NA CORTE VALE TUDO
Os escândalos administrativos que envolvem a Câmara e o Senado estão longe de constituir fato isolado no âmbito do Estado brasileiro. São apenas a ponta de um imenso iceberg. Reproduzem-se nos demais poderes e nas demais esferas da federação.
O Legislativo, sendo o poder mais aberto, é o mais facilmente flagrável. Não se pense, porém, que tem o monopólio da infração. Basta lembrar o escândalo ainda recente, dos cartões corporativos, envolvendo Planalto e Ministérios.
Como se recorda, era permitido (ainda é?) a seus titulares - ministros e assessores mais graduados - sacar dinheiro em espécie nos caixas eletrônicos, o que anulava sua principal função, que era a de facilitar o controle de gastos, via extratos mensais, procedimento adotado com êxito na iniciativa privada.
Os usuários governistas, no entanto, faziam coisa diversa: além de garantir renda suplementar, custeavam seu lazer. Registraram-se casos prosaicos, como o da ministra que pagava jantares a seus amigos e do ministro que comprou tapioca com o cartão. - Por Ruy Fabiano
Foram casos que valeram menos pelo que custaram e mais pelo que simbolizaram como confusão entre o público e o privado. Essa confusão, como é óbvio, gera despesas bem maiores, como o caso do telefone celular cedido pelo senador Tião Viana (PT-AC) à sua filha, que, em pouco mais de suas semanas de férias no México, produziu uma conta de quase R$ 15 mil.
Ou ainda o caso do deputado Fábio Faria (PMN-RN), que usou seu crédito de bilhetes aéreos para convidar artistas para participar de um empreendimento comercial particular – o carnaval fora de época, em Natal - e para viajar com a namorada.
Soube-se também que é praxe e perfeitamente legal, na Câmara e no Senado, usar essa verba para fretar jatinhos (caso, entre outros, do senador tucano Tasso Jereissati) ou, mesmo para os que já não integram o Legislativo – caso de três ministros do governo Lula – a reverterem em crédito para uso particular.
Nada disso surgiu agora e nada indica, passada a onda de denúncias, que irá de fato cessar. O uso da máquina pública para fins privados está na memória muscular do país. Pero Vaz Caminha, escrivão da frota de Pedro Alvarez Cabral, concluía sua carta ao rei pedindo um emprego na corte para o sobrinho, que estava na África. Não teve qualquer constrangimento em profanar um documento histórico – a descoberta de um continente - com um pedido de tal monta. Nem consta que o rei o tenha estranhado.
Na corte, vale tudo. O que justifica que o Palácio do Planalto tenha mais servidores em sua estrutura administrativa que a Casa Branca? Os EUA, que têm uma população que é quase o dobro da nossa, um território maior e lidam com demandas geopolíticas mundiais, empregam, em seu centro de poder, 1.800 pessoas.
O Planalto emprega quase o dobro: 3.431 funcionários, entre concursados e terceirizados. No fim do governo FHC, eram 2.133, número ainda assim excessivo. O aumento foi de 57%.
Se isso ocorre em locais de intensa visibilidade, o que dizer de outros fora do olhar da mídia? Basta examinar o que ocorre nas câmaras e prefeituras municipais, país afora. Em Montes Claros, por exemplo, município mineiro, com 350 mil habitantes.
Lá, cada vereador, entre salário direto (R$ 7.430) e verba indenizatória, recebe, segundo o jornal O Estado de Minas, R$ 20.630. O que justifica uma verba indenizatória de tal porte? Bilhetes aéreos, auxílio-gasolina, franquia telefônica, auxílio-paletó?
Em São Paulo, a Assembléia Legislativa possui 67 diretorias. E os deputados que integram a mesa diretora mantêm os privilégios da função quando a deixam: dois gabinetes e o mesmo número de assessores. São exemplos aleatórios, extraídos do varejo, que encontram similares em todo o corpo legislativo, judiciário e executivo da federação, e formam um atacado colossal.
Expressam uma visão tortuosa da coisa pública, que remonta aos tempos da Colônia. E demonstram uma coisa simples e inapelável: a república, entre nós, ainda está por se proclamar de fato. Só o será quando se promover uma reforma política pra valer. Quando (e se) isso ocorrer, será possível um saneamento administrativo efetivo e estruturador.
Enquanto isso, o país continuará enxugando gelo, submetido a espasmos cíclicos de indignação, quando a mídia o coloca diante do varejo profano de seus dirigentes. “Não há nada de novo sob o sol” – o epíteto bíblico do Eclesiastes resume com perfeição o ambiente político-institucional brasileiro.
Ruy Fabiano é jornalista – Material do Noblat
MINISTRO DE LULA VIAJA NAS FÉRIAS PELO SENADO
Licenciado da Casa, Hélio Costa foi com a família a Miami com cota de seu suplente.Ministro afirmou que irá devolver as passagens por meio de milhas; Heráclito diz que Wellington Salgado é quem deve explicações
O ministro Hélio Costa (Comunicações) utilizou passagens aéreas do Senado para viajar até Miami com sua família em janeiro deste ano, no período em que estava em férias. Licenciado da Casa desde que assumiu o ministério em julho de 2005, ele pediu os bilhetes para o seu suplente, senador Wellington Salgado (PMDB-RJ).
A cota de passagem dos senadores é destinada ao exercício da atividade parlamentar. Como a definição é genérica, cabe a cada um definir o que interessa ao seu mandato. O ministro disse que devolverá os bilhetes por meio de milhas, que podem ter sido acumuladas com a própria viagem paga pelo Senado.
Salgado disse que esta não foi a primeira vez que ele deu passagem aérea para o ministro. "Ele já usou outras vezes a minha cota", disse, sem especificar quantas. A Folha apurou que Costa não restituiu o Senado pelo uso desses bilhetes.
Segundo o site Congresso em Foco, a viagem ocorreu no dia 8 janeiro com destino a Miami. O ministro, que estava acompanhado de mulher e filhos, confirmou que estava em férias na ocasião, mas que participou de evento da Câmara Brasil-Estados Unidos como representante do governo brasileiro. Ele disse que, como ministro, poderia ter solicitado ao governo passagem de primeira classe, no valor de R$ 8.000, mas não o fez. Neste caso, porém, a passagem seria apenas para ele.
Em nota, Costa afirmou que enviou requerimento à Mesa Diretora do Senado e que pode devolver o valor em dinheiro "em caso de dúvida".
O primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), disse que a responsabilidade pelo uso da cota de passagem é de cada senador e que Salgado deve se explicar.
A doação de passagens da cota para parentes, assessores e correligionários foi legalizada anteontem pelo Senado que definiu, em ato, essa possibilidade. A norma, porém, diz que os bilhetes devem ser usados para atender ao mandato.
Senadores têm direito a cinco bilhetes por mês. O valor depende do Estado, mas é cotado pela maior tarifa das empresas aéreas, o que permite aos congressistas com um bilhete comprar outros em promoção. A cota para Minas, por exemplo, é de R$ 15 mil por mês.
O Ministério Público Federal já considerou o repasse das passagens para terceiros ilegal, mas a recomendação não foi seguida pelo Congresso.
Na semana passada, a Folha revelou que a principal secretária do ministro, Eliana Maria Ros, é contratada pelo gabinete de Salgado como funcionária de confiança. Apesar de o seu expediente ser no ministério, a Folha apurou que ela recebe do Senado até pagamento por hora extra. Por mês, ela recebe R$ 7.484,43. Salgado disse que ela será exonerada.
O filho do ministro também era, até 2008, servidor fantasma. Só foi demitido depois de a Folha revelar que ele estava contratado no gabinete do senador paraense Flexa Ribeiro (PSDB), embora morasse em Belo Horizonte. Na época, o senador admitiu que não conhecia o funcionário, que dizia ser seu assessor de imprensa. Folha de São Paulo
Os escândalos administrativos que envolvem a Câmara e o Senado estão longe de constituir fato isolado no âmbito do Estado brasileiro. São apenas a ponta de um imenso iceberg. Reproduzem-se nos demais poderes e nas demais esferas da federação.
O Legislativo, sendo o poder mais aberto, é o mais facilmente flagrável. Não se pense, porém, que tem o monopólio da infração. Basta lembrar o escândalo ainda recente, dos cartões corporativos, envolvendo Planalto e Ministérios.
Como se recorda, era permitido (ainda é?) a seus titulares - ministros e assessores mais graduados - sacar dinheiro em espécie nos caixas eletrônicos, o que anulava sua principal função, que era a de facilitar o controle de gastos, via extratos mensais, procedimento adotado com êxito na iniciativa privada.
Os usuários governistas, no entanto, faziam coisa diversa: além de garantir renda suplementar, custeavam seu lazer. Registraram-se casos prosaicos, como o da ministra que pagava jantares a seus amigos e do ministro que comprou tapioca com o cartão. - Por Ruy Fabiano
Foram casos que valeram menos pelo que custaram e mais pelo que simbolizaram como confusão entre o público e o privado. Essa confusão, como é óbvio, gera despesas bem maiores, como o caso do telefone celular cedido pelo senador Tião Viana (PT-AC) à sua filha, que, em pouco mais de suas semanas de férias no México, produziu uma conta de quase R$ 15 mil.
Ou ainda o caso do deputado Fábio Faria (PMN-RN), que usou seu crédito de bilhetes aéreos para convidar artistas para participar de um empreendimento comercial particular – o carnaval fora de época, em Natal - e para viajar com a namorada.
Soube-se também que é praxe e perfeitamente legal, na Câmara e no Senado, usar essa verba para fretar jatinhos (caso, entre outros, do senador tucano Tasso Jereissati) ou, mesmo para os que já não integram o Legislativo – caso de três ministros do governo Lula – a reverterem em crédito para uso particular.
Nada disso surgiu agora e nada indica, passada a onda de denúncias, que irá de fato cessar. O uso da máquina pública para fins privados está na memória muscular do país. Pero Vaz Caminha, escrivão da frota de Pedro Alvarez Cabral, concluía sua carta ao rei pedindo um emprego na corte para o sobrinho, que estava na África. Não teve qualquer constrangimento em profanar um documento histórico – a descoberta de um continente - com um pedido de tal monta. Nem consta que o rei o tenha estranhado.
Na corte, vale tudo. O que justifica que o Palácio do Planalto tenha mais servidores em sua estrutura administrativa que a Casa Branca? Os EUA, que têm uma população que é quase o dobro da nossa, um território maior e lidam com demandas geopolíticas mundiais, empregam, em seu centro de poder, 1.800 pessoas.
O Planalto emprega quase o dobro: 3.431 funcionários, entre concursados e terceirizados. No fim do governo FHC, eram 2.133, número ainda assim excessivo. O aumento foi de 57%.
Se isso ocorre em locais de intensa visibilidade, o que dizer de outros fora do olhar da mídia? Basta examinar o que ocorre nas câmaras e prefeituras municipais, país afora. Em Montes Claros, por exemplo, município mineiro, com 350 mil habitantes.
Lá, cada vereador, entre salário direto (R$ 7.430) e verba indenizatória, recebe, segundo o jornal O Estado de Minas, R$ 20.630. O que justifica uma verba indenizatória de tal porte? Bilhetes aéreos, auxílio-gasolina, franquia telefônica, auxílio-paletó?
Em São Paulo, a Assembléia Legislativa possui 67 diretorias. E os deputados que integram a mesa diretora mantêm os privilégios da função quando a deixam: dois gabinetes e o mesmo número de assessores. São exemplos aleatórios, extraídos do varejo, que encontram similares em todo o corpo legislativo, judiciário e executivo da federação, e formam um atacado colossal.
Expressam uma visão tortuosa da coisa pública, que remonta aos tempos da Colônia. E demonstram uma coisa simples e inapelável: a república, entre nós, ainda está por se proclamar de fato. Só o será quando se promover uma reforma política pra valer. Quando (e se) isso ocorrer, será possível um saneamento administrativo efetivo e estruturador.
Enquanto isso, o país continuará enxugando gelo, submetido a espasmos cíclicos de indignação, quando a mídia o coloca diante do varejo profano de seus dirigentes. “Não há nada de novo sob o sol” – o epíteto bíblico do Eclesiastes resume com perfeição o ambiente político-institucional brasileiro.
Ruy Fabiano é jornalista – Material do Noblat
MINISTRO DE LULA VIAJA NAS FÉRIAS PELO SENADO
Licenciado da Casa, Hélio Costa foi com a família a Miami com cota de seu suplente.Ministro afirmou que irá devolver as passagens por meio de milhas; Heráclito diz que Wellington Salgado é quem deve explicações
O ministro Hélio Costa (Comunicações) utilizou passagens aéreas do Senado para viajar até Miami com sua família em janeiro deste ano, no período em que estava em férias. Licenciado da Casa desde que assumiu o ministério em julho de 2005, ele pediu os bilhetes para o seu suplente, senador Wellington Salgado (PMDB-RJ).
A cota de passagem dos senadores é destinada ao exercício da atividade parlamentar. Como a definição é genérica, cabe a cada um definir o que interessa ao seu mandato. O ministro disse que devolverá os bilhetes por meio de milhas, que podem ter sido acumuladas com a própria viagem paga pelo Senado.
Salgado disse que esta não foi a primeira vez que ele deu passagem aérea para o ministro. "Ele já usou outras vezes a minha cota", disse, sem especificar quantas. A Folha apurou que Costa não restituiu o Senado pelo uso desses bilhetes.
Segundo o site Congresso em Foco, a viagem ocorreu no dia 8 janeiro com destino a Miami. O ministro, que estava acompanhado de mulher e filhos, confirmou que estava em férias na ocasião, mas que participou de evento da Câmara Brasil-Estados Unidos como representante do governo brasileiro. Ele disse que, como ministro, poderia ter solicitado ao governo passagem de primeira classe, no valor de R$ 8.000, mas não o fez. Neste caso, porém, a passagem seria apenas para ele.
Em nota, Costa afirmou que enviou requerimento à Mesa Diretora do Senado e que pode devolver o valor em dinheiro "em caso de dúvida".
O primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), disse que a responsabilidade pelo uso da cota de passagem é de cada senador e que Salgado deve se explicar.
A doação de passagens da cota para parentes, assessores e correligionários foi legalizada anteontem pelo Senado que definiu, em ato, essa possibilidade. A norma, porém, diz que os bilhetes devem ser usados para atender ao mandato.
Senadores têm direito a cinco bilhetes por mês. O valor depende do Estado, mas é cotado pela maior tarifa das empresas aéreas, o que permite aos congressistas com um bilhete comprar outros em promoção. A cota para Minas, por exemplo, é de R$ 15 mil por mês.
O Ministério Público Federal já considerou o repasse das passagens para terceiros ilegal, mas a recomendação não foi seguida pelo Congresso.
Na semana passada, a Folha revelou que a principal secretária do ministro, Eliana Maria Ros, é contratada pelo gabinete de Salgado como funcionária de confiança. Apesar de o seu expediente ser no ministério, a Folha apurou que ela recebe do Senado até pagamento por hora extra. Por mês, ela recebe R$ 7.484,43. Salgado disse que ela será exonerada.
O filho do ministro também era, até 2008, servidor fantasma. Só foi demitido depois de a Folha revelar que ele estava contratado no gabinete do senador paraense Flexa Ribeiro (PSDB), embora morasse em Belo Horizonte. Na época, o senador admitiu que não conhecia o funcionário, que dizia ser seu assessor de imprensa. Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário