
A vasta fazenda costumava ficar repleta de gado de pasto, mas agora as pastagens verdes estão cobertas de ervas daninhas e pontilhadas de remendos, nos quais os agricultores plantam milho e feijão. As vacas desapareceram.
A propriedade, a fazenda El Charcote, de 12,9 mil hectares, na Venezuela central, deveria ter servido de vitrine para a revolução agrária do presidente Hugo Chávez, que transformaria um país com escassez de alimentos e inflação desenfreada num país que poderia se alimentar. Mas, desde que as tropas e os camponeses tomaram as terras de uma companhia britânica há quatro anos, a produção de carne bovina caiu de 1,2 mil toneladas anuais para zero.
A fazenda e muitas outras como ela por todo o país suscitam o temor de que o sonho de uma Venezuela que possa viver da sua própria terra seja meramente mais uma promessa socialista recheada de retórica e poucos resultados. Por Fabiola Sanchez, Associated Press
O governo Chávez diz que se apoderou de mais de 2,2 milhões de hectares de terras agrícolas de proprietários privados. As importações de alimentos, porém, triplicaram desde 2004, um ano antes de Chávez ter iniciado seu agressivo programa de reformas.
Até mesmo alguns dos fãs de Chávez estão se queixando. É o caso de Luis Emiro Gomez, de 53 anos, que vive num barraco de chapas onduladas remendadas com cartazes de campanha de Chávez. Gomez diz que necessita de crédito, ferramentas e água suficiente para aumentar seu plantio de milho. Apesar de possuir uma concessão do governo para o seu lote, Ele disse que muitos outros que receberam terra estão bem de vida e que arrendaram as terras para obter lucro. "Se a ideia era que os pedaços de terra fossem destinados aos trabalhadores rurais, porque eles estão oferecendo estas terras a pessoas que não são necessitadas?", perguntou Gomez.
Críticos dizem que o governo demorou a ajudar os pequenos agricultores como Gomez, ao mesmo tempo em que as enormes desapropriações de terra arável desestimulam investimentos em agricultura. Assim, as importações de alimentos aumentaram de uma média histórica de US$ 75 por pessoa ao ano para US$ 267 por pessoa por ano, de acordo com Carlos Machado Allison, especialista em agricultura da escola de negócios IESA em Caracas.
Chávez, por outro lado, destaca que as terras agrícolas cultivadas cresceram 45% durante seus dez anos na Presidência. Ao contrário de outros países latino-americanos, a Venezuela possui um pequeno setor agrícola, cujo crescimento é retardado por décadas de política econômica dependente do petróleo, enquanto a maioria da população se concentra nas cidades. O governo de Chávez concedeu empréstimos a associações de pequenos trabalhadores rurais, estabeleceu fazendas estatais de gado e readaptou plantas de processamento para leite, milho e açúcar.
O governo diz que a alta nas importações reflete a demanda do consumidor, tanto pelo ritmo de crescimento da população como por uma população que começou a galgar posições, saindo da pobreza, graças às reformas socialistas do governo Chávez.
"Sabemos que em muitos casos o processo de início das atividades de novas fazendas enfrentou problemas", disse Juan Carlos Loyo, que chefia a campanha de reforma agrária do governo. "Em quatro anos, tentamos assegurar que as pessoas progridam e construam, mas isso tem sido um processo de grande experimentação."
O tema da reforma agrária é um dos mais polêmicos na América Latina. Vários governos já lançaram reformas agrárias para tentar atenuar as enormes desigualdades de renda existentes entre os ricos e os pobres ou para tentar estimular a produção de alimentos.
O Brasil diz que criou assentamentos para trabalhadores sem terra em mais de 43 milhões de hectares de terras pertencentes ao governo e de terras expropriadas desde 2003. O governo da Nicarágua assumiu o controle das terras agrícolas do ditador deposto Anastasio Somoza e seus aliados em 1979 e as entregou a agricultores e cooperativas e estatais.
Em Cuba, o amigo e mentor de Chávez, Fidel Castro, transferiu mais de 70% das terras privadas ao Estado e a pequenos agricultores, quase cinco décadas atrás. Cuba, porém, depende pesadamente de importações de alimentos, e o governo está tentando revigorar um setor paralisado pela má gestão, oferecendo terras ociosas a agricultores privados. Naquilo que poderia ser uma advertência para Chávez, 55% das terras aráveis de Cuba permaneceram ociosas no ano passado e, nas terras estatais, apenas 29% foram ativamente usadas, diz o governo.
As expropriações de terras agrícolas da Venezuela começaram para valer em 2005, quando o governo empregou uma lei de 2001 que lhe facultava tomar terras consideradas ociosas ou usadas inadequadamente. Alguns proprietários de terras receberam indenizações. Outros moveram contestações jurídicas com resultados variáveis. O governo também assumiu a posse de algumas fazendas, alegando, para começar, que os proprietários não detinham escrituras legais.
O governo ainda poderia reivindicar 3,5 milhões de hectares adicionais de terras agrícolas, disse Loyo. A tomada das fazendas ajudou a impulsionar a popularidade de Chávez nas regiões rurais. Em El Charcote, o governo também oferece educação e médicos de graça.
"O importante é ter trabalho", disse José Nausa, 37 anos, que arrenda três hectares de terra de outra pessoa com licença para plantar em El Charcote.
Outros fazendeiros, como Gomez, disseram que a produção ficou para trás devido à desorganização dos conselhos regionais e de atrasos do governo na ajuda, como na concessão de crédito agrícola.
No conjunto, a produção de milho, arroz e frango aumentou no mandato de Chávez, disse o especialista em agricultura Machado Allison. A produção aumentou pouco para muitos tipos de alimentos, porém, e despencou em carne bovina, açúcar e frutas - contribuindo para a inflação, que atingiu 30,9% o ano passado.
Apesar de a Venezuela já ter sido quase autossuficiente na produção de carne bovina há uma década, o país agora importa praticamente metade da carne que consome, ele acrescentou.
A fazenda El Charcote já foi propriedade da Agropecuaria Flora, que pertenceu à britânica Vestey, que a entregou ao governo em março de 2006 por US$ 4,2 milhões - meses depois de tropas e pequenos agricultores a terem ocupado. A companhia transferiu seu gado para outras fazendas.
Apesar de o governo ter se esforçado para conseguir oferecer dezenas de lotes de 15 hectares para pequenos agricultores, eles cobrem só uma pequena parcela das terras anteriormente usadas para gado.
Esses resultados minguados têm sido a norma em muitas fazendas expropriadas, disse Hiram Gaviria, um ex-ministro da Agricultura que rompeu relações com Chávez em 2001. Segundo ele, o governo está estimulando as importações enquanto "destroi o sistema produtivo do país".
Chávez quer aprofundar a sua reforma agrária neste ano. Prometeu que chegará o dia "em que começaremos a exportar alimentos para ajudar outros países". Valor Econômico
(Tradução de Robert Bánvölgyi)
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