
Considerado a casa legislativa mais cara do mundo, o Senado começa o ano produzindo muita confusão e pouco trabalho. A demissão do diretor-geral Agaciel Maia e a entrega de postos estratégicos a senadores envolvidos em escândalos voltam a colocar em xeque a lisura e a transparência dos atos cometidos por quem deveria representar a força de elite da política nacional.
Desde o início do ano legislativo, em fevereiro, o Senado não votou um único projeto de lei. Apenas requerimentos e convocações de autoridades passaram pelo plenário. A ociosidade, contudo, foi apenas aparente. Mais do que produzir leis ou fiscalizar o governo – duas de suas principais atribuições – o foco de interesse dos senadores era o comando das comissões. Com alto poder de barganha sobre o Planalto, os cargos ditam o ritmo das votações na Casa.
Dos 11 presidentes de comissões, cinco respondem a processos na Justiça ou em tribunais de contas. No universo dos 81 senadores, mais de um terço se encontra na mesma situação. A rede de suspeitas inclui desde o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), ao seu mais novo integrante, Roberto Cavalcanti Ribeiro (PRB-PB).
Empossado depois que o titular José Maranhão (PMDB) assumiu o governo da Paraíba em lugar do governador cassado Cássio Cunha Lima (PSDB), Ribeiro é acusado de corrupção ativa, estelionato, formação de quadrilha, uso de documentos falsos e crimes contra a paz pública.
– O Senado é a casa dos mais experientes. Só que no Brasil isso significa mais malandragem e até uma folha corrida maior – diagnostica o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer.
A nova geografia do poder no Senado foi concebida por Renan Calheiros (PMDB-AL).
Com a influência revivida exatos 15 meses após renunciar à presidência da Casa e agora investido da liderança do PMDB, Calheiros patrolou aliados e adversários para acomodar Fernando Collor (PTB-AL) e Eduardo Azeredo (PSDB-MG) nas comissões de Infraestrutura e Relações Exteriores. Por precaução, e em revide às acusações de corrupção que fez ao PMDB, Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) foi excluído por Calheiros da Comissão de Constituição e Justiça.
– Calheiros ficou quieto por algum tempo e voltou no momento certo: negociou a eleição de Sarney e pagou a fatura entregando a presidência das comissões – resume Fleischer.
As artimanhas políticas não conseguiram esconder uma mansão de 960 metros quadrados às margens do Lago Paranoá. Escudeiro de Calheiros e Sarney, Agaciel Maia foi demitido da diretoria-geral do Senado na terça-feira, após se enrolar tentando explicar por que ocultou da Receita Federal o patrimônio avaliado em R$ 5 milhões. Datilógrafo de carreira, desde 1995 Agaciel gerenciava um dos mais avantajados orçamentos do país, com R$ 2,7 bilhões em caixa para 2009.
Forjado nas distorções e no fisiologismo do Senado, Agaciel se manteve por 14 anos à frente da direção-geral. Com um salário líquido de R$ 18 mil e envolto em suspeitas de manipular licitações para contratação de mão-de-obra terceirizada, sua presença era tão controversa que sua demissão virou promessa de campanha de dois candidatos à presidência da Casa. Ao ser destituído, porém, foi ovacionado por 250 servidores que ajudara a empregar. Mãos cerradas, queixo erguido e olhos marejados, parecia mais um dos senadores dos quais tantos segredos guarda:
– Voltando a ser um humilde servidor, a única coisa que eu quero de vocês é a amizade – despediu-se. – Por FÁBIO SCHAFFNER – Jornal Zero Hora
REDUTO DE MILIONÁRIOS EXCÊNTRICOS
Com quase dois séculos de existência, o Senado acumula números tão superlativos quanto polêmicos.
Para manter uma força de trabalho resumida a 81 senadores e 6.570 servidores ativos – dos quais 3.535 concursados e 3.035 indicados por critérios políticos –, o orçamento deste ano prevê gastos de R$ 2,7 bilhões. Cerca de 81% desse montante se esvai na folha de pagamento, estimada em R$ 2,2 bilhões.
De acordo com a organização Transparência Brasil, é o mais caro parlamento do mundo, em comparação aos custos do Senado de outros 11 países da Europa, da América do Sul e do Norte. Enquanto o salário médio dos servidores da ativa é de R$ 12,8 mil, os senadores acumulam patrimônio de R$ 1,4 milhão em média.
Com tanto dinheiro à disposição, não faltam excentricidades nos gastos da Casa. No início de fevereiro, foram reservados R$ 4 mil para a contratação de um grupo musical. De acordo com a ONG Contas Abertas, especializada no controle de finanças públicas, o show seria realizado na residência oficial do Senado, uma mansão com 450 metros quadrados de área construída, piscina, jardim e biblioteca. Só para manter sete pontos de TV a cabo no imóvel, o Senado gasta R$ 8.861,15. Mais R$ 34 mil foram empenhados para a contratação de serviços de bufê.
Outra preocupação dos senadores é com a decoração do ambiente de trabalho. Na semana passada, foram destinados R$ 450 para a compra de orquídeas, R$ 775 para a aquisição de um arranjo floral com 100 botões de rosas, sete ikebanas e cinco sacos de pétalas de rosas. JH
ALHEIO À REALIDADE
Depois de um mês de sessão legislativa sem votar matérias em plenário, o Senado Federal, sob o comando do ex-presidente José Sarney, pôde finalmente dedicar-se a uma tarde de votações, trabalho específico de uma casa legislativa. Foi na última quinta-feira. Seria lícito a qualquer brasileiro esperar que, depois do recesso de dezembro e janeiro e depois de um mês dedicado à estruturação do comando da Casa e das comissões técnicas, os senadores fossem convocados para apreciar alguns dos temas condizentes com as demandas da nação, especialmente numa hora de crise global. Pois, para decepção de todos, a pauta era, além de irrelevante, desatualizada.
O Senado brasileiro aprovou um voto de solidariedade aos norte-americanos pelo atentado que derrubou o World Trade Center, congratulou-se com o governo colombiano pela libertação de Ingrid Betancourt, manifestou as felicitações brasileiras pelos 90 anos do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela e fez um voto pelo sucesso dos atletas de nosso país que se encaminhavam à China para competir na Olimpíada de Pequim.
Parece que os parlamentares brasileiros estão mesmo em outro mundo. E suas preocupações, em outro tempo.
A nação está preocupada com o desprestígio dos poderes da República e com a desvalorização de seus políticos. Não está em causa apenas a imagem dos homens públicos a quem compete trabalhar para dar ao país as condições de superar suas dificuldades econômicas e sociais e de enfrentar as mazelas que há décadas o deformam. Está em questão especialmente a capacidade dos políticos de, com seu exemplo, fazerem com que a democracia se aprimore e avance.
– Editorial do Estadão
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