Raposa – Agricultores entre a resignação e a resistência

“JÁ ME TOMARAM TUDO. O QUE MAIS VÃO FAZER AGORA?” – QUARTIERO

A dois dias da data-limite estabelecida pela Justiça para a saída pacífica dos não-índios da terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, produtores de arroz e famílias de agricultores brancos se dividem entre a resignação em deixar a área e a disposição, ao menos declarada, de ainda resistir ao cumprimento da determinação judicial. Em comum entre eles, apenas o sentimento de que foram penalizados indevidamente no processo que resultou na demarcação em faixa contínua da reserva, de 1,7 milhão de hectares. A decisão foi confirmada no mês passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Todos os produtores de arroz estão retirando seus pertences das fazendas que ficavam na área demarcada. Mas o fazem em ritmo distinto. O produtor Paulo César Quartiero, que protagonizou o movimento de resistência dos não-índios ao longo de todo o processo, tem duas fazendas e diz que só será possível desocupar até o dia 30 uma delas, a Fazenda Depósito, de 4,5 mil hectares.

Na outra, a Fazenda Providência, de 5 mil hectares, Quartiero alega ter 400 mil hectares plantados à espera da colheita e quase 5 mil cabeças de gado. Por isso, ele garante que estará lá normalmente no dia 1º de maio, de onde só sairá obrigado pela Polícia Federal (PF). Trezentos agentes estarão a postos para uma eventual desocupação forçada. Por Marco Antonio Soalheiro – Enviado Especial da Agência Brasil


“O prazo [dado pela Justiça] é inexequível. Não seria a primeira vez [que teria problemas com a PF, pois já foi preso]. Vou ficar lá pelo menos para pegar um carona até Boa Vista em uma caminhonete da PF. Já me tomaram tudo. O que vão fazer agora? Isso aqui virou comédia”, afirmou Quartiero. “É minha obrigação estar lá. Não vou deixar meus funcionários sozinhos”, completou.

A esposa de Quartiero, Erecina, também reclamou do prazo definido pela Justiça. “Estão vendo que estamos saindo, mas insistem em pressionar. A gente não pode ser atropelado pela Justiça”.

Quartiero quer permanecer na reserva pelo menos até o fim de maio, para que possa colher algo em torno de 60 mil sacas e terminar de encaminhar o gado até a fazenda de um amigo. A possibilidade de deixar a plantação e o material sob a custódia provisória do governo federal, colocada pelo ministro do STF Carlos Ayres Britto, não é sequer cogitada pelo produtor.

“Se eu tirar as bombas, o arroz morre. A Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] avaliou minha plantação em R$ 900 mil, mas vale pelo menos R$ 3,5 milhões. Como vou concordar com isso?”, questionou.

O pátio da usina do Arroz Acostumado - marca de Quartiero - no Distrito Industrial de Boa Vista está lotado de máquinas agrícolas e equipamentos de irrigação retirados da Fazenda Depósito. O produtor também mandou destruir a sede e os galpões que existiam na fazenda.

“O que ficar nós vamos derrubar ou colocar fogo para colaborar com a cultura indígena. Índio não gosta de viver em palhoça?”, provocou.

Igualmente decepcionada com a decisão judicial, a família Barilli, dona da fábrica do Arroz Tio Ivo, adotou postura diversa. Já retiraram praticamente tudo da Fazenda Tatu, de 9 mil hectares, e estão à procura de outras áreas em Roraima onde possam retomar as plantações. O maquinário foi todo levado para um galpão alugado em Boa Vista.

“Não vamos fazer nenhuma resistência. Embora não concordemos, vamos cumprir indignados o que a lei superior determinou”, afirmou Regina, esposa do produtor Ivo Barilli.

Em relação às benfeitorias feitas na fazenda, a postura do casal também não será a mesma de Quartiero. “Não vou derrubar. Não tenho coragem de destruir algo que construímos com o nosso suor. Mas ainda acredito na justiça divina, que possa haver um revertério nessa questão”, disse Regina, emocionada.

O presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, Nelson Itikawa, adotou postura semelhante à da família Barilli. A desocupação das fazendas Carnaúba e Vizeu, que juntas somam 7 mil hectares, está nas últimas providências e as benfeitorias serão mantidas. “Eu não vou derrubar, foram feitas em alvenaria. Não acho que vale a pena demolir. Pode ser que seja útil para alguém, se não será para mim mesmo”, argumentou.

O japonês, como é conhecido o produtor, já está cultivando arroz em áreas arrendadas fora da reserva indígena. Os lucros e a produtividade é que serão menores. “A área que nos tomaram tinha um solo bem mais fertilizado. Com certeza, a produtividade vai diminuir uns 20%”, disse Itikawa.

Independentemente da desocupação das áreas, os produtores de arroz buscarão na Justiça Federal o direito a indenizações maiores. Famílias de pequenos e médios agricultores brancos descontentes com as indenizações oferecidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) farão o mesmo. Algumas dessas famílias também prometem não sair pacificamente da reserva. Outras aceitaram ser realocadas em assentamentos rurais próximos da capital.




QUARTIERO DIZ QUE RETIRADA CUSTARÁ R$ 2 MI
O produtor Paulo César Quartiero afirmou em entrevista à Folha que deve gastar R$ 2 milhões para retirar equipamentos, móveis e animais das fazendas Depósito e Providência, situadas na área indígena Raposa Serra do Sol.

Ele disse que está arcando com os custos da desocupação e que até agora não recebeu ajuda do governo para a execução do processo. “A Polícia Federal não está ajudando em nada e anda armada até os dentes intimidando os produtores. A Polícia Rodoviária Federal ajudou algumas vezes a balizar a estrada”, frisou.

Ele confirmou que está extraindo materiais como cerâmicas, portões, torneiras, pias, telhas e outros utensílios de suas fazendas e também disse que as paredes estão sendo derrubadas. “Estou retirando o material para ser aproveitado em outra fazenda e colocando abaixo o que fica, porque não tem utilidade”, disse. Leia matéria completa
Folha de Boa Vista - ÉLISSAN PAULA RODRIGUES




À ESPERA DE INDENIZAÇÃO MAIOR, ARROZEIROS ESTUDAM TRANSFERIR CULTIVO DE ARROZ PARA A GUIANA
Os produtores de arroz que estão deixando a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde constituíram fazendas nas últimas décadas, intensificaram esta semana as conversas com autoridades da Guiana que podem resultar na transferência de suas atividades para o país vizinho. O governo da Guiana estaria disposto a oferecer áreas próprias para cultivo de arroz, a serem exploradas por tempo determinado e com isenção de impostos. Leia
mais aqui, Agência Brasil

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