VEJA
A Câmara dos
Deputados ultrapassou, nesta quarta-feira, 28, todos os limites do ultraje.
Numa decisão sem precedentes, mesmo para uma Casa acostumada a sucessivos
escândalos, os deputados decidiram manter o mandato de um presidiário condenado
a 13 anos e 4 meses de prisão. Natan Donadon (sem partido-RO), que respondia a
um processo de cassação, escapou da perda de mandato porque não foi atingido o
número de 257 votos necessários para a cassação. Foram 233 votos a favor, 131
contra e 41 abstenções. O alto número de ausências (108 parlamentares, de 513,
simplesmente não votaram) também contribuiu para o vexame.
Por causa do voto secreto, nunca se saberá
quais foram os parlamentares que ajudaram a construir o resultado
inadmissível. Na tribuna do plenário, só se ouviram discursos a favor da
punição do parlamentar, condenado por peculato e formação de quadrilha. A palavra
constrangimento foi a mais repetida pelos deputados em seus
discursos. Mas, em decisão inédita, a Câmara criou o primeiro
deputado encarcerado do Brasil. Donadon passa a ser um preso com
mandato: ele não tem direitos políticos, mas continua deputado. No
final, faltaram parlamentares com coragem, ética e respeito pelo povo.
Radar:
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Assim
que o resultado foi comunicado, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves
(PMDB-RN), anunciou que estava afastando Donadon do exercício do mandato. Alves convocou o suplente,
Amir Lando (PMDB-RO), para tomar posse a partir desta quinta-feira. A atitude
do presidente, na prática, retira de Donadon o direito a salário, benefícios
parlamentares ou contratação de assessores. A decisão deve ser questionada pela
defesa do parlamentar-presidiário.
“Uma vez que, em razão do cumprimento da pena em
regime fechado, o deputado Natan Donadon encontra-se impossibilitado de
desempenhar as suas funções, considero-o afastado do exercício do mandato e
determino a convocação imediata do suplente”, anunciou Alves.
Traição - Parlamentares de várias legendas se pronunciaram, em
meio a um plenário esvaziado, após a decisão. "Isso foi uma traição enorme
não só ao parlamento, mas à população", afirmou Ronaldo Caiado (GO), líder
do DEM. "É uma irresponsabilidade o que a Câmara acaba de
fazer", criticou Rubens Bueno (PR), líder do PPS.
Depois
da decisão, Donadon - que teve autorização judicial para comparecer à Câmara -
ajoelhou-se e agradeceu aos céus. Em seguida, ele embarcou imediatamente
em um camburão e seguiu para o presídio da Papuda, que é o seu lar há exatos
dois meses. O ex-peemedebista cumpre, desde 28 de junho, pena de prisão. A decisão foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que esgotou
todos os recursos possíveis à defesa do político. O ex-parlamentar foi
considerado culpado por peculato e formação de quadrilha.
Antes do fim da sessão, o presidente Eduardo
Alves anunciou que, antes de colocar em votação qualquer novo processo de
cassação, vai aguardar a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
que extingue o voto secreto. "Não colocarei mais nenhum processo de
cassação sob voto secreto nesta casa", disse ele. Henrique percebeu o
risco de absolvição já no início do processo de votação.
Histórico - Eram necessários 257 votos (a maioria dos 513
deputados) a favor da cassação para que a punição se concretizasse. Mas o
número de parlamentares que registraram o voto ficou abaixo do esperado: na
primeira hora de uma votação que deveria ser rápida, menos de 400 participaram
do processo de decisão - apesar de 469 deles terem ingressado na Câmara nesta
quarta-feira. Temendo mais um episódio vergonhoso para a Casa, com a eventual
absolvição de Donadon, o presidente Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) não quis
arcar sozinho com o risco e anunciou que esperaria até as 23 horas para que os
parlamentares ausentes comparecessem e registrassem seu voto. A
sessão teve início antes das 20 horas, mas o quórum baixo se manteve, o
que beneficiou Donadon.
Antes
da votação final, a Câmara viveu um dos momentos mais constrangedores dos
últimos tempos: o deputado chegou à
Casa algemado -
e escondido da imprensa. No dia em que completava dois meses de encarceramento
no Presídio da Papuda, ele adentrou o plenário de terno, usando o broche de
deputado, como qualquer outro detentor de mandato. Foi cumprimentado por alguns
colegas. Entre eles, Sérgio Morais (PTB-RS), aquele que certa vez disse
estar "se lixando" para a opinião pública, e Eduardo Cunha (RJ),
líder do PMDB.
Mensaleiros - A decisão também abre precedente para decisões
favoráveis aos mensaleiros: hoje, quatro parlamentares condenados no processo
do mensalão exercem o mandato, enquanto aguardam o fim da análise dos embargos
pelo Supremo Tribunal Federal. José Genoino (PT-SP), João Paulo Cunha (PT-SP),
Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP) saem vencedores com a decisão
pró-Donadon. Os quatro, aliás, se ausentaram na votação desta quarta-feira. A
lista de ausentes também incluiu Paulo Maluf (PP-SP) e Jaqueline Roriz
(PMN-DF). Site da Revista Veja
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