POLÍTICOS APOSTAM NA ABULIA POPULAR
Os deputados e os senadores ganham uma bolada extra por mês. Além dos salários, embolsam mais R$ 15 mil para gastar praticamente como bem entenderem. Apresentam notas fiscais mantidas em sigilo absoluto. Tudo ia bem até o deputado do castelo, Edmar Moreira, comunicar o consumo de R$ 140 mil em 2008 com segurança privada -logo ele, cuja fortuna deriva desse setor.
Pressionado, o mundinho político adotou uma variável da máxima de Lampedusa: simulou mudanças para manter tudo como está. A Câmara decidiu e o Senado copiará a seguinte ideia: daqui a 45 dias, passarão a divulgar os valores das notas fiscais e os nomes dos fornecedores. CNPJs e fac-símiles dos recibos? Nem pensar. O simulacro de transparência não chega a tanto. O prazo de 45 dias é injustificável do ponto de vista gerencial. Se há desejo de divulgar os dados, nada impediria alguns dos 30 mil funcionários do Congresso de fazer o serviço em um ou dois dias.
Trata-se de operação de baixa complexidade - digitar nomes e números. Deputados e senadores discordam. Analfabetos em informática, propagam a noção de que seria tudo complicadíssimo.
Complicado é proteger atos espúrios, como foi a decisão de ontem, de estabelecer o esquecimento oficial de notas fiscais de anos anteriores. Nada do passado será divulgado. Irregularidades cometidas estão perdoadas. Essa autoanistia ainda vem com o bônus de 45 dias de prazo para todos terem tempo de encontrar recibos quentes.
É uma decisão corajosa. Mas deputados e senadores nunca perdem viagem quando apostam na abulia popular. O Carnaval está aí para esfriar os ânimos. Assim, o arquivo morto do Congresso receberá, de uma só vez, as notas fiscais antigas e a capacidade dos políticos de sentirem vergonha por atos tão antirrepublicanos como esse. - Fernando Rodrigues Folha de S. Paulo
EU SOU, MAS QUEM NÃO É?
Seria de rir, não fosse de chorar - pelo que evidencia da miséria moral da política brasileira - a nota com que o PMDB se manifestou sobre a entrevista do senador pernambucano Jarbas Vasconcelos, um dos fundadores da legenda, em que ele acusa "mais de 90%" dos seus correligionários de praticar o clientelismo, no escambo do apoio aos governantes de turno, em troca, principalmente, de cargos. Em raquíticas oito linhas, a Executiva Nacional peemedebista faz saber que não dará "maior relevo" às denúncias, desqualificadas como mero "desabafo". Tivesse a agremiação um átimo de pudor, chamaria o dissidente às falas porque o seu assim denominado desabafo expõe o cerne do comportamento fisiológico que de há muito se tornou a razão de ser desse que é o carro-chefe do sistema partidário nacional. Editorial do Estado de São Paulo
Pois quando fala do apetite compulsivo do PMDB por cargos, o senador observa que a ocupação de espaços na máquina federal não se explica basicamente pela busca de dividendos políticos, portanto eleitorais, que o enfeudamento rende aos ocupantes e, sobretudo, aos seus padrinhos. Se disso se tratasse, até que não seria o pior dos mundos, descontada, vá lá, a promiscuidade que desnatura o princípio constitucional da impessoalidade da administração pública e das decisões de Estado - e a entrevista do senador não passaria de uma dissertação superficial sobre o toma-lá-dá-cá nas relações de poder no País.
Só que ele atingiu a veia da questão ao dizer que a maioria dos peemedebistas interessados em cargos "se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral". E, para o caso de alguém ainda não ter entendido, cravou: "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção."
Diante disso, com a sua murmurada resposta, o baronato partidário passou o proverbial recibo ao denunciante, elevando inadvertidamente os seus argumentos à categoria de constatação de uma realidade objetiva. Ao mesmo tempo, a cúpula deixou subentendido o paradoxo que é a marca de Caim da sigla - e, diga-se desde logo, não apenas desta. Sim, porque, tivessem esses cavalheiros algum resquício de pudor, como se mencionou acima, iriam com tudo contra quem não mediu palavras para dizer a que vem "boa parte" deles. Mas, fizesse o pudor parte de seu padrão de atuação política, não seriam o que são, e o libelo que caiu sobre as suas cabeças teria tanta contundência quanto um tiro de pólvora seca. Em desespero de causa, a nota acusa Vasconcelos de lançar a pecha de corrupção a todo o sistema político, por ter ele afirmado que "a corrupção está impregnada em todos os partidos". Praticamente dá para ouvir os autores repetindo, em coro, o velho bordão do personagem de Chico Anísio: "Sou, mas quem não é?"
Dizem eles ainda que não darão "maior atenção" às suas palavras "em razão da generalidade das acusações". Efetivamente, ele "não aponta nenhum fato concreto que fundamente suas declarações". Vasconcelos se deteve apenas no episódio do colega Renan Calheiros, que em dezembro de 2007 renunciou à presidência do Senado dentro de um arranjo para não ser cassado por quebra de decoro no affair do lobista que pagava as suas contas. Refeito, assumiu a liderança da bancada peemedebista na Casa e foi um dos mais notórios cabos eleitorais do bom amigo José Sarney, cuja volta ao comando do Senado, pela terceira vez, Vasconcelos considera "um completo retrocesso". "Não quero citar ninguém por enquanto", justifica-se. "Tenho de ter o mínimo de estratégia." Mas os fatos falam - ou, melhor, clamam - por si.
Para não ir mais longe, a própria representação do PMDB na Câmara Alta é uma usina de indícios veementes de impropriedades. A legenda tem 20 senadores. Basta uma simples consulta à base de dados do Supremo Tribunal Federal (STF) para verificar que 1 de cada 2 deles responde a processo ou está sob investigação. Tudo somado, são 13 inquéritos, 4 ações penais e 5 investigações. Envolvem peixes graúdos, como o líder do governo Romero Jucá, alvo de dois inquéritos, e senadores sem voto, como Edison Lobão Filho. O "per capita" é inigualável, o que representa uma proeza e tanto, mesmo sendo o que é "boa parte", como diria Vasconcelos, dos políticos brasileiros.
A tempo: além de Pedro Simon, o único peemedebista de 1º escalão que apoiou Vasconcelos foi Orestes Quércia...Opinião do Estado de São Paulo
Os deputados e os senadores ganham uma bolada extra por mês. Além dos salários, embolsam mais R$ 15 mil para gastar praticamente como bem entenderem. Apresentam notas fiscais mantidas em sigilo absoluto. Tudo ia bem até o deputado do castelo, Edmar Moreira, comunicar o consumo de R$ 140 mil em 2008 com segurança privada -logo ele, cuja fortuna deriva desse setor.
Pressionado, o mundinho político adotou uma variável da máxima de Lampedusa: simulou mudanças para manter tudo como está. A Câmara decidiu e o Senado copiará a seguinte ideia: daqui a 45 dias, passarão a divulgar os valores das notas fiscais e os nomes dos fornecedores. CNPJs e fac-símiles dos recibos? Nem pensar. O simulacro de transparência não chega a tanto. O prazo de 45 dias é injustificável do ponto de vista gerencial. Se há desejo de divulgar os dados, nada impediria alguns dos 30 mil funcionários do Congresso de fazer o serviço em um ou dois dias.
Trata-se de operação de baixa complexidade - digitar nomes e números. Deputados e senadores discordam. Analfabetos em informática, propagam a noção de que seria tudo complicadíssimo.
Complicado é proteger atos espúrios, como foi a decisão de ontem, de estabelecer o esquecimento oficial de notas fiscais de anos anteriores. Nada do passado será divulgado. Irregularidades cometidas estão perdoadas. Essa autoanistia ainda vem com o bônus de 45 dias de prazo para todos terem tempo de encontrar recibos quentes.
É uma decisão corajosa. Mas deputados e senadores nunca perdem viagem quando apostam na abulia popular. O Carnaval está aí para esfriar os ânimos. Assim, o arquivo morto do Congresso receberá, de uma só vez, as notas fiscais antigas e a capacidade dos políticos de sentirem vergonha por atos tão antirrepublicanos como esse. - Fernando Rodrigues Folha de S. Paulo
EU SOU, MAS QUEM NÃO É?
Seria de rir, não fosse de chorar - pelo que evidencia da miséria moral da política brasileira - a nota com que o PMDB se manifestou sobre a entrevista do senador pernambucano Jarbas Vasconcelos, um dos fundadores da legenda, em que ele acusa "mais de 90%" dos seus correligionários de praticar o clientelismo, no escambo do apoio aos governantes de turno, em troca, principalmente, de cargos. Em raquíticas oito linhas, a Executiva Nacional peemedebista faz saber que não dará "maior relevo" às denúncias, desqualificadas como mero "desabafo". Tivesse a agremiação um átimo de pudor, chamaria o dissidente às falas porque o seu assim denominado desabafo expõe o cerne do comportamento fisiológico que de há muito se tornou a razão de ser desse que é o carro-chefe do sistema partidário nacional. Editorial do Estado de São Paulo
Pois quando fala do apetite compulsivo do PMDB por cargos, o senador observa que a ocupação de espaços na máquina federal não se explica basicamente pela busca de dividendos políticos, portanto eleitorais, que o enfeudamento rende aos ocupantes e, sobretudo, aos seus padrinhos. Se disso se tratasse, até que não seria o pior dos mundos, descontada, vá lá, a promiscuidade que desnatura o princípio constitucional da impessoalidade da administração pública e das decisões de Estado - e a entrevista do senador não passaria de uma dissertação superficial sobre o toma-lá-dá-cá nas relações de poder no País.
Só que ele atingiu a veia da questão ao dizer que a maioria dos peemedebistas interessados em cargos "se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral". E, para o caso de alguém ainda não ter entendido, cravou: "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção."
Diante disso, com a sua murmurada resposta, o baronato partidário passou o proverbial recibo ao denunciante, elevando inadvertidamente os seus argumentos à categoria de constatação de uma realidade objetiva. Ao mesmo tempo, a cúpula deixou subentendido o paradoxo que é a marca de Caim da sigla - e, diga-se desde logo, não apenas desta. Sim, porque, tivessem esses cavalheiros algum resquício de pudor, como se mencionou acima, iriam com tudo contra quem não mediu palavras para dizer a que vem "boa parte" deles. Mas, fizesse o pudor parte de seu padrão de atuação política, não seriam o que são, e o libelo que caiu sobre as suas cabeças teria tanta contundência quanto um tiro de pólvora seca. Em desespero de causa, a nota acusa Vasconcelos de lançar a pecha de corrupção a todo o sistema político, por ter ele afirmado que "a corrupção está impregnada em todos os partidos". Praticamente dá para ouvir os autores repetindo, em coro, o velho bordão do personagem de Chico Anísio: "Sou, mas quem não é?"
Dizem eles ainda que não darão "maior atenção" às suas palavras "em razão da generalidade das acusações". Efetivamente, ele "não aponta nenhum fato concreto que fundamente suas declarações". Vasconcelos se deteve apenas no episódio do colega Renan Calheiros, que em dezembro de 2007 renunciou à presidência do Senado dentro de um arranjo para não ser cassado por quebra de decoro no affair do lobista que pagava as suas contas. Refeito, assumiu a liderança da bancada peemedebista na Casa e foi um dos mais notórios cabos eleitorais do bom amigo José Sarney, cuja volta ao comando do Senado, pela terceira vez, Vasconcelos considera "um completo retrocesso". "Não quero citar ninguém por enquanto", justifica-se. "Tenho de ter o mínimo de estratégia." Mas os fatos falam - ou, melhor, clamam - por si.
Para não ir mais longe, a própria representação do PMDB na Câmara Alta é uma usina de indícios veementes de impropriedades. A legenda tem 20 senadores. Basta uma simples consulta à base de dados do Supremo Tribunal Federal (STF) para verificar que 1 de cada 2 deles responde a processo ou está sob investigação. Tudo somado, são 13 inquéritos, 4 ações penais e 5 investigações. Envolvem peixes graúdos, como o líder do governo Romero Jucá, alvo de dois inquéritos, e senadores sem voto, como Edison Lobão Filho. O "per capita" é inigualável, o que representa uma proeza e tanto, mesmo sendo o que é "boa parte", como diria Vasconcelos, dos políticos brasileiros.
A tempo: além de Pedro Simon, o único peemedebista de 1º escalão que apoiou Vasconcelos foi Orestes Quércia...Opinião do Estado de São Paulo
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