Lula abençoa práticas e líderes oligarcas e ajuda a dar sobrevida a um modo de fazer política que deveria estar sepultado
Nem tudo saiu dentro do previsto na passagem do mandatário da República por Palmeira dos Índios, Alagoas. O helicóptero da Presidência era muito grande para pousar próximo à barragem da qual parte uma adutora financiada pelo PAC. Aboliu-se o desembarque porque, como explicou o presidente, "podia dar problema".
O plano alternativo também falhou. A ideia era demonstrar ao vivo as maravilhas da adutora a ser inaugurada. A torneira que traria água até o palanque, porém, não foi instalada. "Lamentavelmente, não deu tempo de a gente fazer a obra, e a torneira não pôde chegar aqui", justificou Lula, na terra outrora governada pelo autor de "Vidas Secas", Graciliano Ramos.
Dadas as circunstâncias um tanto restritivas, o presidente resolveu inaugurar algo mais abstrato: "Um outro jeito de fazer política no nosso país". Antes dele, discursou, as decisões do governo eram tomadas na base do compadrio; prevalecia "a política dos amigos". Lula valeu-se do fato de inaugurar obra ao lado de um governador do PSDB, Teotonio Vilela Filho, para persuadir de que os tempos mudaram.
O presidente exagerou. Todos os que já se sentaram na sua cadeira se viram compelidos a alargar seus horizontes político-partidários. A atitude faz parte do instinto de sobrevivência de todo governante e é necessária para que a democracia funcione. Mas a generosidade de Lula nesse aspecto tem sido maior que o seu helicóptero.
Ainda em Alagoas, o presidente rasgou elogios a uma notória dupla de congressistas. "Quero aqui fazer justiça ao comportamento do senador Collor e do senador Renan, que têm dado uma sustentação muito grande aos trabalhos do governo no Senado." Dias antes, Lula fizera "justiça" ao ex-presidente José Sarney e expusera o PT a mais um vexame histórico.
O presidente da República torna-se o fiador do que há de mais retrógrado na política brasileira. Abençoa de bom grado o compadrio - bem como sua matriz, o patrimonialismo - que displicentemente afirma combater. O uso de contratos, cargos e dinheiro públicos para beneficiar amigos e parentes é o roteiro monótono do interminável escândalo do Senado. Alguns de seus protagonistas gozam da proteção de Lula.
Os modernistas inventaram a metáfora da antropofagia para designar a sua plataforma estética. Cabia devorar a tradição, como os caetés devoraram o bispo Sardinha, para dar à luz algo novo e vigoroso - no caso, uma cultura nacional. Na relação entre Lula e os velhos oligarcas, não se sabe ao certo quem é devorado e quem devora.
Parecem todos desfrutar do mesmo banquete de privilégios e mandonismo. No século 21, o presidente Lula e seus compadres dão sobrevida ao Brasil decadente retratado por Graciliano Ramos -um mundo que já deveria estar sepultado. Folha de S. Paulo
O SENTIMENTO DA HONRA FOI REVOGADO PELO ABRAÇO EM PALMEIRA DOS ÍNDIOS
“Primeiro a gente vota, depois a gente debate”, decidiu o senador Paulo Duque na abertura dos trabalhos da CPI da Petrobras, com a autoridade de presidente eleito pela certidão de nascimento. A suspeita de que o mais idoso inquilino da Casa dos Horrores anda tentando, aos 81 anos, primeiro calçar o sapato para depois colocar a meia só não virou certeza porque pesou o conjunto da obra.
Veterano de guerra do PMDB fluminense, sargento reformado da tropa do cheque, Duque estava lá para repassar o cargo o quanto antes ao senador João Pedro, do PT do Amazonas, escolhido pela base alugada para presidir o enterro da CPI.
O Primeiro Coveiro informou que o relator seria Romero Jucá, do PMDB de Roraima, emarcou para agosto o começo do velório.”Não há necessidade de polemizar, nem de politizar”, antecipou Jucá. Conjugados pelo n° 1 do ranking dos procurados peloBanco da Amazônia, os dois verbos excluem da relação de depoentes o senador José Sarney e a ministra Dilma Rousseff. A maioria governista pretende poupar desse desconforto também o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. Há pelo menos um argumento razoável: como atestou o pito telefônico que levou de Dilma, Gabrielli chora quando é repreendido.
Enquanto os três senadores da oposição oficial sonhavam com a formação de um quarteto que teria Fernando Collor como crooner, sorriam juntos em Palmeira dos Índios o presidente Lula e o caçador de marajás que, na campanha de 1989, caçou uma aventureira chamada Miriam Cordeiro para jurar na TV que o inimigo tentou obrigar a antiga namorada a interromper com um aborto a gestação da filha. O sonho do trio foi implodido pelas imagens do primeiro abraço trocado em público pelo autor da afronta e por quem a sofreu ─ e que, passados 20 anos, sofre de amnésia seletiva.
A revogação do sentimento da honra, consumada no interior de Alagoas, é a evidência mais contundente de que a abertura da caixa-preta da Petrobras apavora o coração do poder. Vale tudo para que o Brasil continue ignorando os segredos ali guardados. Talvez transformem os incontáveis espantos localizados nas catacumbas do Senado em coisa de delinquente aprendiz. Direto ao Ponto – Por Augusto Nunes
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Nem tudo saiu dentro do previsto na passagem do mandatário da República por Palmeira dos Índios, Alagoas. O helicóptero da Presidência era muito grande para pousar próximo à barragem da qual parte uma adutora financiada pelo PAC. Aboliu-se o desembarque porque, como explicou o presidente, "podia dar problema".
O plano alternativo também falhou. A ideia era demonstrar ao vivo as maravilhas da adutora a ser inaugurada. A torneira que traria água até o palanque, porém, não foi instalada. "Lamentavelmente, não deu tempo de a gente fazer a obra, e a torneira não pôde chegar aqui", justificou Lula, na terra outrora governada pelo autor de "Vidas Secas", Graciliano Ramos.
Dadas as circunstâncias um tanto restritivas, o presidente resolveu inaugurar algo mais abstrato: "Um outro jeito de fazer política no nosso país". Antes dele, discursou, as decisões do governo eram tomadas na base do compadrio; prevalecia "a política dos amigos". Lula valeu-se do fato de inaugurar obra ao lado de um governador do PSDB, Teotonio Vilela Filho, para persuadir de que os tempos mudaram.
O presidente exagerou. Todos os que já se sentaram na sua cadeira se viram compelidos a alargar seus horizontes político-partidários. A atitude faz parte do instinto de sobrevivência de todo governante e é necessária para que a democracia funcione. Mas a generosidade de Lula nesse aspecto tem sido maior que o seu helicóptero.
Ainda em Alagoas, o presidente rasgou elogios a uma notória dupla de congressistas. "Quero aqui fazer justiça ao comportamento do senador Collor e do senador Renan, que têm dado uma sustentação muito grande aos trabalhos do governo no Senado." Dias antes, Lula fizera "justiça" ao ex-presidente José Sarney e expusera o PT a mais um vexame histórico.
O presidente da República torna-se o fiador do que há de mais retrógrado na política brasileira. Abençoa de bom grado o compadrio - bem como sua matriz, o patrimonialismo - que displicentemente afirma combater. O uso de contratos, cargos e dinheiro públicos para beneficiar amigos e parentes é o roteiro monótono do interminável escândalo do Senado. Alguns de seus protagonistas gozam da proteção de Lula.
Os modernistas inventaram a metáfora da antropofagia para designar a sua plataforma estética. Cabia devorar a tradição, como os caetés devoraram o bispo Sardinha, para dar à luz algo novo e vigoroso - no caso, uma cultura nacional. Na relação entre Lula e os velhos oligarcas, não se sabe ao certo quem é devorado e quem devora.
Parecem todos desfrutar do mesmo banquete de privilégios e mandonismo. No século 21, o presidente Lula e seus compadres dão sobrevida ao Brasil decadente retratado por Graciliano Ramos -um mundo que já deveria estar sepultado. Folha de S. Paulo
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“Primeiro a gente vota, depois a gente debate”, decidiu o senador Paulo Duque na abertura dos trabalhos da CPI da Petrobras, com a autoridade de presidente eleito pela certidão de nascimento. A suspeita de que o mais idoso inquilino da Casa dos Horrores anda tentando, aos 81 anos, primeiro calçar o sapato para depois colocar a meia só não virou certeza porque pesou o conjunto da obra.
Veterano de guerra do PMDB fluminense, sargento reformado da tropa do cheque, Duque estava lá para repassar o cargo o quanto antes ao senador João Pedro, do PT do Amazonas, escolhido pela base alugada para presidir o enterro da CPI.
O Primeiro Coveiro informou que o relator seria Romero Jucá, do PMDB de Roraima, emarcou para agosto o começo do velório.”Não há necessidade de polemizar, nem de politizar”, antecipou Jucá. Conjugados pelo n° 1 do ranking dos procurados peloBanco da Amazônia, os dois verbos excluem da relação de depoentes o senador José Sarney e a ministra Dilma Rousseff. A maioria governista pretende poupar desse desconforto também o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. Há pelo menos um argumento razoável: como atestou o pito telefônico que levou de Dilma, Gabrielli chora quando é repreendido.
Enquanto os três senadores da oposição oficial sonhavam com a formação de um quarteto que teria Fernando Collor como crooner, sorriam juntos em Palmeira dos Índios o presidente Lula e o caçador de marajás que, na campanha de 1989, caçou uma aventureira chamada Miriam Cordeiro para jurar na TV que o inimigo tentou obrigar a antiga namorada a interromper com um aborto a gestação da filha. O sonho do trio foi implodido pelas imagens do primeiro abraço trocado em público pelo autor da afronta e por quem a sofreu ─ e que, passados 20 anos, sofre de amnésia seletiva.
A revogação do sentimento da honra, consumada no interior de Alagoas, é a evidência mais contundente de que a abertura da caixa-preta da Petrobras apavora o coração do poder. Vale tudo para que o Brasil continue ignorando os segredos ali guardados. Talvez transformem os incontáveis espantos localizados nas catacumbas do Senado em coisa de delinquente aprendiz. Direto ao Ponto – Por Augusto Nunes
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