
O senador José Sarney sabia de que falava quando afirmou que a crise do Senado não é só dele. Ao todo, 37 senadores teriam sido beneficiados com atos secretos, assim como 24 que hoje são ex-senadores.
Por isso são tão poucas as bocas que se abrem para denunciar aqueles que compuseram o que o senador Arthur Virgílio chamou de camarilha. O senador Sarney afirmou que não foi eleito para limpar as lixeiras das cozinhas do Senado. Mais uma vez o presidente do Senado se acha acima dos comuns. Afinal, está estimulado pelo presidente Lula, que afirmou no Cazaquistão que Sarney tem história e não pode ser julgado como uma pessoa comum. Se tem história, se já foi presidente da República, em respeito a essa história não deveria ter permitido o lixo de nomeações secretas de parentes e afins. Por Alexandre Garcia
O senador Sarney se referiu ao lixo ao responder ao discurso forte do senador Arthur Virgílio. Foi uma segunda-feira em que não se produziram atos secretos, mas se reproduziram dois atos falhos bem reveladores: como ouvimos, o senador Arthur Virgílio chamou o ex-diretor-geral de "senador", e o senador Sarney afirmou que pensava ter sido eleito para "usar e presidir politicamente a Casa". Repeti a frase na mesma ordem com que foram pronunciados os verbos: primeiro usar e depois presidir politicamente o Senado.
É tanto uso da instituição e do dinheiro suado dos impostos que lá é consumido, que tem sido o Senado e o povo do Senado, e não o Senado e o povo do Brasil, que só entra para eleger e sustentar a farra. Os contracheques explicam casas suntuosas em Brasília. Se a gente pergunta se a casa é de algum sócio do Bill Gates, a resposta tem sido: não, ele trabalha no Senado. Com gratificações e horas extras.
Só que à noite, às luzes da casa iluminam os pobres do Senado. Os que fazem faxina e limpam as lixeiras, em contratos terceirizados que já deram cadeia para um diretor do Senado, que foi demitido por ato ostensivo e renomeado dois dias depois por ato secreto. O senador Mão Santa ainda fez ironiza, mostrando a raridade de o plenário funcionar numa segunda-feira. Teriam sido pagas horas-extras? Bom Dia Brasil – Globo
UM PONTAPÉ NO RODAPÉ
O senador Arthur Virgílio tem um jeito que às vezes parece um tanto desatinado. Diz coisas meio fora do esquadro, não raro ameniza ou radicaliza quando a situação pediria exatamente o contrário, não se inibe de mudar de posição levando, como líder, a bancada do PSDB no Senado ao rumo oposto do esperado.
Erra, mas quando acerta o faz na mosca. Acertou em 2007, quando conduziu os tucanos ao campo que selou o fim da CPMF e acertou de novo no início deste ano, quando se opôs à candidatura de José Sarney por um motivo preciso: a necessidade de pôr fim à "era Agaciel Maia", inaugurada quando Sarney presidiu o Senado em 1995.
Ontem, o senador Arthur Virgílio acertou mais uma vez, quando foi à tribuna falar dos "bandidos", dos "meliantes", da "camarilha" que montou uma rede de ilicitudes no Senado, "certamente" tendo por trás deles senadores, "cujos nomes precisam ser averiguados, divulgados e enviados ao Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar".
Arthur Virgílio denunciou movimentos de chantagem por parte dos citados "meliantes" - Agaciel Maia e João Carlos Zoghbi - com o intuito de intimidar senadores.
Virando-se diretamente para José Sarney, sentado na cadeira da presidência, pôs o dedo na ferida: "Se vossa excelência romper com essa camarilha, me terá ao seu lado na tarefa de reerguer o Senado, mas, se não romper, vossa excelência perderá a condição de continuar a presidir esta Casa". Momentos antes, uma frase no meio do discurso soou particularmente desafiadora: "Para mim, o clima é de abafa".
Não foi polido, não foi edificante, mas foi indispensável. Um rompimento com o pacto de mesuras e a introdução do fator conflito no Senado a fim de que a instituição não fique eternamente refém da crise por impossibilidade de dar combate às suas origens.
Virgílio chegou a ser rude ao chamar de "desculpa tola, aparvalhada e retardada" a negativa da existência dos atos secretos. O presidente do Senado, ali presente, havia sido o autor, dias antes, da desculpa tola, aparvalhada e retardada, naquele mesmo plenário.
O líder do PSDB mandou às favas os salamaleques e, diferentemente do ocorrido na semana passada, não houve silêncio nem reverência em relação a Sarney. Nos apartes, os senadores acompanharam o tom. Atitudes peremptórias não são comuns naquele ambiente em que se transgride no escuro, mas, em público, a regra é a da cortesia, da amenidade, da fidalguia antiquada.
É verdade que o Senado já foi frequentado por cavalheiros (naquele tempo eram só homens) de mentes e modos mais refinados, mas, a despeito da queda no padrão de qualidade, conservou-se ali o hábito da polidez arcaica.
Saudável em tempos normais, para o enfrentamento de uma crise de origens profundas acaba sendo pernicioso. A lógica da contemporização permanente favorece o compadrio, leva à tolerância dos vícios e impede que a instituição confronte e seja confrontada "por dentro" com suas mazelas.
Nada se aprofunda, as coisas não ultrapassam um determinado limite a partir do qual reina a regra do pano quente, a invocação da preservação do Parlamento, o respeito a biografias alegadamente intocáveis, a acomodação de conveniências e, a fim de contornar temidas rupturas, tudo acaba se ajeitando.
Na crise seguinte, a história é retomada de um patamar mais baixo. Queira o bom senso que tanto o líder do PSDB quanto os senadores que o acompanharam na indignação de plenário façam dessas manifestações uma sistemática de procedimentos.
Tomara não seja algo direcionado só à pessoa de José Sarney (eleito, aliás, pela maioria cinco meses atrás) ou um ato motivado apenas pelo receio de comprometimento em relação ao conteúdo os atos secretos, cuja divulgação é prevista para hoje.
Se não, é como disse o senador Pedro Simon: "Ou o Senado faz as mudanças ou será atropelado por elas".
De nada adiantará se, mais uma vez, a maioria resolver contemporizar como fez - com a anuência dos que agora finalmente percebem o equívoco - quando concordou em salvar o mandato de um então presidente explicitamente transgressor e depois concordou em entregar a ele, por intermédio de Sarney, o poder das urdiduras de bastidor.
A "operação mãos sujas" que ontem se procurou desmontar no plenário obedece à mesma padronagem das tentativas de constrangimentos difamações contra senadores à época do processo por quebra de decoro contra Renan Calheiros. O nome de Renan Calheiros não se pronuncia. E aí reside uma estranheza, pois se confere a ele a gentileza da exclusão do ataque frontal, não obstante a ciência de que é ele hoje o arquiteto principal da derrocada final.
Obra que começou a construir na presidência - emprestando ao cargo um caráter explícito de indignidade - e continua a comandar como eminência das trevas, sob o olhar complacente dos valentes e a admiração aprendiz dos coniventes. O Estado de S. Paulo
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