O Senado brasileiro está a um passo de entregar o Mercosul a Hugo Chávez, caudilho de ambições continentais. Esse despropósito ficará muito mais fácil, politicamente, se o senador Tasso Jereissati jogar no lixo seu bem fundamentado relatório sobre a admissão da Venezuela como sócia do bloco. O senador declarou-se disposto a mudar seu parecer se o presidente venezuelano prometer, por escrito, cumprir os protocolos políticos e econômicos do Mercosul. O prefeito de Caracas, Antonio Ledesma, é opositor de Chávez, mas defendeu o ingresso de seu país, insistindo na distinção entre o Estado e o governo venezuelanos. O senador Jereissati parece ter levado a sério a argumentação do prefeito, embora tivesse rejeitado o mesmo raciocínio em seu relatório. Por Rolf Kuntz
Como relator, ele chamou a atenção para o "processo político que vem ocorrendo na Venezuela, subordinado à personalidade e ao modus operandi do seu presidente, que trazem incertezas quanto ao cumprimento dos compromissos que a Venezuela necessariamente deverá assumir no âmbito do Mercosul". Uma declaração de Chávez bastará, agora, para eliminar aquelas incertezas?
No caso da Venezuela, insiste o autor do relatório, não basta levar em conta o Protocolo de Ushuaia, instrumento de prevenção da ruptura democrática em países do Mercosul. Não se pode ainda apontar essa ruptura, em sentido estrito, no sistema venezuelano. Mas a cada hora fica "mais evidente o processo de cerceamento das liberdades democráticas naquele país, com sucessivas mudanças jurídicas, políticas e na ordem econômica, promovidas pelo governo central".
Há uma enumeração dessas mudanças e uma descrição de como o presidente Chávez subordinou todos os Poderes à sua vontade. "Utilizando-se dos instrumentos democráticos, dos recursos do petróleo e de uma milícia própria, que já supera em números as forças armadas, o presidente conseguiu dominar os Poderes Legislativo e Judiciário e partiu então para controlar a imprensa de seu país." Vêm depois um relato das ações contra os meios de comunicação e um resumo das novas leis de controle da informação e da educação.
O relatório ainda contém, na parte dedicada à política, a descrição de um "arco de instabilidade" nos países vizinhos. Há referências ao presidente venezuelano e às suas ações de "divisão e desintegração na América do Sul" - traço "acentuado pela criação da Alba [Alternativa Bolivariana para a América Latina] e pelas atitudes confrontacionistas em relação à Colômbia e aos EUA". A denúncia do encontro de armas de origem sueca e de propriedade das forças armadas venezuelanas em poder de membros das Farc, na Colômbia, é mencionada no texto.
Estará o senador disposto a apagar todos esses argumentos? Mas o relatório vai mais fundo e é muito claro ao tratar do ponto mais importante e frequentemente esquecido no debate: o Mercosul é uma união aduaneira. Essa forma de integração é muito mais profunda e mais complexa que um acordo de livre comércio. Seus membros devem adotar uma tarifa externa comum e só podem realizar certas negociações em conjunto. No Mercosul, todos os votos têm o mesmo peso e qualquer governo pode vetar qualquer iniciativa. Na União Europeia, o debate sobre a ampliação do bloco demorou anos e a ponderação dos votos - um critério já existente - ganhou maior importância com a adesão de novos sócios. No Mercosul, seria desejável, segundo o senador, resolver a questão do peso dos votos antes de se ampliar o bloco. O argumento se torna particularmente poderoso no caso da admissão da Venezuela de Hugo Chávez, não de um abstrato Estado venezuelano.
Além do mais, o processo foi invertido. O protocolo de adesão foi submetido ao Congresso brasileiro antes da completa definição das obrigações do novo sócio. Pelo combinado até agora, o presidente venezuelano terá direito de voto logo depois de formalizado o ingresso de seu país. Mas vários detalhes, como o cronograma de implementação do livre comércio e a adesão aos acordos com terceiros países, ainda não foram acertados. No fim do relatório, o senador apresenta um projeto de resolução para disciplinar as decisões do Congresso em relação ao ingresso de países no Mercosul.
Nenhum fato novo justifica a mudança de posição do senador Jereissati. Talvez seu relatório, um trabalho de alta qualidade, seja rejeitado de qualquer maneira pela maioria governista. Mas pelo menos ele não será cúmplice do erro. - O Estado de S. Paulo
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'É um erro trágico da política externa'
Diplomata diz que Chávez não cumpre requisitos democráticos e ingresso da Venezuela abalará a credibilidade do bloco. A eventual entrada da Venezuela no Mercosul vai desmoralizar compromissos com a democracia assumidos até agora pelos países-membros. Essa é a opinião de Roberto Abdenur, ex-embaixador brasileiro em Washington e um dos nomes mais importantes da diplomacia brasileira até 2007. Por Roldão Arruda - O Estado de S. Paulo
Como relator, ele chamou a atenção para o "processo político que vem ocorrendo na Venezuela, subordinado à personalidade e ao modus operandi do seu presidente, que trazem incertezas quanto ao cumprimento dos compromissos que a Venezuela necessariamente deverá assumir no âmbito do Mercosul". Uma declaração de Chávez bastará, agora, para eliminar aquelas incertezas?
No caso da Venezuela, insiste o autor do relatório, não basta levar em conta o Protocolo de Ushuaia, instrumento de prevenção da ruptura democrática em países do Mercosul. Não se pode ainda apontar essa ruptura, em sentido estrito, no sistema venezuelano. Mas a cada hora fica "mais evidente o processo de cerceamento das liberdades democráticas naquele país, com sucessivas mudanças jurídicas, políticas e na ordem econômica, promovidas pelo governo central".
Há uma enumeração dessas mudanças e uma descrição de como o presidente Chávez subordinou todos os Poderes à sua vontade. "Utilizando-se dos instrumentos democráticos, dos recursos do petróleo e de uma milícia própria, que já supera em números as forças armadas, o presidente conseguiu dominar os Poderes Legislativo e Judiciário e partiu então para controlar a imprensa de seu país." Vêm depois um relato das ações contra os meios de comunicação e um resumo das novas leis de controle da informação e da educação.
O relatório ainda contém, na parte dedicada à política, a descrição de um "arco de instabilidade" nos países vizinhos. Há referências ao presidente venezuelano e às suas ações de "divisão e desintegração na América do Sul" - traço "acentuado pela criação da Alba [Alternativa Bolivariana para a América Latina] e pelas atitudes confrontacionistas em relação à Colômbia e aos EUA". A denúncia do encontro de armas de origem sueca e de propriedade das forças armadas venezuelanas em poder de membros das Farc, na Colômbia, é mencionada no texto.
Estará o senador disposto a apagar todos esses argumentos? Mas o relatório vai mais fundo e é muito claro ao tratar do ponto mais importante e frequentemente esquecido no debate: o Mercosul é uma união aduaneira. Essa forma de integração é muito mais profunda e mais complexa que um acordo de livre comércio. Seus membros devem adotar uma tarifa externa comum e só podem realizar certas negociações em conjunto. No Mercosul, todos os votos têm o mesmo peso e qualquer governo pode vetar qualquer iniciativa. Na União Europeia, o debate sobre a ampliação do bloco demorou anos e a ponderação dos votos - um critério já existente - ganhou maior importância com a adesão de novos sócios. No Mercosul, seria desejável, segundo o senador, resolver a questão do peso dos votos antes de se ampliar o bloco. O argumento se torna particularmente poderoso no caso da admissão da Venezuela de Hugo Chávez, não de um abstrato Estado venezuelano.
Além do mais, o processo foi invertido. O protocolo de adesão foi submetido ao Congresso brasileiro antes da completa definição das obrigações do novo sócio. Pelo combinado até agora, o presidente venezuelano terá direito de voto logo depois de formalizado o ingresso de seu país. Mas vários detalhes, como o cronograma de implementação do livre comércio e a adesão aos acordos com terceiros países, ainda não foram acertados. No fim do relatório, o senador apresenta um projeto de resolução para disciplinar as decisões do Congresso em relação ao ingresso de países no Mercosul.
Nenhum fato novo justifica a mudança de posição do senador Jereissati. Talvez seu relatório, um trabalho de alta qualidade, seja rejeitado de qualquer maneira pela maioria governista. Mas pelo menos ele não será cúmplice do erro. - O Estado de S. Paulo
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