O ILUSIONISMO OFICIAL
Além do prejuízo causado ao pensamento econômico no país, Márcio Pochmann joga fora o respeito que obteve com seu trabalho acadêmico. Melhor seria deixar cair a máscara e substituir a palavra “pesquisa” por “propaganda” no nome do Ipea.
Hoje reduzido a uma mera máquina publicitária da política econômica do governo, o outrora inatacável Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou, na semana passada, um panfleto afirmando que a desigualdade e a pobreza diminuíram durante a crise. Mais uma vez, caiu em descrédito. Desde que o economista Márcio Pochmann assumiu sua presidência, em agosto de 2007, o órgão encarnou uma feição ideológica. Tudo o que sai de lá, travestido de estudo científico, glorifica a condução macroeconômica do visionário líder Lula da Silva. Por Ricardo Allan
Alinhado com a orientação do seu amigo ministro da Fazenda, Guido Mantega, Pochmann filtra com rigor os temas a serem pesquisados. Acostumados com o clima de liberdade existente até o primeiro mandato de Lula, os economistas da casa estranharam. Muitos foram demitidos de forma ruidosa por serem considerados “independentes demais”. Outros simplesmente arrumaram coisa melhor para fazer. Pediram uma licença, refugiaram-se em consultorias privadas e bancos de investimento ou foram trabalhar no Congresso.
O desmanche continua neste momento em que o órgão, antes celeiro do pensamento crítico do caminho oficial, está completando 45 anos de fundação. Os substitutos são recrutados em concursos que forçam o candidato a se posicionar contrariamente à economia de mercado e à globalização. “É triste. A gente prefere não saber o que está acontecendo por lá”, diz um dos ex-presidentes. “O Ipea deixou de ser uma instituição do Estado e virou um gabinete do governo. Ou um aparelho partidário”, diz um outro ex-comandante, em referência à identidade entre o ideário de Pochmann e o do Partido dos Trabalhadores (PT).
Degradação social
Melhor seria deixar cair a máscara e substituir a palavra “pesquisa” por “propaganda” no nome do Ipea. O resultado de tudo isso é que os números têm sido torturados nos ditos estudos patrocinados por Pochmann. O comunicado para a última entrevista dizia que a desigualdade e a pobreza tinham diminuído no Brasil no período da crise. De janeiro a junho, o índice de Gini caiu de 0,514 para 0,493 – quanto mais perto de 1, mais desigual é o país. Mas o fenômeno, a se confirmar, só ocorreu porque a faixa superior de renda se achatou e não porque o resto ascendeu, como fez crer a peça publicitária num primeiro momento.
Além disso, o estudo só capta parte da realidade, concentrando-se nos rendimentos salariais e deixando de lado outras rendas, como aluguéis, retorno de investimentos financeiros e recebimento de lucros. Pochmann garantiu que, de outubro de 2008 a junho de 2009, período que abrange o auge da crise internacional, 503 mil pessoas saíram da pobreza nas seis principais regiões metropolitanas do país. Com isso, a taxa de desfavorecidos teria caído de 31,9% para 31%. O critério usado como referência foi o rendimento familiar per capita de até meio salário mínimo (R$ 232,50).
Mesmo a se acreditar que tenham passado a ganhar um pouquinho mais, suas vidas mudaram? Não. Essas pessoas podem ter deixado de figurar como pobres por esse critério duvidoso, mas continuam como antes. Durante a semana, perguntei a várias pessoas se elas notam uma diminuição da pobreza nas ruas brasileiras. A resposta foi a mesma: pelo contrário. A percepção generalizada é de que as condições estão piores e há mais gente com dificuldade para sobreviver nas periferias e favelas. Não por acaso, o país enfrenta uma degradação social sem precedentes.
Fala mansa
O ilusionismo oficial do Ipea não consegue esconder essa realidade. No fim do ano passado, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o Ipea requentou os números de acordo com o programa do governo e soltou diversos “estudos” com o objetivo claro de mostrar como a política econômica de Lula estaria mudando a nação. Por trás de cada frase de Pochmann, ouvia-se o mote do presidente: “Nunca antes na história desse país...” Como se o Brasil tivesse se reinventado a partir de janeiro de 2003.
A lista de serviços prestados a Lula inclui um pau nos juros altos na véspera ou mesmo no dia em que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central se reúne para fixar a taxa Selic. Também passa por bater em teclas já exaustivamente tocadas, como na afirmação óbvia de que o pobre sempre pagou mais impostos do que o rico no Brasil. Pessoalmente, Pochmann é uma figura agradável. De fala mansa e cara de padre, assegura que não se preocupa com sua imagem pública. Bem humorado, diz não se importar quando o chamam de dinossauro, nacionalista ou ativista antiglobalização.
Mas sua gestão está arruinando a tradição de independência de um importante órgão consultivo, criado em 1964, por Roberto Campos e João Paulo dos Reis Velloso. Mesmo durante o regime militar, os generais não costumavam se meter na vida dos “meninos do Ipea”. Um dos mais contestadores, nos anos 1970, tornaria-se ministro da Fazenda: Pedro Malan. Além do prejuízo causado ao pensamento econômico no país, Márcio Pochmann joga fora o respeito que obteve no trabalho acadêmico. Antes, todo repórter ouvia com interesse o professor da Unicamp. Hoje, quase nenhum dá crédito ao presidente do Ipea.
Ricardo Allan é repórter de Economia Correio Braziliense ricardoallan.df@diariosassociados.com.br
Além do prejuízo causado ao pensamento econômico no país, Márcio Pochmann joga fora o respeito que obteve com seu trabalho acadêmico. Melhor seria deixar cair a máscara e substituir a palavra “pesquisa” por “propaganda” no nome do Ipea.
Hoje reduzido a uma mera máquina publicitária da política econômica do governo, o outrora inatacável Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou, na semana passada, um panfleto afirmando que a desigualdade e a pobreza diminuíram durante a crise. Mais uma vez, caiu em descrédito. Desde que o economista Márcio Pochmann assumiu sua presidência, em agosto de 2007, o órgão encarnou uma feição ideológica. Tudo o que sai de lá, travestido de estudo científico, glorifica a condução macroeconômica do visionário líder Lula da Silva. Por Ricardo Allan
Alinhado com a orientação do seu amigo ministro da Fazenda, Guido Mantega, Pochmann filtra com rigor os temas a serem pesquisados. Acostumados com o clima de liberdade existente até o primeiro mandato de Lula, os economistas da casa estranharam. Muitos foram demitidos de forma ruidosa por serem considerados “independentes demais”. Outros simplesmente arrumaram coisa melhor para fazer. Pediram uma licença, refugiaram-se em consultorias privadas e bancos de investimento ou foram trabalhar no Congresso.
O desmanche continua neste momento em que o órgão, antes celeiro do pensamento crítico do caminho oficial, está completando 45 anos de fundação. Os substitutos são recrutados em concursos que forçam o candidato a se posicionar contrariamente à economia de mercado e à globalização. “É triste. A gente prefere não saber o que está acontecendo por lá”, diz um dos ex-presidentes. “O Ipea deixou de ser uma instituição do Estado e virou um gabinete do governo. Ou um aparelho partidário”, diz um outro ex-comandante, em referência à identidade entre o ideário de Pochmann e o do Partido dos Trabalhadores (PT).
Degradação social
Melhor seria deixar cair a máscara e substituir a palavra “pesquisa” por “propaganda” no nome do Ipea. O resultado de tudo isso é que os números têm sido torturados nos ditos estudos patrocinados por Pochmann. O comunicado para a última entrevista dizia que a desigualdade e a pobreza tinham diminuído no Brasil no período da crise. De janeiro a junho, o índice de Gini caiu de 0,514 para 0,493 – quanto mais perto de 1, mais desigual é o país. Mas o fenômeno, a se confirmar, só ocorreu porque a faixa superior de renda se achatou e não porque o resto ascendeu, como fez crer a peça publicitária num primeiro momento.
Além disso, o estudo só capta parte da realidade, concentrando-se nos rendimentos salariais e deixando de lado outras rendas, como aluguéis, retorno de investimentos financeiros e recebimento de lucros. Pochmann garantiu que, de outubro de 2008 a junho de 2009, período que abrange o auge da crise internacional, 503 mil pessoas saíram da pobreza nas seis principais regiões metropolitanas do país. Com isso, a taxa de desfavorecidos teria caído de 31,9% para 31%. O critério usado como referência foi o rendimento familiar per capita de até meio salário mínimo (R$ 232,50).
Mesmo a se acreditar que tenham passado a ganhar um pouquinho mais, suas vidas mudaram? Não. Essas pessoas podem ter deixado de figurar como pobres por esse critério duvidoso, mas continuam como antes. Durante a semana, perguntei a várias pessoas se elas notam uma diminuição da pobreza nas ruas brasileiras. A resposta foi a mesma: pelo contrário. A percepção generalizada é de que as condições estão piores e há mais gente com dificuldade para sobreviver nas periferias e favelas. Não por acaso, o país enfrenta uma degradação social sem precedentes.
Fala mansa
O ilusionismo oficial do Ipea não consegue esconder essa realidade. No fim do ano passado, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o Ipea requentou os números de acordo com o programa do governo e soltou diversos “estudos” com o objetivo claro de mostrar como a política econômica de Lula estaria mudando a nação. Por trás de cada frase de Pochmann, ouvia-se o mote do presidente: “Nunca antes na história desse país...” Como se o Brasil tivesse se reinventado a partir de janeiro de 2003.
A lista de serviços prestados a Lula inclui um pau nos juros altos na véspera ou mesmo no dia em que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central se reúne para fixar a taxa Selic. Também passa por bater em teclas já exaustivamente tocadas, como na afirmação óbvia de que o pobre sempre pagou mais impostos do que o rico no Brasil. Pessoalmente, Pochmann é uma figura agradável. De fala mansa e cara de padre, assegura que não se preocupa com sua imagem pública. Bem humorado, diz não se importar quando o chamam de dinossauro, nacionalista ou ativista antiglobalização.
Mas sua gestão está arruinando a tradição de independência de um importante órgão consultivo, criado em 1964, por Roberto Campos e João Paulo dos Reis Velloso. Mesmo durante o regime militar, os generais não costumavam se meter na vida dos “meninos do Ipea”. Um dos mais contestadores, nos anos 1970, tornaria-se ministro da Fazenda: Pedro Malan. Além do prejuízo causado ao pensamento econômico no país, Márcio Pochmann joga fora o respeito que obteve no trabalho acadêmico. Antes, todo repórter ouvia com interesse o professor da Unicamp. Hoje, quase nenhum dá crédito ao presidente do Ipea.
Ricardo Allan é repórter de Economia Correio Braziliense ricardoallan.df@diariosassociados.com.br
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