como herói, justiceiro e exemplo para o país. São exaltadas a raça
do ministro e a trajetória que ele percorreu até chegar ao cargo, tendo
ingressado no curso de Direito sem depender de cotas.
- A ideia do meme é justamente comunicar uma ideia, às
vezes complexa, de forma muito rápida e sintética. Esse tipo de comunicação é
muito eficaz. E sim, muitos memes acabam formando a opinião de quem tem contato
com eles – avalia o professor Ronaldo Lemos, fundador e diretor do Centro de
Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas.
Em um dos memes, Barbosa aparece de costas, vestindo a
toga usada pelos ministros do Supremo, com a legenda “Batman é para fracos: meu
herói é negão e usa toga preta”. Em outro, ilustrado com o mapa do Brasil e a
foto de Barbosa, a legenda é “J de Justiça. Mas podia ser de Joaquim”.
O ministro não tem conta oficial no Facebook ou no
Twitter, mas fica sabendo o que se fala nas redes sociais sobre ele por meio de
funcionários de seu gabinete. Publicamente, a fama de herói do ministro já o
deixou constrangido. Na semana passada, na cerimônia de posse do novo
presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Felix Fischer, algumas
mulheres o cercaram e afirmaram que ele era “o herói” delas. Ele respondeu ser “um barnabé desse processo”.
Usuários do Facebook também veiculam memes sobre
outros ministros da Corte. Se por um lado Barbosa é mostrado como o Superman,
Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli ficam com o papel do vilão. Em uma das
imagens, aparecem as fotos de todos os ministros com a legenda “Patriota” ou
“Vendido”. Toffoli e Lewandowski são “vendidos” nessa imagem, pois votaram pela
absolvição do presidente da Câmara à época do mensalão, o deputado João Paulo
Cunha (PT-SP).
Para o professor Ronaldo Lemos, muitos desses memes
são espontâneos, criados ou disseminados por usuários como forma de protesto,
tomando o lugar que a música já teve no passado.
- Essa forma de comunicação é abraçada cada vez mais
para transmitir ideias políticas. Dá até para dizer que no mundo de hoje os
memes ocupam o lugar da música de protesto dos anos 60. Basta analisar a forma
como as ideias do Occupy Wall Street (movimento contra a influência do setor
financeiro sobre o governo dos Estados Unidos) foram disseminadas. Hoje em dia,
em vez da "música de protesto", existe o "meme de protesto"
– afirma Lemos.
O perfil dos criadores dessas memes é heterogêneo. A
conta “Isso é Brasil” se atém mais a exaltar Barbosa, em especial o fato de ele
ser negro, e criticam Toffoli por ter pertencido ao PT. No perfil, mensagens a
favor de Barbosa se misturam com imagens engraçadinhas, sobre religião, humor,
ecologia, autoajuda e contra o racismo. Já o perfil “Quero o fim da corrupção”
é feita por pessoas que afirmam terem o objetivo de mostrar que “todo cidadão
pode e deve participar da política e com isso conseguiremos construir um país
mais justo.” A intenção do grupo é, segundo o perfil, reunir 500 mil
assinaturas para criar um “plebiscito ou referendo” sobre tornar hediondos os
crimes contra a administração pública, agravar penas de crimes de corrupção e
criar varas exclusivas para julgar as ações de improbidade administrativa.
Usuários compartilham por razões diferentes
Entre os usuários do Facebook que compartilham as
imagens, há diferentes graus de entendimento do que é o julgamento do mensalão,
como trabalham os ministros, e o trâmite do julgamento. Porém, os memes são
usados para expressar o sentimento de que o julgamento é histórico e que há
esperança de que os culpados serão punidos. O empresário Luiz Ferrarezi, que
compartilhou alguns dos memes, afirma que a imagem de Barbosa está associada à
“honestidade incorruptível”, além de expressar a vontade e o pensamento da
maioria da população, conceito que ele formou ao ver a posição do ministro
neste julgamento e em outros do Supremo.
- Com a internet acredito que isso fica mais fácil de
ser apresentado ao público. Mas também acho que há o risco de criar um exagero
ou mesmo um mito, e aí devemos lembrar que ele não é o Batman, ou um político,
mas um ser humano que está como ministro – disse Ferrarezi.
- Acho um acontecimento (o julgamento do mensalão) que
pode sim funcionar como um divisor de águas na politica do país. Compartilhei a
imagem do Joaquim Barbosa mais por revolta contra a decisão do Lewandowski. Mas
acho esse endeusamento (a Barbosa) errado. O que ele fez deveria ser
corriqueiro, não exceção – afirmou Anderson Alves da Costa, orçamentista.
Há ainda quem divulgue as imagens de Barbosa por
conhecer e aprovar o exemplo do ministro, como ele chegou ao cargo vindo de uma
família pobre e sendo negro. A cabeleireira Tatiane Araújo diz que acompanha
muito pouco o julgamento, mas que compartilhou os memes do ministro “ pois
temos que fazer a divulgação de pessoas boas e honestas”, em oposição às
pessoas que postam “coisas com ligação a drogas, prostituição e apologia ao
crime”.
- Compartilhei pois achei a história dele interessante
e serve de exemplo para muitas pessoas que desejam ter um futuro bom e que nem
sempre tem condição de ter uma vida melhor, um ensino de qualidade – opinou
Tatiane.
É normal que as razões que levaram diferentes pessoas
a compartilhar um mesmo meme variem, mesmo que sua mensagem seja extremamente
simples em uma primeira análise, avalia o professor Ronaldo Lemos. Porém, a
cada novo compartilhamento, uma nova dimensão é adicionada ao meme:
- As ideias vão sendo formuladas e evoluindo a partir
de um intenso jogo social, em que cada pessoa pode não apenas comentar mas
também adicionar elementos e variações à ideia original – explica o professor.
Com essa facilidade de criar eventos que parecem
espontâneos e ganham credibilidade e sentido a cada compartilhamento, o
professor alerta que está crescendo o número de memes que são forjados
artificialmente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário