PARA JORNAIS FRANCESES, BRASIL SALVOU DASSAULT
O Brasil tirou a Dassault do risco de mergulhar seriamente numa crise ao anunciar que pretende comprar 36 aviões Rafale. Foi esse o tom da imprensa francesa no dia seguinte à visita-relâmpago ao Brasil do presidente francês, Nicolas Sarkozy, que voltou com um trunfo: a suposta primeira venda internacional do Rafale.
O jornal “Le Monde” disse que a venda ao Brasil tira o Rafale da sua “maldição”: o caça, usado pelas tropas francesas no Afeganistão, não conseguia ser vendido. Na batalha por conquistas no mercado, a Dassault perdia, sobretudo, para os americanos.
“Muito bom para ser verdade. Até o final, mesmo na Dassault, ninguém acreditava num anúncio da intenção de compra de seu avião de combate para o Brasil”, escreveu o “Le Monde”. Por Deborah Berlinck
O “Libération”, jornal de esquerda, foi mais dramático ao dizer que, “se a Dassault tivesse perdido o mercado brasileiro, o que teria fragilizado a negociação com Abou Dhabi (nos Emirados Árabes), poderia desaparecer como fabricante de aviões de combate”.
O “Le Monde” destacou a sucessão de fracassos da Dassault na sua tentativa de vender os Rafales. Em 2002, os franceses perderam para os americanos na Coreia do Sul. Em 2005, duas novas derrotas na disputa com os americanos: em Cingapura e na Holanda. Em 2006, perdeu a concorrência na Arábia Saudita, e, em 2007 sofreu um golpe no Marrocos. Segundo o “Le Monde”, a derrota marroquina, atribuída à pobreza da oferta francesa para financiamento da compra, provocou a raiva do Palácio do Eliseu, e de Sarkozy, que havia acabado de assumir o poder. O presidente tomou as rédeas do negócio.
A Dassault mudou de estratégia. Daí a decisão “sem precedentes” de oferecer transferência de tecnologia para o Brasil, disse o jornal.
O “Le Figaro”, de direita e sob o controle da Dassault, classificou o anúncio da compra como “um sucesso político, diplomático e industrial para o presidente francês”, que voltou para casa com promessa de contrato de cerca de 5 bilhões de euros. O anúncio do presidente Lula de um “contrato histórico”, destacou o “Figaro”, “foi uma surpresa, mesmo que nos últimos dias ele tenha dado a entender sua preferência pela oferta francesa”.
O jornal disse que o possível contrato vai produzir seis mil empregos na França.
Segundo o “Libération”, o Brasil aceitou pagar US$ 80 milhões por caças franceses contra US$ 60 milhões oferecidos pelos americanos e US$ 50 milhões pelos suecos, “por um motivo muito simples: a França aceitou uma transferência de 100% ou quase isso de sua tecnologia”.
O jornal avisa que “a França não vai sair assim com tudo”, pois “terá que comprar uma dezena de aviões brasileiros da Embraer”. O “La Tribune” disse que o anúncio do Brasil vai ajudar a Dassault na batalha da França para vender os caças também para os Emirados Árabes, a Líbia e a Suíça.
Para o espanhol “El País”, o “ambicioso” acordo entre Brasil e França “consolidará o país sul-americano como a primeira e indiscutível potência militar do subcontinente”.
Segundo o jornal, a França “ganha desta maneira presença e influência na América do Sul, enquanto os Estados Unidos só encontram obstáculos para se estabelecer militarmente na Colômbia”.
Na Argentina, o acordo foi destaque de vários veículos de comunicação. O “Clarín” e o “La Nación” usaram a mesma expressão para descrever a negociação: “corrida armamentista”. O “Clarín” escreveu: “Brasil fecha com a França o maior pacto militar dos últimos 50 anos”. - O Globo
BABETTE VAI À GUERRA
Em 1959, os franceses fizeram um filme, "Babette Vai à Guerra", em que Brigitte Bardot vive uma jovem camareira de bordel, contratada pelos Aliados para se fazer passar pela ex-amante de um general alemão na França ocupada. Um agente da Gestapo descobre sua identidade, mas não a impede de continuar espionando o general, que eles suspeitam integrar um complô contra Hitler.
A graça do filme estava em que, pela primeira vez, Brigitte não ficava pelada em cena, e só restava à plateia imaginar o que se escondia sob aquelas fardas de soldado e paraquedista. Havia também o fato de Brigitte, que até então ninguém acusara de atriz, estar representando um papel "sério".
Os franceses devem ter se lembrado de "Babette" ao fechar a venda para o Brasil de 36 aviões de combate, a fabricação de 50 helicópteros de transporte e a parceria na construção de uma base naval, um estaleiro e cinco submarinos, um deles nuclear, pelo módico preço de R$ 31 bilhões. Para realçar seu papel "sério" na parceria, o Brasil não precisará ficar pelado em cena. De tanga, talvez.
Lula justificou a transação, que já se discutia havia 11 anos, como necessária para proteger as reservas de petróleo na camada do pré-sal, descobertas apenas outro dia, e as riquezas da Amazônia. Pelo visto, logo teremos enxames de caças e submarinos varejando o Rio e a bacia amazônica. Era bonitinho também ver Brigitte descendo de paraquedas em meio aos coturnos e capacetes alemães.
A parceria inclui transferência de tecnologia francesa para o Brasil. Espera-se que, no pacote, venham instruções para aperfeiçoar o funcionamento da churrasqueira do Alvorada, cujo fiasco privou o presidente Nicolas Sarkozy de saborear as alcatras, picanhas e maminhas em que, aí, sim, somos craques. Por Ruy Castro - Folha de S. Paulo
O Brasil tirou a Dassault do risco de mergulhar seriamente numa crise ao anunciar que pretende comprar 36 aviões Rafale. Foi esse o tom da imprensa francesa no dia seguinte à visita-relâmpago ao Brasil do presidente francês, Nicolas Sarkozy, que voltou com um trunfo: a suposta primeira venda internacional do Rafale.
O jornal “Le Monde” disse que a venda ao Brasil tira o Rafale da sua “maldição”: o caça, usado pelas tropas francesas no Afeganistão, não conseguia ser vendido. Na batalha por conquistas no mercado, a Dassault perdia, sobretudo, para os americanos.
“Muito bom para ser verdade. Até o final, mesmo na Dassault, ninguém acreditava num anúncio da intenção de compra de seu avião de combate para o Brasil”, escreveu o “Le Monde”. Por Deborah Berlinck
O “Libération”, jornal de esquerda, foi mais dramático ao dizer que, “se a Dassault tivesse perdido o mercado brasileiro, o que teria fragilizado a negociação com Abou Dhabi (nos Emirados Árabes), poderia desaparecer como fabricante de aviões de combate”.
O “Le Monde” destacou a sucessão de fracassos da Dassault na sua tentativa de vender os Rafales. Em 2002, os franceses perderam para os americanos na Coreia do Sul. Em 2005, duas novas derrotas na disputa com os americanos: em Cingapura e na Holanda. Em 2006, perdeu a concorrência na Arábia Saudita, e, em 2007 sofreu um golpe no Marrocos. Segundo o “Le Monde”, a derrota marroquina, atribuída à pobreza da oferta francesa para financiamento da compra, provocou a raiva do Palácio do Eliseu, e de Sarkozy, que havia acabado de assumir o poder. O presidente tomou as rédeas do negócio.
A Dassault mudou de estratégia. Daí a decisão “sem precedentes” de oferecer transferência de tecnologia para o Brasil, disse o jornal.
O “Le Figaro”, de direita e sob o controle da Dassault, classificou o anúncio da compra como “um sucesso político, diplomático e industrial para o presidente francês”, que voltou para casa com promessa de contrato de cerca de 5 bilhões de euros. O anúncio do presidente Lula de um “contrato histórico”, destacou o “Figaro”, “foi uma surpresa, mesmo que nos últimos dias ele tenha dado a entender sua preferência pela oferta francesa”.
O jornal disse que o possível contrato vai produzir seis mil empregos na França.
Segundo o “Libération”, o Brasil aceitou pagar US$ 80 milhões por caças franceses contra US$ 60 milhões oferecidos pelos americanos e US$ 50 milhões pelos suecos, “por um motivo muito simples: a França aceitou uma transferência de 100% ou quase isso de sua tecnologia”.
O jornal avisa que “a França não vai sair assim com tudo”, pois “terá que comprar uma dezena de aviões brasileiros da Embraer”. O “La Tribune” disse que o anúncio do Brasil vai ajudar a Dassault na batalha da França para vender os caças também para os Emirados Árabes, a Líbia e a Suíça.
Para o espanhol “El País”, o “ambicioso” acordo entre Brasil e França “consolidará o país sul-americano como a primeira e indiscutível potência militar do subcontinente”.
Segundo o jornal, a França “ganha desta maneira presença e influência na América do Sul, enquanto os Estados Unidos só encontram obstáculos para se estabelecer militarmente na Colômbia”.
Na Argentina, o acordo foi destaque de vários veículos de comunicação. O “Clarín” e o “La Nación” usaram a mesma expressão para descrever a negociação: “corrida armamentista”. O “Clarín” escreveu: “Brasil fecha com a França o maior pacto militar dos últimos 50 anos”. - O Globo
BABETTE VAI À GUERRA
Em 1959, os franceses fizeram um filme, "Babette Vai à Guerra", em que Brigitte Bardot vive uma jovem camareira de bordel, contratada pelos Aliados para se fazer passar pela ex-amante de um general alemão na França ocupada. Um agente da Gestapo descobre sua identidade, mas não a impede de continuar espionando o general, que eles suspeitam integrar um complô contra Hitler.
A graça do filme estava em que, pela primeira vez, Brigitte não ficava pelada em cena, e só restava à plateia imaginar o que se escondia sob aquelas fardas de soldado e paraquedista. Havia também o fato de Brigitte, que até então ninguém acusara de atriz, estar representando um papel "sério".
Os franceses devem ter se lembrado de "Babette" ao fechar a venda para o Brasil de 36 aviões de combate, a fabricação de 50 helicópteros de transporte e a parceria na construção de uma base naval, um estaleiro e cinco submarinos, um deles nuclear, pelo módico preço de R$ 31 bilhões. Para realçar seu papel "sério" na parceria, o Brasil não precisará ficar pelado em cena. De tanga, talvez.
Lula justificou a transação, que já se discutia havia 11 anos, como necessária para proteger as reservas de petróleo na camada do pré-sal, descobertas apenas outro dia, e as riquezas da Amazônia. Pelo visto, logo teremos enxames de caças e submarinos varejando o Rio e a bacia amazônica. Era bonitinho também ver Brigitte descendo de paraquedas em meio aos coturnos e capacetes alemães.
A parceria inclui transferência de tecnologia francesa para o Brasil. Espera-se que, no pacote, venham instruções para aperfeiçoar o funcionamento da churrasqueira do Alvorada, cujo fiasco privou o presidente Nicolas Sarkozy de saborear as alcatras, picanhas e maminhas em que, aí, sim, somos craques. Por Ruy Castro - Folha de S. Paulo
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