O que seria do Executivo se os processos decisórios do presidente da República fossem transmitidos ao vivo em rede nacional de rádio e tevê?
O presidente da República compareceu ao noticiário semana passada para comentar as dificuldades dos demais poderes da República. Tratou das confusões que envolvem o Congresso, e também dos duelos verbais entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O Executivo mostrou-se paternal, colocou-se num plano superior. O chefe do governo não perderia a oportunidade de vir a público como alguém diferente, a salvo das desventuras que afligem o Legislativo e o Judiciário.
O Palácio do Planalto leva algumas vantagens em relação aos outros dois vértices da Praça dos Três Poderes. Para começar, o Congresso e a instância máxima da Justiça trabalham sob o olhar atento das câmeras. O que é muito bom. Qualquer decisão dos deputados, dos senadores e dos ministros do STF é acompanhada em tempo real. E não é só. Há também amplo espaço para o contraditório antes das deliberações. Isso faz uma grande diferença.
O que seria do Executivo se os processos decisórios do presidente da República fossem transmitidos ao vivo em rede nacional de rádio e tevê? Talvez Luiz Inácio Lula da Silva não estivesse tão à vontade diante do constrangimento alheio. Claudio de Moura Castro - Correio Braziliense
Imaginem, por exemplo, se todas as etapas que levam à assinatura de uma medida provisória tivessem obrigatoriamente que ser veiculados pelos canais eletrônicos. E, melhor ainda, se houvesse espaço nesse ritual para a oposição questionar a iniciativa. Para debater o mérito, os interesses envolvidos, as alternativas, as motivações dos diretamente atingidos. Seria uma festa para os jornalistas.
E se a tevê e o rádio pudessem acompanhar as reuniões de Lula com os ministros? E por que não as discussões dentro de cada ministério sobre a execução do Orçamento? Por que liberar dinheiro para a obra A, mas não para a B? Por que usar o limite orçamentário para executar o programa C, mas não o D? Por que atender a demanda do deputado Fulano, mas não a de Sicrano? O que exigir do governador Beltrano para em troca concordar com aquele seu pleito? Pois é.
O Legislativo e a Justiça estão na berlinda, entre outras razões, porque avançaram muito na transparência, porque têm as vísceras expostas ao grande público. Já o governo se aproveita do fato de operar em relativa obscuridade. A política brasileira vai se transformando num amplo Big Brother, mas o fenômeno é discricionário. O Executivo, em larga medida, está imune ao striptease institucional.
DEIXANDO PARA LÁ
Os deputados e senadores comem o pão que o diabo amassou quando a sociedade toma conhecimento de festa que fazem com o dinheiro público.
Nessas situações, é comum os parlamentares reagirem cobrando da imprensa por que ela não se atira com mesma ferocidade sobre as despesas do presidente da República e de seus ministros. O expediente não costuma colar, porque se baseia na idéia furada de que deveria haver isonomia no direito de torrar o dinheiro do povo.
Além disso, mesmo quando o Legislativo tem a oportunidade de virar o jogo acaba colocando o rabo entre as pernas. Foi o que aconteceu, por exemplo, no caso dos cartões corporativos. Bastou que vazasse do Planalto um “banco de dados” com despesas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para que a oposição subitamente perdesse o ímpeto fiscalizatório.
Hoje a Câmara dos Deputados deve virar a página do escândalo das passagens aéreas. Os senhores parlamentares irão tomar a decisão com um gosto amargo na boca, pois vão perder benesses e confortos incorporados há décadas ao ativo dos detentores de mandato no Congresso. Bem que suas excelências poderiam se vingar indo para cima das despesas dos ocupantes do Planalto e dos Ministérios. Mas é só ilusão. Não vai acontecer. Como de hábito, suas excelências vão deixar para lá.
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