A ausência de membros importantes do regime, as cadeiras vazias e sobretudo os protestos na rua marcaram a quarta-feira da posse de Mahmud Ahmadinejad para um segundo mandato de quatro anos. Centenas de iranianos desafiaram a enorme mobilização policial e paramilitar que os esperava junto ao Parlamento para protestar contra o resultado das eleições de 12 de junho passado.
Ahmadinejad minimizou a importância de que quase nenhum mandatário - exceto os do Japão e da Turquia - tenha decidido cumprimentá-lo. "Ninguém no Irã está buscando as felicitações de ninguém", afirmou com desdém. Apesar de seus embaixadores terem ido à investidura, os chefes de governo de Alemanha, França, Reino Unido e Itália anunciaram que não enviariam a habitual carta de felicitação.
Em um claro contraste com essa realidade, Ahmadinejad voltou utilizar a alta participação (85% do eleitorado) como argumento legitimador do sistema e de sua reeleição. Mas muitos iranianos votaram exatamente para contê-lo, e dois meses depois ainda afirmam que roubou a vitória do reformista moderado Mir Hossein Mousavi. Por Ángeles Espinosa
"Como presidente, juro diante do sagrado Corão, a nação iraniana e Deus que protegerei a religião oficial, a República Islâmica e a Constituição", proclamou Ahmadinejad, de acordo com a fórmula estabelecida na Carta Magna. A solenidade do ato e o apelo à união que o presidente reeleito fez em seu discurso foram empanados pelas ausências. O próprio presidente do Parlamento, Ali Larijani, teve de fazer um rodeio estilístico para evitá-las quando, na abertura da cerimônia, agradeceu a presença das diferentes autoridades, entre elas "membros do Conselho de Discernimento e da Assembléia de Peritos".
Faltava o presidente das duas instituições, o influente e veterano político Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, que foi chefe de governo de 1989 a 1997 e antes presidiu o Parlamento, entre outros cargos. Rafsanjani, que apoiou discretamente a campanha de Mousavi, mostrou suas cartas quando não respondeu à chamada para cerrar fileiras em torno de Ahmadinejad de seu velho inimigo político e hoje líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei. Essa tomada de posição de um dos líderes do regime constitui um suporte vital para o movimento de contestação popular.
Também não esteve presente o ex-presidente Mohamed Khatami, com muito menos peso dentro do regime, mas com uma grande estatura moral nas ruas. E é claro que faltaram, como haviam anunciado, os candidatos derrotados, o moderado Mousavi e o reformista Mehdi Karrubi. Mais significativo ainda, também faltou Mohsen Rezai, antigo chefe dos Pasdaran e a voz mais crítica contra Ahmadinejad entre os conservadores. Rezai pediu que sejam investigados os abusos das forças de segurança depois que o filho de um de seus colaboradores morreu quando estava detido por ter participado de um protesto.
Larijani, que se encontra entre os conservadores críticos com Ahmadinejad, disse que 273 dos 290 deputados estavam presentes na cerimônia de posse. No entanto, segundo o site do grupo parlamentar reformista, só 13 de seus 70 membros participaram. Alguns deles se ausentaram justamente no momento em que o presidente começou seu discurso. Com um tom que soou menos belicoso que o habitual nele, Ahmadinejad anunciou "importantes mudanças" de planos para melhorar a economia e insistiu que o Irã "deve ter um papel ativo na esfera internacional". Mesmo assim, manteve seu desafio às potências ocidentais, as quais continua responsabilizando pelos protestos.
"Admitimos o fato de que a pessoa investida hoje será considerada o presidente. Mas apreciamos e admiramos a contínua resistência e os esforços dos reformistas para levar a cabo as mudanças que os iranianos merecem", declarou por sua vez a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, em busca de um difícil equilíbrio entre mostrar seu desapreço a Ahmadinejad e manter as portas abertas para o diálogo. Os EUA e o Irã não têm relações diplomáticas há três décadas.
Ahmadinejad também fez um apelo à união de todos os iranianos. Mas suas palavras soaram ocas para os opositores. Mousavi, que como Karrubi continua reclamando que as eleições sejam repetidas, declarou em seu site na web que as detenções não vão frear o movimento de protesto, ao qual atribuiu "um forte sentimento nacional" e ter reunido "diferentes setores da sociedade". Na quarta-feira se soube que outros dois de seus colaboradores foram presos. O mesmo devem pensar os iranianos que, apesar da repressão, responderam aos chamados para se manifestar junto ao Parlamento.
Os raros correspondentes estrangeiros credenciados no Irã estão proibidos de cobrir as atividades da oposição, mas os depoimentos dos que estiveram lá permitem fazer uma ideia do temor com que o regime percebe suas atividades. "Quando chegamos, por volta das 9 da manhã, havia mais policiais que moléculas de ar e a maior parte do tráfego na praça eram motos de milicianos basijis", relatou a este jornal um diplomata ocidental. Na saída, duas horas depois, o panorama era diferente. "Havia muita gente nas calçadas, andando devagar, de forma que ficava claro que sua presença ali não era normal", declarou um embaixador europeu.
Outras testemunhas salientaram que os manifestantes, na maioria jovens e mulheres, vestiam camisetas pretas em sinal de luto e verdes, a cor dos simpatizantes de Mousavi, e gritavam "Morte ao ditador!" "Do ônibus não podíamos entender os slogans", concordaram os diplomatas, que viajavam em veículos diferentes. O primeiro viu quando foi detido "um homem de 40 e tantos anos, de barba". O segundo, um começo de carga policial. Ambos destacaram que a presença policial se estendia por 2 quilômetros, até a embaixada britânica. A rede de televisão estatal PressTV disse que havia 5 mil agentes mobilizados. No final da manhã, a agência Reuters informou sobre uma dezena de detidos. A agência Efe, por sua vez, elevou o número a "várias dezenas". À tarde, o dispositivo antidistúrbios se transferiu para várias praças da cidade para evitar novas manifestações. El País – UOL Internacional
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Ahmadinejad minimizou a importância de que quase nenhum mandatário - exceto os do Japão e da Turquia - tenha decidido cumprimentá-lo. "Ninguém no Irã está buscando as felicitações de ninguém", afirmou com desdém. Apesar de seus embaixadores terem ido à investidura, os chefes de governo de Alemanha, França, Reino Unido e Itália anunciaram que não enviariam a habitual carta de felicitação.
Em um claro contraste com essa realidade, Ahmadinejad voltou utilizar a alta participação (85% do eleitorado) como argumento legitimador do sistema e de sua reeleição. Mas muitos iranianos votaram exatamente para contê-lo, e dois meses depois ainda afirmam que roubou a vitória do reformista moderado Mir Hossein Mousavi. Por Ángeles Espinosa
"Como presidente, juro diante do sagrado Corão, a nação iraniana e Deus que protegerei a religião oficial, a República Islâmica e a Constituição", proclamou Ahmadinejad, de acordo com a fórmula estabelecida na Carta Magna. A solenidade do ato e o apelo à união que o presidente reeleito fez em seu discurso foram empanados pelas ausências. O próprio presidente do Parlamento, Ali Larijani, teve de fazer um rodeio estilístico para evitá-las quando, na abertura da cerimônia, agradeceu a presença das diferentes autoridades, entre elas "membros do Conselho de Discernimento e da Assembléia de Peritos".
Faltava o presidente das duas instituições, o influente e veterano político Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, que foi chefe de governo de 1989 a 1997 e antes presidiu o Parlamento, entre outros cargos. Rafsanjani, que apoiou discretamente a campanha de Mousavi, mostrou suas cartas quando não respondeu à chamada para cerrar fileiras em torno de Ahmadinejad de seu velho inimigo político e hoje líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei. Essa tomada de posição de um dos líderes do regime constitui um suporte vital para o movimento de contestação popular.
Também não esteve presente o ex-presidente Mohamed Khatami, com muito menos peso dentro do regime, mas com uma grande estatura moral nas ruas. E é claro que faltaram, como haviam anunciado, os candidatos derrotados, o moderado Mousavi e o reformista Mehdi Karrubi. Mais significativo ainda, também faltou Mohsen Rezai, antigo chefe dos Pasdaran e a voz mais crítica contra Ahmadinejad entre os conservadores. Rezai pediu que sejam investigados os abusos das forças de segurança depois que o filho de um de seus colaboradores morreu quando estava detido por ter participado de um protesto.
Larijani, que se encontra entre os conservadores críticos com Ahmadinejad, disse que 273 dos 290 deputados estavam presentes na cerimônia de posse. No entanto, segundo o site do grupo parlamentar reformista, só 13 de seus 70 membros participaram. Alguns deles se ausentaram justamente no momento em que o presidente começou seu discurso. Com um tom que soou menos belicoso que o habitual nele, Ahmadinejad anunciou "importantes mudanças" de planos para melhorar a economia e insistiu que o Irã "deve ter um papel ativo na esfera internacional". Mesmo assim, manteve seu desafio às potências ocidentais, as quais continua responsabilizando pelos protestos.
"Admitimos o fato de que a pessoa investida hoje será considerada o presidente. Mas apreciamos e admiramos a contínua resistência e os esforços dos reformistas para levar a cabo as mudanças que os iranianos merecem", declarou por sua vez a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, em busca de um difícil equilíbrio entre mostrar seu desapreço a Ahmadinejad e manter as portas abertas para o diálogo. Os EUA e o Irã não têm relações diplomáticas há três décadas.
Ahmadinejad também fez um apelo à união de todos os iranianos. Mas suas palavras soaram ocas para os opositores. Mousavi, que como Karrubi continua reclamando que as eleições sejam repetidas, declarou em seu site na web que as detenções não vão frear o movimento de protesto, ao qual atribuiu "um forte sentimento nacional" e ter reunido "diferentes setores da sociedade". Na quarta-feira se soube que outros dois de seus colaboradores foram presos. O mesmo devem pensar os iranianos que, apesar da repressão, responderam aos chamados para se manifestar junto ao Parlamento.
Os raros correspondentes estrangeiros credenciados no Irã estão proibidos de cobrir as atividades da oposição, mas os depoimentos dos que estiveram lá permitem fazer uma ideia do temor com que o regime percebe suas atividades. "Quando chegamos, por volta das 9 da manhã, havia mais policiais que moléculas de ar e a maior parte do tráfego na praça eram motos de milicianos basijis", relatou a este jornal um diplomata ocidental. Na saída, duas horas depois, o panorama era diferente. "Havia muita gente nas calçadas, andando devagar, de forma que ficava claro que sua presença ali não era normal", declarou um embaixador europeu.
Outras testemunhas salientaram que os manifestantes, na maioria jovens e mulheres, vestiam camisetas pretas em sinal de luto e verdes, a cor dos simpatizantes de Mousavi, e gritavam "Morte ao ditador!" "Do ônibus não podíamos entender os slogans", concordaram os diplomatas, que viajavam em veículos diferentes. O primeiro viu quando foi detido "um homem de 40 e tantos anos, de barba". O segundo, um começo de carga policial. Ambos destacaram que a presença policial se estendia por 2 quilômetros, até a embaixada britânica. A rede de televisão estatal PressTV disse que havia 5 mil agentes mobilizados. No final da manhã, a agência Reuters informou sobre uma dezena de detidos. A agência Efe, por sua vez, elevou o número a "várias dezenas". À tarde, o dispositivo antidistúrbios se transferiu para várias praças da cidade para evitar novas manifestações. El País – UOL Internacional
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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