Imposto eleitoreiro

Só a impostura elevada ao mais alto grau de perversão política pode justificar o conúbio do PMDB com o PT para ressuscitar a CPMF, agora sob a designação de CSS (Contribuição Social para a Saúde). Por se haver revelado apenas um fundo para financiar oportunismos políticos — à margem, portanto, de aplicação nos programas de saúde —, o imposto do cheque foi sepultado pelo Senado no fim de 2008, em decisão histórica.

Contudo, não foram apenas os desvios criminosos dos recursos arrecadados que demonstraram a inconveniência política, econômica e social da CPMF. Mais que tudo, retirá-la da ordem jurídica obedeceu ao imperativo de extinguir incidência fiscal portadora de cumulatividade cruel, ofensiva aos princípios de justiça que norteiam a ordenação do sistema tributário. Assim, por um lado. Por outro, a alternativa de arrecadação suplementar por legislação constitucional convinha à disposição do governo de reduzir as verbas orçamentárias indispensáveis à execução das políticas de saúde pública. Por Josemar Dantas

É impossível evitar que a consciência civilizada da sociedade enxergue na recriação da CPMF patranha com o propósito de turbinar a gastança do Palácio do Planalto em projetos utilitaristas de efeito eleitoral, no ano do pleito para a Presidência da República. Na verdade, não há outra justificação plausível. Se acaso o interesse fosse aumentar as receitas à conta do Ministério da Saúde, haveria meios seguros de fazê-lo sem recorrer ao agravamento da carga fiscal, hoje situada no ponto intolerável de 35,6% do Produto Interno Bruto (PIB).

Em 2000, a cobertura dos gastos com a saúde situou-se em 8,1% da receita corrente da União. Em 2008, o percentual caiu para 6,7%. O setor viu-se privado de mais de R$ 10 bilhões. Então, para adequar à realidade o suprimento das demandas do Ministério da Saúde é crucial voltar ao comprometimento orçamentário de 2000. Não é tudo. Mais R$ 5 bilhões poderiam ser agregados para alargar a assistência médico-hospitalar mediante regulamentação da Emenda Constitucional n°29/2000. Estabelece-se alí a vinculação de verbas federais, estaduais e municipais em arco de incidência de ampla dimensão universalizante.

Se aprovada — o que seria legislar contra interesses legítimos da sociedade — a malsinada CSS tomaria ao contribuinte, já estrangulado pelo garrote de tributos excorchantes, nada menos de R$ 10 bilhões. A importância equivale à que a União subtrai de forma irresponsável do Orçamento do Ministério da Saúde desde 2000. Os patrocinadores de semelhante vilania — eis o ardil torpe — sustentam que a iniciativa é imposta para arcar com os custos da gripe suína, como se a pandemia tivesse existência infinita.

Não poderiam tais arrivistas políticos usar argumentação mais maltrapilha. As reservas de contingência lançadas no Orçamento da União, conforme ordena a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), contemplam recursos para enfrentar eventos e riscos imprevisíveis, como a influenza A (H1N1). Não há, pois, razão de ordem conjuntural, técnica, econômica e administrativa que respalde a instituição da CSS. Salvo, convém deixar claro, o desejo de passar às mãos do governo robusta contribuição de incautos contribuintes aos planos para assentar na cadeira presidencial sucessor saído das mesmas forças hoje no poder. Correio Braziliense

Josemar Dantas é editor do suplemento Direito & Justiça

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