Insegurança de Estado

Editorial da Folha de São Paulo - Governo e Petrobras desinformam o público e alimentam teorias conspiratórias no caso do furto de dados sigilosos.
O furto de dados sensíveis da Petrobras constatado no final de janeiro é uma história muito mal explicada. A desinformação alimentada pela estatal, resquício do tempo em que ali reinavam os militares, não é novidade nem parece conhecer limites: foram necessários seis dias para vir a público que houve duas incursões de larápios, e não só o arrombamento de um contêiner com computadores.

Após a nota lacônica do dia 14, pouco se ouvia da Petrobras a respeito do incidente -enquanto proliferavam especulações sobre complôs e espionagem. Isso até o presidente Lula, numa cerimônia em Vitória (ES), determinar a José Sergio Gabrielli, presidente da estatal, que fosse "lá falar com eles" (jornalistas).

"Essa retirada de equipamento de sonda não é transporte de dados; o transporte de dados é feito on-line", minimizou Gabrielli. "Não tem nada a ver com o transporte físico de dados. Foi um procedimento absolutamente normal."

Soa acintoso um administrador qualificar como normal o transporte e o armazenamento inseguros de equipamentos com dados de caráter estratégico ou sigiloso. Em tela estariam informações sobre o campo de gás natural Júpiter, uma das maiores descobertas de reservas da história recente. Pouco importa se eram deslocadas máquinas ou dados -estes, nesta altura, já se encontram em mãos impróprias.

Como assinalou o colunista Janio de Freitas, a tentativa de trivialização da ocorrência destoa do que vem dizendo o primeiro escalão do governo federal: o furto representaria ameaça à segurança do Estado. Tarso Genro, ministro da Justiça, provou-se o mais loquaz defensor da tese de conspiração "geopolítica".

A ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, e o próprio Gabrielli, da Petrobras, negam que a ocorrência policial seja motivo para alterar a licitação de novas áreas de exploração. A insistência de setores do governo no caráter estratégico das informações furtadas, no entanto, mantém em cena, por ora sem sustentação nenhuma nos poucos fatos conhecidos, o espectro da cobiça internacional. É um prato cheio de carniça para dinossauros nacionalistas e estatizantes.

Ninguém ignora que existe espionagem na bilionária indústria do petróleo. No caso do furto da Petrobras, contudo, nem mesmo isso está caracterizado. Entende-se, mas não se aceita, que a empresa tente diminuir o estrago causado em sua reputação pela fragilidade do sistema de proteção de dados. Erguer uma cortina de fumaça pode oferecer-lhe uma miragem de proteção, mas também deixa no escuro investidores e contribuintes, aqueles que a sustentam.

Não é a primeira vez que o governo Lula aproveita fatos extraordinários no setor petrolífero para turvar o processo de abertura ao capital privado. No caso da descoberta de Tupi, foi prudente retirar algumas áreas do cronograma de licitações. Ao repetir-se, porém, esse padrão começa a abrir cunhas de suspeita sobre as reais intenções "estratégicas" e "geopolíticas" do governo na matéria.

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