Câmara pune o mérito e a competência

Cerco à classe média. Ao separar metade das vagas de universidades federais para alunos de escolas públicas, Câmara pune o mérito e a competência - Por Gustavo de Almeida e Maíra Magro – IstoÉ



Depois de três anos parado, um projeto que anda na contramão do mérito foi aprovado na Câmara dos Deputados na quinta-feira 20. Se passar pelo Senado, dentro de quatro anos metade das vagas em universidades federais, onde se concentra a elite do ensino nacional, estará reservada para alunos que cursarem o ensino médio em escolas públicas. Dentro do grupo de estudantes beneficiados, haverá ainda subcotas em favor dos negros, pardos, indígenas e alunos de baixa renda. Ou seja, o vestibular que deveria selecionar os alunos mais bem preparados e com eles formar os melhores quadros para o País vai se afunilar ainda mais para poder compensar distorções econômicas, sociais e de formação educacional - que os deputados, claro, não pensaram como resolver.

"Fizemos uma ampla discussão e o texto foi aprovado por unanimidade em todas as comissões temáticas", explica o autor, o deputado Carlos Abicalil (PT-MT), 46 anos, mestre em educação. Ele, como a grande maioria da elite nacional, estudou em colégio privado e universidade federal, sem precisar de cotas. Segundo o projeto, dentro do percentual de vagas reservadas haverá prioridade para os alunos oriundos de famílias cuja renda per capita não passe de um salário mínimo e meio (R$ 622,50). As porcentagens de pardos, negros, índios e pobres vão oscilar conforme a variável étnica de cada Estado, estabelecida pelo IBGE. Os critérios de desempate no vestibular passarão pelo coeficiente de rendimento dos alunos nas escolas. O ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Fernando Peregrino, que atuou na implantação das cotas raciais nas universidades fluminenses em 2003, defende a medida: "Enquanto a escola pública não é fortalecida, precisamos dar tratamento emergencial à desigualdade de acesso", afirma. "Hoje, as pessoas mais preparadas para vencer no vestibular vêm das escolas particulares, e a lei de cotas vem combater isso." A favor do deputado Abicalil deve- se reconhecer o idealismo da proposta. Como não tem filhos, seu projeto, portanto, não atende a nenhum interesse imediato nem particular.

Para a procuradora Roberta Kaufmann, do Ministério Público do Distrito Federal e autora de uma tese de mestrado sobre ações afirmativas, o projeto é inconstitucional e traz resultados meramente simbólicos. "É uma política conveniente para o governo, que passa a imagem de estar fazendo alguma coisa, mas não ataca a raiz do problema, que é o ensino público de má qualidade", critica. De fato, a proposta tenta consertar no fim o que está errado na origem. "E há uma discriminação reversa, pois somente um grupo (os não beneficiados com as cotas) arca com as conseqüências dessa política cujo ônus deveria ser dividido pela sociedade." Como o número de vagas para o vestibular tradicional vai ser reduzido, é evidente que a nota de corte para quem está fora das cotas será ainda maior. O estreitamento do funil, portanto, atinge mais quem é branco e/ou estudou em escola privada, mas pune antes de tudo a qualificação e a competência.





FIESTA NO PCC

O PCC NÃO deve caber em si de tantas boas notícias. - Folha de São Paulo

Principal comprador da cocaína boliviana terá o seu negócio bem mais facilitado depois que Evo Morales expulsou a DEA do país.

Em menos de um ano, receberá uma estrada novinha em folha que pavimenta a sua mais importante rota do pó, entre Santa Cruz e Corumbá (MS). Mas a cereja do bolo é que, a partir de agora, o Brasil será o principal parceiro da Bolívia no combate às drogas.

Já faz bastante tempo que o narcotráfico boliviano deixou de ser uma grande preocupação americana e deveria ser uma prioridade brasileira. Nos últimos anos, cerca de 1% da cocaína produzida ali chega ao mercado americano. Por outro lado, dados oficiais indicam que ao menos 65% da crescente produção boliviana (5% em 2007) é comercializada nas ruas brasileiras, principalmente em São Paulo.

Com a saída da DEA, na Bolívia desde 1975, Morales corre o risco de perder toda a ajuda americana.

Isso representa US$ 28 milhões anuais para financiar ações policiais (90% do orçamento total), dez helicópteros, cerca de 260 funcionários e financiamento de cultivos alternativos. Sem contar a experiência de ter participado da redução mais bem-sucedida na América do Sul: principal produtora de cocaína nos anos 1980, a Bolívia agora ocupa hoje o terceiro lugar, atrás da Colômbia e do Peru.

A saída da DEA da Bolívia, onde mantém 35 funcionários, também implicará o fechamento de seu escritório regional para o Cone Sul.

Para cobrir o iminente vazio, o Brasil dispõe de apenas um-um!- funcionário, o adido da Polícia Federal na embaixada em La Paz. Que só se instalou por lá neste ano. E o país dá zero de ajuda financeira.

A falta de preocupação do Brasil ganhou contornos surreais na semana passada, na visita a Brasília do ministro de Governo, Alfredo Rada, ao colega Tarso Genro (Justiça). Toda a iniciativa veio do lado boliviano. O ministro brasileiro e seus assessores engoliram a lengalenga de que coca não é cocaína (o mesmo que dizer que laranja não é suco de laranja) e se limitaram a ouvir e aceitar as propostas de revisar os inócuos acordos bilaterais e ampliar a cooperação policial.

Genro poderia ter questionado, no mínimo, por que Morales -que acumula os cargos de presidente da República e do sindicato dos cocaleiros- decidiu aumentar a área legal de coca de 12 mil para 20 mil hectares, embora 6 mil hectares bastem para o uso tradicional.

Tanta inércia condiz com a estratégia maior da diplomacia lulista de evitar brigas com os vizinhos e assim despontar como "big player" mundial. Mesmo que isso traga o risco de transformar o Brasil num cenário de guerra parecido ao que ocorre hoje no México. Que o diga Botucatu, onde uma quadrilha acaba de explodir uma delegacia para roubar cocaína "made in Bolívia".

Fabiano Maisonnave, é correspondente em Caracas.

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