A validação das contribuições ocultas de campanha, que o projeto faz, é inaceitável numa democracia que se quer séria, de primeira. É a legalização do caixa 2 disfarçado.
A validação das contribuições ocultas de campanha, que o projeto faz, é inaceitável numa democracia que se quer séria, de primeira. É a legalização do caixa 2 disfarçado. Se a ameaça persistir – sim, pois é disso mesmo que se trata, de uma ameaça à sociedade e de mais cerceamento à liberdade ao eleitor de escolher seus representantes com qualidade – o Senado aprova hoje ou amanhã novas regras eleitorais, ainda a tempo de vigorar em 2010. A isso estão chamando de reforma eleitoral, mas na realidade trata-se de um monstrengo, cujo objetivo real é manter ao máximo o que está por aí. Renovar sem renovar, mudar sem mudar. Por José Márcio Mendonça
O projeto que os senadores vão apreciar, já devidamente aprovado pelos deputados, é um calhamaço com mais de 100 artigos. Diz-se até que contém algumas inovações positivas. E, de fato, algumas assim parecem. São, porém, totalmente anuladas pelas monstruosidades pretendidas. Três delas revelam as más intenções. Repita-se: a intenção é controlar o eleitor, evitar surpresas.
A tentativa de cercear o uso da internet, por exemplo, é uma delas. O propósito é colocar a nova mídia, libertária, na mesma camisa de força que hoje amarra o rádio e a televisão, equiparando os três meios de comunicação. Alega-se que as doações para a campanha estão abertas pela internet. Mas isso interessa aos políticos. O que interessa ao eleitor, o livre trânsito de idéias, o debate, esse será limitado.
Críticas e pressões externas ainda podem mudar esse ponto até a votação final do projeto. Mas o desejo de censurar já mostra o medo do confronto com o debate não controlado. De todo modo, nesse item, o cerceamento pode ser inútil. A internet é um território de liberdade quase impossível de controlar. O próprio governo Lula acaba de ver isso: lançou no início da semana passada o Blog do Planalto, mais um instrumento de propaganda do presidente.
De blog, porém, o do Planalto não tem quase nada. É apenas mais uma página na internet. Não é interativo. Blog que se preza permite comentários abertos. O do Planalto não admite. Mesmo assim, já está sob ataque. Dois internautas criaram um fake do Blog do Planalto – ou seja, a página é totalmente igual, com a mesma cara, as mesmas notícias, mas em um endereço novo e com uma diferença crucial: existe espaço para comentários. Já está fazendo sucesso no ciberespaço.
Nem a China consegue censurar a Internet. Não serão nossos políticos e governantes que o conseguirão. Mas a mera intenção revela o caráter geral.
Outras más intenções graves, porém, são reais. A validação das contribuições ocultas de campanha, que o projeto faz, é inaceitável numa democracia que se quer séria, de primeira. É a legalização do caixa 2 disfarçado. A pessoa física ou jurídica faz a contribuição diretamente ao partido, que depois a realoca a algum ou alguns candidatos – sem que apareça o nome do "benemerente". Quem não quer aparecer como contribuinte e quem não quer que apareça quem financiou sua campanha, boa coisa não está pensando; bem intencionado não está.
Mais grave ainda é que não se venha a tomar qualquer providência para evitar que a busca por um mandato se torne, para muitos, a busca de um passaporte para uma série de crimes praticados pelos postulantes a uma cadeira parlamentar. Os candidatos com fichas criminais e judiciais sujas, manchadas, poderão concorrer sem nenhuma restrição. Na mesma linha vai a autorização para que políticos que tiverem suas contas de campanha vetadas pela Justiça Eleitoral disputem, sem problemas, as eleições.
O eleitor continuará, mais uma vez votando no escuro e com suas escolhas limitadas. Aqueles que já estão no jogo têm mais chances de ficar do que os novos têm de entrar. Depois, o Congresso faz as bobagens que faz e os políticos fazem cara de que não sabem porque isso acontece. Melhorar não há de, seguramente.
José Márcio Mendonça é jornalista e analista político – Diário do Comércio
A validação das contribuições ocultas de campanha, que o projeto faz, é inaceitável numa democracia que se quer séria, de primeira. É a legalização do caixa 2 disfarçado. Se a ameaça persistir – sim, pois é disso mesmo que se trata, de uma ameaça à sociedade e de mais cerceamento à liberdade ao eleitor de escolher seus representantes com qualidade – o Senado aprova hoje ou amanhã novas regras eleitorais, ainda a tempo de vigorar em 2010. A isso estão chamando de reforma eleitoral, mas na realidade trata-se de um monstrengo, cujo objetivo real é manter ao máximo o que está por aí. Renovar sem renovar, mudar sem mudar. Por José Márcio Mendonça
O projeto que os senadores vão apreciar, já devidamente aprovado pelos deputados, é um calhamaço com mais de 100 artigos. Diz-se até que contém algumas inovações positivas. E, de fato, algumas assim parecem. São, porém, totalmente anuladas pelas monstruosidades pretendidas. Três delas revelam as más intenções. Repita-se: a intenção é controlar o eleitor, evitar surpresas.
A tentativa de cercear o uso da internet, por exemplo, é uma delas. O propósito é colocar a nova mídia, libertária, na mesma camisa de força que hoje amarra o rádio e a televisão, equiparando os três meios de comunicação. Alega-se que as doações para a campanha estão abertas pela internet. Mas isso interessa aos políticos. O que interessa ao eleitor, o livre trânsito de idéias, o debate, esse será limitado.
Críticas e pressões externas ainda podem mudar esse ponto até a votação final do projeto. Mas o desejo de censurar já mostra o medo do confronto com o debate não controlado. De todo modo, nesse item, o cerceamento pode ser inútil. A internet é um território de liberdade quase impossível de controlar. O próprio governo Lula acaba de ver isso: lançou no início da semana passada o Blog do Planalto, mais um instrumento de propaganda do presidente.
De blog, porém, o do Planalto não tem quase nada. É apenas mais uma página na internet. Não é interativo. Blog que se preza permite comentários abertos. O do Planalto não admite. Mesmo assim, já está sob ataque. Dois internautas criaram um fake do Blog do Planalto – ou seja, a página é totalmente igual, com a mesma cara, as mesmas notícias, mas em um endereço novo e com uma diferença crucial: existe espaço para comentários. Já está fazendo sucesso no ciberespaço.
Nem a China consegue censurar a Internet. Não serão nossos políticos e governantes que o conseguirão. Mas a mera intenção revela o caráter geral.
Outras más intenções graves, porém, são reais. A validação das contribuições ocultas de campanha, que o projeto faz, é inaceitável numa democracia que se quer séria, de primeira. É a legalização do caixa 2 disfarçado. A pessoa física ou jurídica faz a contribuição diretamente ao partido, que depois a realoca a algum ou alguns candidatos – sem que apareça o nome do "benemerente". Quem não quer aparecer como contribuinte e quem não quer que apareça quem financiou sua campanha, boa coisa não está pensando; bem intencionado não está.
Mais grave ainda é que não se venha a tomar qualquer providência para evitar que a busca por um mandato se torne, para muitos, a busca de um passaporte para uma série de crimes praticados pelos postulantes a uma cadeira parlamentar. Os candidatos com fichas criminais e judiciais sujas, manchadas, poderão concorrer sem nenhuma restrição. Na mesma linha vai a autorização para que políticos que tiverem suas contas de campanha vetadas pela Justiça Eleitoral disputem, sem problemas, as eleições.
O eleitor continuará, mais uma vez votando no escuro e com suas escolhas limitadas. Aqueles que já estão no jogo têm mais chances de ficar do que os novos têm de entrar. Depois, o Congresso faz as bobagens que faz e os políticos fazem cara de que não sabem porque isso acontece. Melhorar não há de, seguramente.
José Márcio Mendonça é jornalista e analista político – Diário do Comércio
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