Armado de uma sinceridade cortante e de boa dose de desilusão, o senador pernambucano Jarbas Vasconcelos (PMDB), um político tarimbado e combativo, traçou um quadro sombrio do seu partido e da própria política brasileira. Segundo ele, o PMDB é hoje "um partido sem bandeiras, sem propostas, sem norte", no qual "boa parte quer mesmo é corrupção". Para o senador pernambucano, o PMDB atual não passa de "uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos - para fazer negócios, ganhar comissões". E mais: "Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral."
De acordo com a análise de Vasconcelos, que já governou duas vezes o Estado de Pernambuco, a degradação do partido ter-se-ia acentuado de 1994 para cá, quando "resolveu adotar a estratégia pragmática de usufruir dos governos sem vencer a eleição. Daqui a dois anos o PMDB será ocupante do Palácio do Planalto, com José Serra ou Dilma Rousseff. Não terá aquele gabinete presidencial pomposo no 3º andar, mas terá vários gabinetes ao lado".
Sobre a eleição do ex-presidente José Sarney, seu colega de partido, para a presidência do Senado, foi contundente: "É um completo retrocesso. A eleição de Sarney foi um processo tortuoso e constrangedor. Havia um candidato, Tião Viana, que, embora petista, estava comprometido em recuperar a imagem do Senado. De repente, Sarney apareceu como candidato, sem nenhum compromisso ético, sem nenhuma preocupação com o Senado, e se elegeu. A moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador."
Nos anos da ditadura, Jarbas Vasconcelos fez parte do núcleo dos autênticos do MDB - como eram chamados os parlamentares mais aguerridos e coerentes na luta contra o regime militar. Na abertura, sempre foi elogiado por Lula, que chegou a pensar no nome dele para disputar o cargo de vice-presidente. Hoje, porém, é um crítico incansável do governo Lula, que classifica como "governo medíocre". Sobre a popularidade do presidente da República, ponderou: "O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o País inteiro." Lula, observou, tem sido conivente com a corrupção: "Não foram o Lula e o PT que inventaram corrupção, mas essa tem sido a marca do governo dele."
Ao contrário do que se poderia esperar de uma estrutura política minimamente ética, os peemedebistas reagiram desqualificando o acusador, considerando-o desagregador, e usaram o discurso de que cabe ao incomodado se mudar. Caciques do partido - como Michel Temer (SP), presidente da sigla e da Câmara dos Deputados, José Sarney (AP) e o líder no Senado, Renan Calheiros (AL) -, que deveriam defender-se ou contestar as declarações, preferiram ficar em silêncio. A nota oficial distribuída pela Comissão Executiva Nacional do PMDB segue a mesma toada. "A corrupção está impregnada em todos os partidos", diz o texto. Trata-se de um desabafo do senador "ao qual a Executiva Nacional do Partido não dará maior relevo."
Resumo da ópera: se todos são corruptos, pensam inúmeros políticos, deixem-nos participar da rapina em paz. Impressionante! Não é apenas o reconhecimento implícito da culpa, mas muito mais: é a canonização da bandalheira, a santificação do pecado, a negação definitiva da ética na política.
Trata-se, infelizmente, de comportamento recorrente na vida pública brasileira: silenciar, negar, desqualificar e apostar na amnésia coletiva. Acusações gravíssimas já não provocam nenhuma reação. É o cinismo quimicamente puro. A Nação perde anticorpos morais e sucumbe aos sintomas de uma autêntica aids política.
Temos razões, inúmeras, para desabar no mais profundo pessimismo. Mas não devemos. O povo é mais perspicaz do que muitos pensam.
"Eu fui oposição ao governo militar e me lembro de que Médici era endeusado no Nordeste. Mas ninguém desistiu de combater a ditadura", comentou Vasconcelos. É verdade. Quem não se lembra do mote do desenvolvimentismo dos anos 70, "Brasil, ame-o ou deixe-o"? E ai de quem questionasse o "milagre brasileiro". Embalada no populismo e na exploração de um patriotismo exacerbado, a ditadura militar extirpou sonhos, demitiu vidas e decapitou liberdades.
Sarney, igualmente, viveu momentos de glória. Apoiado no marketing de um plano econômico de curto prazo, viu-se guindado à condição de líder inconteste. Os "fiscais do Sarney" constituíram um tribunal popular que condenava os hereges que se atreviam a questionar o plano redentor. Os fatos, porém, revelaram a inconsistência do governo e a comitiva do então presidente acabou apedrejada no Rio de Janeiro. O povo demorou, mas deu o troco. Primeiro, nas ruas; depois, nas urnas.
A corrupção é, de longe, uma das piores chagas que maltratam o organismo nacional. Políticos corruptos e corruptores, apoiados na força de um marketing político desviado, vendem ilusões e lançam migalhas de assistencialismo. Mas negam ao povo o que ele tem direito: saúde, educação e segurança compatíveis com os impostos que paga.
É preciso dar um basta ao cinismo e à ladroagem! O senador Jarbas Vasconcelos falou em público o que a imprensa denuncia regularmente. Cabe-nos o dever irrenunciável da perseverança investigativa.
Os brasileiros merecem um país decente.
Por Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, professor de Ética, é diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br) e da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com) E-mail: difranco@iics.org.br - Estadão
De acordo com a análise de Vasconcelos, que já governou duas vezes o Estado de Pernambuco, a degradação do partido ter-se-ia acentuado de 1994 para cá, quando "resolveu adotar a estratégia pragmática de usufruir dos governos sem vencer a eleição. Daqui a dois anos o PMDB será ocupante do Palácio do Planalto, com José Serra ou Dilma Rousseff. Não terá aquele gabinete presidencial pomposo no 3º andar, mas terá vários gabinetes ao lado".
Sobre a eleição do ex-presidente José Sarney, seu colega de partido, para a presidência do Senado, foi contundente: "É um completo retrocesso. A eleição de Sarney foi um processo tortuoso e constrangedor. Havia um candidato, Tião Viana, que, embora petista, estava comprometido em recuperar a imagem do Senado. De repente, Sarney apareceu como candidato, sem nenhum compromisso ético, sem nenhuma preocupação com o Senado, e se elegeu. A moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador."
Nos anos da ditadura, Jarbas Vasconcelos fez parte do núcleo dos autênticos do MDB - como eram chamados os parlamentares mais aguerridos e coerentes na luta contra o regime militar. Na abertura, sempre foi elogiado por Lula, que chegou a pensar no nome dele para disputar o cargo de vice-presidente. Hoje, porém, é um crítico incansável do governo Lula, que classifica como "governo medíocre". Sobre a popularidade do presidente da República, ponderou: "O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o País inteiro." Lula, observou, tem sido conivente com a corrupção: "Não foram o Lula e o PT que inventaram corrupção, mas essa tem sido a marca do governo dele."
Ao contrário do que se poderia esperar de uma estrutura política minimamente ética, os peemedebistas reagiram desqualificando o acusador, considerando-o desagregador, e usaram o discurso de que cabe ao incomodado se mudar. Caciques do partido - como Michel Temer (SP), presidente da sigla e da Câmara dos Deputados, José Sarney (AP) e o líder no Senado, Renan Calheiros (AL) -, que deveriam defender-se ou contestar as declarações, preferiram ficar em silêncio. A nota oficial distribuída pela Comissão Executiva Nacional do PMDB segue a mesma toada. "A corrupção está impregnada em todos os partidos", diz o texto. Trata-se de um desabafo do senador "ao qual a Executiva Nacional do Partido não dará maior relevo."
Resumo da ópera: se todos são corruptos, pensam inúmeros políticos, deixem-nos participar da rapina em paz. Impressionante! Não é apenas o reconhecimento implícito da culpa, mas muito mais: é a canonização da bandalheira, a santificação do pecado, a negação definitiva da ética na política.
Trata-se, infelizmente, de comportamento recorrente na vida pública brasileira: silenciar, negar, desqualificar e apostar na amnésia coletiva. Acusações gravíssimas já não provocam nenhuma reação. É o cinismo quimicamente puro. A Nação perde anticorpos morais e sucumbe aos sintomas de uma autêntica aids política.
Temos razões, inúmeras, para desabar no mais profundo pessimismo. Mas não devemos. O povo é mais perspicaz do que muitos pensam.
"Eu fui oposição ao governo militar e me lembro de que Médici era endeusado no Nordeste. Mas ninguém desistiu de combater a ditadura", comentou Vasconcelos. É verdade. Quem não se lembra do mote do desenvolvimentismo dos anos 70, "Brasil, ame-o ou deixe-o"? E ai de quem questionasse o "milagre brasileiro". Embalada no populismo e na exploração de um patriotismo exacerbado, a ditadura militar extirpou sonhos, demitiu vidas e decapitou liberdades.
Sarney, igualmente, viveu momentos de glória. Apoiado no marketing de um plano econômico de curto prazo, viu-se guindado à condição de líder inconteste. Os "fiscais do Sarney" constituíram um tribunal popular que condenava os hereges que se atreviam a questionar o plano redentor. Os fatos, porém, revelaram a inconsistência do governo e a comitiva do então presidente acabou apedrejada no Rio de Janeiro. O povo demorou, mas deu o troco. Primeiro, nas ruas; depois, nas urnas.
A corrupção é, de longe, uma das piores chagas que maltratam o organismo nacional. Políticos corruptos e corruptores, apoiados na força de um marketing político desviado, vendem ilusões e lançam migalhas de assistencialismo. Mas negam ao povo o que ele tem direito: saúde, educação e segurança compatíveis com os impostos que paga.
É preciso dar um basta ao cinismo e à ladroagem! O senador Jarbas Vasconcelos falou em público o que a imprensa denuncia regularmente. Cabe-nos o dever irrenunciável da perseverança investigativa.
Os brasileiros merecem um país decente.
Por Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, professor de Ética, é diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br) e da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com) E-mail: difranco@iics.org.br - Estadão
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