A fraude no meio do sertão

O GRANDE ENGODO

Parada desde janeiro por irregularidades, obra de irrigação no nordeste está atrasada

Maria Azarias com os filhos: diarista no sertão alagoano, ela acredita que a vida vai melhorar com o Canal do Sertão Delmiro Gouveia (AL) — Maria José Azarias, 33 anos, mãe de oito filhos, tem “fé em Deus” que o Canal do Sertão vai chegar às suas terras. Trata-se da maior obra da região de Xingó, que reúne os sertões de Alagoas, Sergipe, Bahia e Pernambuco.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê investimentos de R$ 593 milhões no empreendimento até 2010. Mas os trabalhos estão atrasados. O projeto recebeu escassos recursos de 2003 a 2005. Nos últimos três anos, foram liberados R$ 96 milhões e construídos apenas 28,5km de canais. O plano era entregar 97,5km até o fim do governo Lula. O pior de tudo é que a construção está parada desde janeiro. Auditoria do Tribunal de Contas da União apontou irregularidades graves na obra, como superfaturamento, sobrepreço, jogo de planilhas, aditivos ilegais. Por Lúcio Vaz



A empreiteira Queiroz Galvão apresentou garantia de R$ 66 milhões para continuar os serviços, mas depois aceitou readequar o projeto e repactuar os preços.

Maria José não sabe nada disso. Moradora do município de Delmiro Gouveia, a 290km de Maceió, ela sabe apenas o que lhe disseram: o tal canal vai passar “no fundo das terras”. Cada agricultor vai “pegar três tarefas (cerca de um hectare)”. Enquanto a irrigação não chega, ela mantém os filhos como diarista, mas não tem trabalho todo dia. “O dia de serviço é R$ 12. Às vezes, a gente consegue arrumar R$ 40 (por mês). Outras vezes, não arruma serviço, porque as pessoas são fracas de condições e não podem pagar direto (em dinheiro). E, se a gente trabalhar só pros outros, não cuida da roça”, diz. O que ajuda mesmo é o Bolsa Família: “Recebo R$ 82 por mês”. Dá para todos comerem? “Dá, é uma boa ajuda”, responde, resignada. E segue trabalhando a sua roça. Ela planta feijão de corda, milho e abóbora.

Distante 90km dali, no povoado Fumaça, em Canapi (AL), o presidente da Associação Comunitária, Renato Oliveira, 46 anos, já perdeu as esperanças de contar com a água do canal. “Participei de uma reunião sobre a obra, em Delmiro Gouveia. Faz sete ou oito anos. Dizem que estão construindo por lá, mas não vai chegar aqui”. Ele produz leite, feijão, milho e palma. Por enquanto, a água vem de Delmiro, mas em carros-pipas. Paga até R$ 170 por carregamento.

Falhas O projeto do canal é cheio de falhas, imprecisões, inconsistências. Na Prefeitura de Pariconha (AL), município que vai ganhar um perímetro irrigado, há preocupação com as indefinições do governo estadual. O chefe de gabinete do prefeito, Ivanilton Marques, afirma que o governo está dificultando as negociações para a desapropriação das terras. “O prefeito não apoiou o governador.” Marques também comenta: “Até agora o governo não definiu como será o aproveitamento, quem será beneficiado ou quanto vai custar a água. O governo não sabe como vai funcionar. A gente acha que é coisa para beneficiar latifundiários. O prefeito de Delmiro Gouveia (Lula Cabeleira) é proprietário de grande parte das terras atingidas”.

Na prefeitura de Delmiro Gouveia, o engenheiro Carlos Dias tem as mesmas preocupações. “A obra está em ritmo lento. E não existe um modelo de gestão proposto. A água vai ser muito cara. Poderá haver roubo de água, porque o produtor não tem dinheiro. Isso não é linha de transmissão. É água, ele vai lá e tira. Pode acontecer como o projeto de Ibimirim. O açude foi todo sangrado.” Dias afirma que “o estudo foi feito por lobistas. O canal pode ser um grande engodo”. Correio Braziliense -

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