Como a crise do Cáucaso mostrou, defesa nacional e povoamento são conceitos inseparáveis. É disso que se trata na Raposa Serra do Sol
Nas Entrelinhas - Por Alon Feuerwerker – Correio Braziliense
Aproxima-se o momento de decisão para o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. O pronunciamento será decisivo para o futuro da política indigenista no Brasil, já que irá consolidar uma jurisprudência, além de estabelecer paradigmas válidos para todo o território nacional.
A origem do problema é conhecida. Cedendo a pressões internacionais, os dois últimos governos brasileiros demarcaram na fronteira norte uma reserva com limites totalmente desprovidos de racionalidade ou lógica. A imprevidência governamental estendeu a área a territórios tradicionalmente ocupados por populações não indígenas — e também por índios já aculturados e plenamente integrados à esfera da sociedade e da economia modernas.
O bom senso e a prudência recomendavam a demarcação assim chamada de descontínua, por excluir esses territórios. Mas tanto Fernando Henrique Cardoso como Luiz Inácio Lula da Silva preferiram jogar para a platéia, levaram Raposa Serra do Sol o mais longe possível e acabaram criando um gravíssimo problema fundiário e político em Roraima. Que cabe agora ao STF solucionar, com pragmatismo e prudência.
Seria um engano, porém, pensar que o debate está restrito ao tema do indigenismo. O desenho legal da Constituição de 1988 para as terras indígenas estimula objetivamente as tendências centrífugas e o secessionismo. Como o artigo 78 da Carta determina também que o juramento presidencial inclua o compromisso de “sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”, tem-se aqui uma contradição.
A palavra final está agora com o STF. Caberá aos ministros definir até que ponto a política indigenista pode ser implementada, já que ela não tem o direito de conduzir a situações que possam ameaçar a integridade e a independência do Brasil. Ou seja, ela não pode ser tratada como valor absoluto, mas deve existir em harmonia com os demais ditames constitucionais.
Até algum tempo atrás, colocar o debate nesses termos era considerado coisa patrioteira, comportamento de Policarpo Quaresma. Acontecimentos recentes, porém, recolocaram com força na agenda planetária a questão das nações e de seu território. Aqui ao lado, na Bolívia, o secessionismo é a ferramenta que opositores locais e globais de Evo Morales encontram para enfraquecer politicamente o líder boliviano. Na Ásia, as pressões pela independência do Tibete são elemento-chave para tentar debilitar a China. A fragmentação obsessiva da Sérvia tem sido um vetor da transformação da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em força de contenção da Rússia.
Num mundo marcado pela emergência de novas potências, as velhas manipulam as pressões independentistas conforme sua conveniência. Adotam políticas variáveis, conforme lhes interesse enfraquecer ou fortalecer determinados jogadores. Assim, o desejo de independência da Ossétia do Sul é tachado de separatismo inaceitável, enquanto o surgimento de Kosovo, contra todas as decisões da ONU, foi saudado e acolhido calorosamente pela “comunidade internacional”.
O Brasil é um desses novos jogadores com aspirações a potência. Nossa posição é privilegiada, num mundo em que a capacidade agrícola e o estoque de recursos naturais não renováveis retomaram sua importância, desmentindo as previsões em contrário. Nessa disputa global, nossa massa crítica é a unidade nacional, sempre combinada com nossa integração aos vizinhos.
É razoável que o Brasil proteja seus índios e lhes ofereça as condições para preservar sua existência e cultura. Não é razoável que a política indigenista crie dentro de nosso território bolsões que se imaginam embrionários de novas nações. É positivo que índios em estágio pré-civilizatório recebam os meios para não sucumbir ao entorno. Não é aceitável que a pretexto disso se criem extensas áreas desabitadas em nossas fronteiras, especialmente na Amazônia, áreas onde nem as Forças Armadas conseguem ter atuação eficaz. Aliás, como a crise do Cáucaso mostrou, defesa nacional e povoamento são conceitos inseparáveis. É disso que se trata na Raposa Serra do Sol. É disso que se tratará no julgamento do STF.
KOSOVOS BRASILEIROS
Por Luiz Eduardo Rocha Paiva - General da reserva do Exército – Opinião
Do Correio Braziliense
A história ensina que cenários semelhantes, mesmo em episódios distintos e distantes no tempo, podem ter desfechos análogos. O tempo estratégico não se conta ano a ano, portanto, erros de hoje produzem conseqüências décadas adiante.
A Bolívia vendeu o Acre, em 1903, por não tê-lo ocupado com seu povo após o Tratado de Ayacucho, de 1867, que lhe fora favorável. Quando quis fazê-lo, em 1898, o Acre estava ocupado por brasileiros desde 1877. Eram nordestinos liderados por seringalistas brasileiros que exerciam, de fato, o poder local no vazio deixado pelo governo boliviano. Os seringalistas tinham outros interesses e não eram comprometidos com a nação andina. O tempo estratégico passou de três décadas.
Na província sérvia do Kosovo, cerca de 90% da população é albanesa. Em 1974, o Kosovo recebera autonomia, que foi cassada em 1999, levando aquela população à revolta. Ante a violenta reação da Sérvia e não tendo seu aval para entrar com suas forças “de paz” na região, a Otan moveu uma campanha aérea arrasadora, que acabou por dobrar aquele país. A ofensiva poupou o alto custo em baixas de uma operação terrestre. O direito de soberania não foi suficiente para a Sérvia manter sua integridade territorial, pois o Kosovo se declarou independente em 2008.
Os exemplos evidenciam que num país onde determinada região rica seja um vazio de poder, sem população nacional, ocupada por população segregada e sob liderança alienígena, ligada a outros países, projeta-se um cenário de perda de soberania e integridade territorial a despeito do direito internacional. Esse é o cenário desenhado em Roraima, com potencial de expansão até o Amapá.
Desde 1991, o Brasil demarca extensas terras indígenas, inclusive na faixa de fronteiras, o que impede a vivificação dos limites nacionais. O país trocou a política de integração pela de segregação do índio. Os grupos indígenas passaram a ser chamados “povos” e, ao receberem territórios, a constituir “nações” para setores nacionais e internacionais que defendem sua autonomia.
A Amazônia é rica, não integrada e cobiçada — um vazio de poder. O Estado se deixa substituir por ONGs e outras organizações, muitas das quais defendem interesses e recebem recursos de governos estrangeiros. Em terras indígenas, não podem viver, nem circular sem permissão, brasileiros de outras etnias. Em algumas décadas, haverá grandes populações indígenas autônomas, segregadas da sociedade e em imensos territórios.
Em 2007, a declaração da ONU sobre direitos dos povos indígenas concedeu-lhes, entre outros, os direitos de autogoverno; livre determinação, inclusive de sua condição política; constituir instituições políticas e sistemas jurídicos próprios; pertencer a uma nação indígena vetar atividades militares em terras indígenas; e aceitar ou não medidas legislativas ou administrativas que os afetem.
O artigo 46 da declaração, que aparentemente preserva a integridade e unidade política dos Estados, é inócuo, pois os artigos 41 e 42 “justificariam” a intervenção internacional em conflitos entre governos e “povos indígenas”. Como ficará a governabilidade no Brasil, considerando a quantidade de terras indígenas com direito a uma autonomia superior à dos estados da Federação? Povo, território, nação e instituições políticas são as bases de um estado-nação.
A declaração, inexplicavelmente, teve voto favorável do Brasil. Um absurdo! Embora a segurança da Amazônia dependa mais de ações no campo político, a liderança nacional tem um discurso ilusório de que sua defesa será assegurada pelo aumento do efetivo militar na área. Se fosse uma questão de quantidade, o Kuweit talvez estivesse ocupado, desde 1991, pelo então numeroso Exército iraquiano. No futuro, não sendo suficiente, como tem sido, a pressão nos campos político e econômico, para impor seus interesses, uma coligação de potências ameaçará áreas sensíveis como, por exemplo, a Bacia de Campos e Itaipu. Se o governo não ceder, ela paralisa e apaga o país, para evitar um confronto terrestre.
Existe a ameaça, ela é muito grave e o tempo estratégico aproxima-se de duas décadas. A liderança nacional vem criando condições objetivas para a perda da soberania e integridade territorial na calha norte do Amazonas, sem que o oponente precise disparar um tiro. Na realidade, a ameaça não é o índio e sim a liderança nacional, inconseqüente e sem visão estratégica
LIMITES DA JUSTIÇA
“Estão julgando é a nossa vida”
Entrevista Paulo César Quartiero, Prefeito de Paracaima (RR) e líder dos Agricultores ao Jornal Zero Hora
Gaúcho de Torres, o arrozeiro e prefeito Paulo César Quartiero é o principal líder dos agricultores da Reserva Raposa Serra do Sol. Ele já foi preso, teve o seu mandato cassado e acabou reposto no cargo. Ele falou com Zero Hora por telefone. Leia os principais trechos:
Zero Hora – Como está a expectativa para o julgamento no STF?
Paulo César Quartiero – Estamos apreensivos. O que estão julgando é a nossa vida. Não só a nossa, particular, mas a vida do município, que eu represento. Se confirmar a demarcação, praticamente será extinto, e o Estado de Roraima terá o seu futuro inviabilizado. Temos de acreditar que a Justiça brasileira faça justiça.
ZH – A região está sob pressão?
Quartiero – É a manifestação chapa branca, como sempre. Os índios são transportados, alimentados e manipulados pelo Ministério da Justiça, pela Polícia Federal e pelo que a gente chama aqui de tridente do diabo, que é o Incra, a Funai e o Ibama.
ZH – Vocês pretendem contrapor essa pressão?
Quartiero – Estamos convocando todos para orar. Uma vigília permanente para que Deus ilumine os ministros para que eles abençoem o povo. Nada mais do que isso. O que tem aqui são famílias destruídas. Tem gente que vive na periferia, jogada. Parece que passamos por uma guerra que destruiu tudo. É um processo muito dolorido e triste.
ZH – Qual é a solução ideal?
Quartiero – O que precisa é de uma política nacional para repovoar as fronteiras. Hoje em dia, temos o uso do ambientalismo e dos índios como pontas de lança de um processo de expulsão dos brasileiros e a substituição por ONGs internacionais.
ZH – E se o Supremo decidir a favor dos índios?
Quartiero – Acho que será uma decisão histórica, senão teremos um Brasil que não dará certo.
Entrevista Eusébio de Lima Marques, líder indígena da região da Reserva Raposa Serra do Sol. Um dos principais líderes dos índios, ligado ao CIR, ele detalha o clima de tensão no local e sugere que, independentemente do resultado, a polêmica não terminará. Zero Hora falou por telefone com ele. Confira os principais trechos da conversa:
Zero Hora – Como vocês vão acompanhar o julgamento?
Eusébio de Lima Marques – Temos 2 mil indígenas na vila Surumum (área de maior conflito) aguardando a decisão do Supremo. Tem que respeitar a lei aprovada pelo presidente. Tem que nos respeitar.
ZH – Se houver decisão contra os índios, o que vocês farão?
Eusébio – Nunca vamos abrir mão. Vamos continuar lutando. O que é nosso, é nosso.
ZH – Isso inclui conflito?
Eusébio – Se o Supremo der favorável aos arrozeiros, vamos lutar, não vamos sair de graça. Sempre disseram para a gente ter paciência, mas chega o momento que estoura tudo e não tem mais paciência. Vamos reagir. A gente não quer isso.
INVASORES FECHAM RODOVIA COM PNEUS E FOGO (DE NOVO)
Impulsionados pelo Movimento dos Sem-Teto e pela Central dos Sem-Terra (CST), cerca de 2.400 pessoas estão bloqueando a BR-174 com pneus e fogo. Eles invadiram semana passada uma área particular localizada na BR-174, em frente da Base Aérea de Boa Vista e foram retirados do local pela Justiça após o proprietário, o empresário Paulo Campos pedir a reintegração de posse. Conforme Paulo Campos, a CST é acostumada a invadir terras particulares, principalmente em período eleitoral, para tentar se apossar de tais propriedades e depois vendê-las. Da Redação da Folha de Boa Vista
GUETOS GOVERNAMENTAIS
Opinião - Por Ives Gandra Martins - professor de direito e escritor – JB Online
Uma das características do 2º mandato do presidente Lula é a formação de guetos intocáveis no seu governo, que o próprio presidente, por prudência ou receio, não desarma. Neste quadro, repetidas vezes, as divergências não conseguem ser abafadas.
Lembro algumas delas. O MST, com sua arrogância e métodos totalitários, continua destruindo propriedades públicas e privadas, sem que haja a menor reação por parte do Poder. Pelo contrário, financia escolas do bando, onde somente seus partidários são admitidos. O Incra é, pois, um dos guetos governamentais inatingíveis.
A Funai assegurou a 380 mil índios (população de um município médio no Brasil) mais de 100 milhões de hectares (13% do território nacional) e, nesta área, os demais brasileiros só entram se autorizados por funcionário da instituição. O inciso XV do art. 5º da Constituição Federal nada vale, nestes territórios indígenas, pois ali não se pode circular livremente. É um outro gueto governamental.
Os guerrilheiros – que, tal como os agentes de repressão do regime anterior, torturaram e mataram pessoas – fizeram excelente negócio, ao tentar impor sua ideologia pelas armas. Superados os arroubos ideológicos, conquistaram o poder pelas vias democráticas, e utilizam-no para obter para si mesmos indenizações milionárias, pagas pelos contribuintes brasileiros. O ministério, que as outorga, é constituído por alguns deles. Trata-se de outro gueto governamental, que, agora, seletivamente, pretende punir apenas os torturadores do outro lado, não os da guerrilha, hoje beneficiários das auto-outorgadas nababescas indenizações. Contam com o apoio do ministro da Justiça, nada obstante a Constituição Federal ter colocado uma pedra sobre o triste passado. É outro gueto governamental, com perfil autônomo.
Compreende-se, pois, que o ministro da Defesa, na preservação constitucional (art. 142 da C.F.) daquelas forças que têm a incumbência de proteger o país, as instituições e os três Poderes, tenha se oposto ao "gueto dos guerrilheiros". Mas, ao fazê-lo, demonstrou que seu ministério também tem luz própria, constituindo um outro gueto governamental.
A tudo isto, assiste o presidente – quando está no Brasil – impassível, apoiando os aprendizes de ditadores (Evo e Chávez) ou os próprios ditadores (Fidel e Raul Castro), assim como aliados europeus e americanos, numa tentativa de agradar a gregos e troianos, no plano internacional, de certa forma, transferindo sua ação maior para as relações externas.
Creio que o presidente Lula, durante sua vida de sindicalista – como, aliás, afirmou, quando candidato – aprendeu mesmo a conviver com as diversas correntes de pensamento, inclusive com os eleitores, de todas as ideologias, que o levaram, pela segunda vez, ao exercício da Presidência. E tal virtude tem-lhe permitido pairar sobre os guetos que se formaram, no bojo de seu governo. Temo, todavia, que esta excessiva tendência à contemporização – ao ponto de apoiar duas correntes de pensamento econômico quase conflitantes (Mantega-Meirelles) – possa, em algum momento, permitir que lhe usurpem o comando, pois de tal forma delegou-o, que reassumi-lo, agora, não será fácil.
Nunca é demais lembrar – respeitadas as devidas proporções e a violência dos métodos da época – o que ocorreu no século 3 do Império Romano. Os guetos formados entre os diversos exércitos romanos levaram a um período de tal instabilidade, que os imperadores duravam pouco no poder. Não conseguiam dominar seus comandantes e eram substituídos por aqueles que, no momento em que derrubavam o imperador anterior, adquiriam maior prestígio nos seus redutos militares.
Creio que valha a pena o presidente Lula debruçar-se mais sobre a atual realidade brasileira.
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