O dinheiro é insuficiente mesmo ou é jogado pelo ralo da incompetência e da corrupção? Eis o óbvio: falta dinheiro e falta gestão
Parece até que vivemos uma crise existencial na saúde. Falta dinheiro ou falta gestão? O dinheiro é insuficiente mesmo ou é jogado pelo ralo da incompetência e da corrupção? Diante da gastança irresponsável do governo federal nas mais diversas áreas, das cenas de maus-tratos a quem busca atendimento e dos escândalos de desvios de dinheiro público, o brasileiro deve achar que falta mesmo é vergonha na cara de quem deveria cuidar do assunto.
Porém, basta arranhar a superfície para descobrir o óbvio: falta dinheiro e falta gestão. Nesse momento, a falta de gestão é o que causa os maiores danos ao sistema. O Brasil gasta pouco e gasta mal em saúde. Por Januario Montone
Nos países em que o sistema público predomina, os gastos do governo superam 6,5% do PIB. Aqui, só atingimos 3,9% (2008). Relatório recente da Organização Mundial da Saúde, de 2006, mostra que o gasto público em saúde atingiu US$ 2.587 per capita/ano no Canadá, US$ 1.757 na Espanha e apenas US$ 323 no Brasil. A comparação foi feita com base no poder paritário de compra (PPC). Enquanto no Canadá a saúde representa 17,8% dos gastos totais do governo e na Espanha representa 15,5%, no Brasil esse volume não passa de 7,2%. Também perdemos da Itália (14,2%), do Chile (14,1%) e do México (10,8%). Em 2007, o SUS teve de funcionar com R$ 42,80 por mês por habitante. E isso inclui gastos com controle de endemias, vacinação, vigilância sanitária e epidemiológica, por exemplo. Já a saúde suplementar teve R$ 108,30 por mês para atender cada um dos 39 milhões de usuários.
Só em assistência médica e, mesmo assim, complementada pelo atendimento do SUS. Se tirarmos esses 39 milhões de pessoas da conta do SUS, ainda assim a saúde pública contaria apenas com R$ 54,30 por mês para cada habitante. Então é preciso reconhecer que gastamos pouco em saúde. Além de pouco, nós evidentemente gastamos mal. E nem falo da corrupção e das fraudes, que estão em todas as áreas. São casos de polícia -e assim devem ser tratados. Gastamos mal porque o modelo de gestão do SUS está ultrapassado e gera desperdícios. O financiamento é tripartite -União, Estados e municípios-, sua aplicação é pulverizada e exige consensos entre as três esferas, o que raramente ultrapassa o universo das boas intenções.
A União deveria trabalhar para reduzir as desigualdades regionais, mas o que vem reduzindo é a sua participação no financiamento. Proporcionalmente à receita corrente, o Ministério da Saúde já perde R$ 10 bilhões por ano em relação a 2000, ano em que foi aprovada a emenda 29, na gestão do então ministro José Serra. Estados e municípios é que garantiram a ampliação do financiamento. A desigualdade é ampliada pela falsa integralidade do sistema.
O SUS tem de atender tudo, para todos, o tempo todo e em todo lugar. É claro que isso não acontece. A maioria dos serviços de média e alta complexidade, fornecidos gratuitamente à população pelo SUS, são comprados de prestadores privados. A rede assistencial acaba definida pela oferta de prestadores, e não pelas necessidades de atendimento. Sobra de um lado e falta do outro. A maioria dos hospitais e outros serviços públicos são gerenciados a partir de modelos burocráticos, imobilistas, ineficientes e muito caros, principalmente por sua baixa qualidade e baixa efetividade. Isso consome o melhor da energia dos gestores do SUS, que deveria estar direcionada para a gestão do sistema.
Os modelos inovadores de gestão na saúde, como as parcerias com organizações sociais, bem-sucedidas em São Paulo, são ferozmente combatidos pelas corporações e partidos governistas, como o PT. Nem mesmo as fundações estatais conseguem sair do papel, apesar do apoio efusivo do Ministério da Saúde, devido ao descaso do governo. O setor de saúde suplementar é ignorado como política pública, perpetuando o desperdício de recursos pela duplicidade e falta de integração das redes prestadoras.
Em resumo, gastamos muito mal o pouco que gastamos. Impressiona que, apesar do bombardeio da mídia, ainda tenhamos 37% da população a favor de um novo imposto para a saúde. Segundo a mesma pesquisa CNT/Sensus, "apenas" 53% são contra. A proposta de criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS), porém, tem três defeitos mortais: a) não garante a melhoria da gestão e a transparência dos gastos; b) não fixa a partilha dos novos recursos entre União, Estados e municípios; c) não resolve o problema do financiamento, pois amplia os gastos em saúde em menos de 10%, quando precisaríamos dobrá-los. O melhor seria regulamentar a emenda 29, reforçando a vinculação de recursos e definindo claramente o que pode e o que não pode ser incluído como "gasto em saúde". Deve gerar um ganho de R$ 5 bilhões anuais.
O governo federal certamente tem como recompor os R$ 10 bilhões anuais perdidos pelo Ministério da Saúde em comparação com o ano 2000. Feito isso, a sociedade deve debater uma nova reforma, que consolide o sistema de saúde e o faça funcionar. Folha de S. Paulo
Parece até que vivemos uma crise existencial na saúde. Falta dinheiro ou falta gestão? O dinheiro é insuficiente mesmo ou é jogado pelo ralo da incompetência e da corrupção? Diante da gastança irresponsável do governo federal nas mais diversas áreas, das cenas de maus-tratos a quem busca atendimento e dos escândalos de desvios de dinheiro público, o brasileiro deve achar que falta mesmo é vergonha na cara de quem deveria cuidar do assunto.
Porém, basta arranhar a superfície para descobrir o óbvio: falta dinheiro e falta gestão. Nesse momento, a falta de gestão é o que causa os maiores danos ao sistema. O Brasil gasta pouco e gasta mal em saúde. Por Januario Montone
Nos países em que o sistema público predomina, os gastos do governo superam 6,5% do PIB. Aqui, só atingimos 3,9% (2008). Relatório recente da Organização Mundial da Saúde, de 2006, mostra que o gasto público em saúde atingiu US$ 2.587 per capita/ano no Canadá, US$ 1.757 na Espanha e apenas US$ 323 no Brasil. A comparação foi feita com base no poder paritário de compra (PPC). Enquanto no Canadá a saúde representa 17,8% dos gastos totais do governo e na Espanha representa 15,5%, no Brasil esse volume não passa de 7,2%. Também perdemos da Itália (14,2%), do Chile (14,1%) e do México (10,8%). Em 2007, o SUS teve de funcionar com R$ 42,80 por mês por habitante. E isso inclui gastos com controle de endemias, vacinação, vigilância sanitária e epidemiológica, por exemplo. Já a saúde suplementar teve R$ 108,30 por mês para atender cada um dos 39 milhões de usuários.
Só em assistência médica e, mesmo assim, complementada pelo atendimento do SUS. Se tirarmos esses 39 milhões de pessoas da conta do SUS, ainda assim a saúde pública contaria apenas com R$ 54,30 por mês para cada habitante. Então é preciso reconhecer que gastamos pouco em saúde. Além de pouco, nós evidentemente gastamos mal. E nem falo da corrupção e das fraudes, que estão em todas as áreas. São casos de polícia -e assim devem ser tratados. Gastamos mal porque o modelo de gestão do SUS está ultrapassado e gera desperdícios. O financiamento é tripartite -União, Estados e municípios-, sua aplicação é pulverizada e exige consensos entre as três esferas, o que raramente ultrapassa o universo das boas intenções.
A União deveria trabalhar para reduzir as desigualdades regionais, mas o que vem reduzindo é a sua participação no financiamento. Proporcionalmente à receita corrente, o Ministério da Saúde já perde R$ 10 bilhões por ano em relação a 2000, ano em que foi aprovada a emenda 29, na gestão do então ministro José Serra. Estados e municípios é que garantiram a ampliação do financiamento. A desigualdade é ampliada pela falsa integralidade do sistema.
O SUS tem de atender tudo, para todos, o tempo todo e em todo lugar. É claro que isso não acontece. A maioria dos serviços de média e alta complexidade, fornecidos gratuitamente à população pelo SUS, são comprados de prestadores privados. A rede assistencial acaba definida pela oferta de prestadores, e não pelas necessidades de atendimento. Sobra de um lado e falta do outro. A maioria dos hospitais e outros serviços públicos são gerenciados a partir de modelos burocráticos, imobilistas, ineficientes e muito caros, principalmente por sua baixa qualidade e baixa efetividade. Isso consome o melhor da energia dos gestores do SUS, que deveria estar direcionada para a gestão do sistema.
Os modelos inovadores de gestão na saúde, como as parcerias com organizações sociais, bem-sucedidas em São Paulo, são ferozmente combatidos pelas corporações e partidos governistas, como o PT. Nem mesmo as fundações estatais conseguem sair do papel, apesar do apoio efusivo do Ministério da Saúde, devido ao descaso do governo. O setor de saúde suplementar é ignorado como política pública, perpetuando o desperdício de recursos pela duplicidade e falta de integração das redes prestadoras.
Em resumo, gastamos muito mal o pouco que gastamos. Impressiona que, apesar do bombardeio da mídia, ainda tenhamos 37% da população a favor de um novo imposto para a saúde. Segundo a mesma pesquisa CNT/Sensus, "apenas" 53% são contra. A proposta de criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS), porém, tem três defeitos mortais: a) não garante a melhoria da gestão e a transparência dos gastos; b) não fixa a partilha dos novos recursos entre União, Estados e municípios; c) não resolve o problema do financiamento, pois amplia os gastos em saúde em menos de 10%, quando precisaríamos dobrá-los. O melhor seria regulamentar a emenda 29, reforçando a vinculação de recursos e definindo claramente o que pode e o que não pode ser incluído como "gasto em saúde". Deve gerar um ganho de R$ 5 bilhões anuais.
O governo federal certamente tem como recompor os R$ 10 bilhões anuais perdidos pelo Ministério da Saúde em comparação com o ano 2000. Feito isso, a sociedade deve debater uma nova reforma, que consolide o sistema de saúde e o faça funcionar. Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário