Guerra no Rio e a responsabilidade de Lula no combate ao crime organizado

BELTRAME ABRE FOGO CONTRA UNIÃO

Secretário afirma que governo federal não faz sua parte no combate ao tráfico no estado

A ação de traficantes no último sábado no Rio, que terminou com 26 mortos e com um helicóptero da PM derrubado em Vila Isabel, levou o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, a mudar o tom e criticar publicamente anteontem a atuação do governo federal no combate ao crime. Pela primeira vez, o secretário — que classificou os ataques como o 11 de setembro carioca — cobrou ações da União na repressão ao tráfico e disse que, no Rio, a polícia estadual assumiu atividades que não são da sua responsabilidade. As declarações foram dadas durante um encontro com líderes, pesquisadores e empresários num restaurante em Ipanema. Por Fábio Vasconcellos

— O Rio precisa que o governo federal assuma plenamente a responsabilidade legal de combate à droga. Se não assume, nós assumimos (...) Tráfico de drogas é com a Polícia Federal. Infelizmente, no Rio não é. A Secretaria de Segurança faz as duas coisas aqui. Ou melhor, faz as três: a polícia de prevenção e de investigação, a polícia de combate ao tráfico de drogas e a polícia de proximidade, de reconquista dos territórios — disse Beltrame, segundo o blog do jornalista Ricardo Noblat, que reproduziu um artigo do professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Joaquim Falcão, presente ao encontro.

Beltrame, que é policial federal, reclamou da burocracia para a aquisição de equipamentos — a secretaria só pode comprar armas após a autorização do Exército: — Se quero comprar um carro especial de combate ou uma caminhonete blindada em Israel ou na África do Sul, onde as melhores são produzidas, tenho que pedir autorização ao Exército. Tudo que se possa enquadrar como arma de guerra tem que ser autorizado pelo Exército. E tudo demora. O traficante tem acesso a essas armas muito mais rapidamente do que o estado.

O secretário lembrou ainda que a instalação de cabines blindadas para policiais parou porque uma das empresas que concorreu na licitação entrou com um recurso na Justiça: — Preparei mais de 40 cabines blindadas, com ar-condicionado, micro-ondas para esquentar as quentinhas e geladeira. Aí contestaram um aspecto formal da licitação.

Estão todas guardadas. Em tempo de caça às bruxas, não posso assumir tal responsabilidade. Quando decidirem se posso colocar as cabines, colocarei. Mas, como não se decidem, os jovens policiais continuam indevidamente protegidos.

Beltrame fez mais um desabafo: — O que eu queria mesmo é que entendêssemos a queda do helicóptero no último dia 17 como sendo o nosso 11 de setembro. E a partir daí houvesse política de segurança, não de governos, mas de estado. Não de um, mas de todos. Sociedade também.
Em Brasília, o ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou que o governo federal tem colaborado com o Rio não só no setor de inteligência, mas repassando recursos.

— Nós temos um convênio com o governo do Rio, colocando toda a infraestrutura de inteligência e de força da Polícia Federal no combate ao narcotráfico, inclusive no combate às quadrilhas organizadas que tomam conta de determinadas regiões.

É óbvio que tudo tem de ser aprimorado. A Polícia Federal está fazendo hoje um conjunto de ações, que vão desde aviação não tripulada até aviação policial voltada para o controle das nossas fronteiras. Agora, os efeitos virão sempre a médio e a curto prazo.

As afirmações de Beltrame foram recebidas com cautela por especialistas. Para eles, faltam ações do governo federal contra a entrada de armas no Rio, mas outras medidas já poderiam ter sido tomadas no estado.

Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ, diz que a repressão ao tráfico não deve o ser o foco da política de segurança federal.

— Em todo lugar do mundo há tráfico, mas não a violência territorializada do Rio. Aqui, as gangues têm armas e controlam áreas. O foco deve ser a desarticulação das gangues e, para isso, é preciso haver ações integradas.

Para o professor João Trajano, integrante do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, as iniciativas contra o tráfico de drogas e de armas são de fato responsabilidade do governo federal, mas para que ele atue é preciso haver definição de parâmetros entre as forças de segurança — o que só é possível com ações integradas.

— Há um erro de duas décadas, que é reduzir a política de segurança ao combate ao tráfico de drogas.

A cientista social Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, diz que houve avanços na política de segurança: — O problema da segurança no Rio chegou ao ponto que chegou por participação e omissão de todo mundo, dos três níveis de governos, em 20 anos. Mas, nos últimos três anos, houve mudanças, com o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), do governo federal, e as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), do governo do estado — ressaltou Silvia. O Globo


PRESIDENTE DO STF APONTA FALHAS EM FRONTEIRAS
No Rio, Gilmar Mendes defende ação mais contundente da União contra o tráfico – Por Flávio Tabak – O Globo

Assim como o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, cobrou ontem uma atuação mais consistente do governo federal no combate ao crime organizado, sugerindo até a volta da discussão sobre o uso das Forças Armadas contra as quadrilhas. Segundo o ministro, as responsabilidades sobre as áreas conflagradas não podem ficar restritas aos estados.

O presidente do STF citou como exemplo o armamento pesado que chega aos traficantes do Rio por falhas no controle das fronteiras.

— No Rio, por exemplo, esses armamentos são importados ilegalmente. Não é um problema basicamente daqui, mas da falta de controle. Há uma responsabilidade nacional, não podemos imputar isso apenas às autoridades locais — disse o ministro, que esteve ontem no Rio para assinar um termo de cooperação técnica com a Federação Internacional de Futebol (Fifa), para que ex-presidiários trabalhem nas obras de construção e reforma de estádios para a Copa do Mundo.

As Forças Armadas, segundo o presidente do STF, poderiam contribuir com sua expertise para o setor de inteligência. Mendes falou até sobre o financiamento para programas federais de segurança, defendendo ações integradas.

— O tema da segurança pública é tão grave que precisamos pensar num modelo de articulação mais profundo. Durante um encontro com secretários de segurança recentemente, falamos até sobre um Fundef (fundo para o ensino fundamental) para a segurança pública — disse o ministro, acrescentando que uma ideia é que ex-presidiários trabalhem nas obras de construção e reforma de estádios para a Copa.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse que ainda não cogita enviar as Forças Armadas para o Rio. Ele afirmou que, até agora, o governador Sérgio Cabral, não fez qualquer pedido nesse sentido: — Só (vou mandar) se for determinação do presidente para garantir a lei. Mas aí é um processo em que o governador tem de reconhecer a incapacidade do estado.

Sobre a questão da vigilância das fronteiras, levantada pelo secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, Jobim disse que o governo atua de maneira intensa: — O Exército tem poder de polícia na faixa de fronteira.

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