Apagão 2009 - Governo sabia do risco

PAÍS NO ESCURO

TCU e Operador Nacional do Sistema alertaram, reiteradas vezes, que linhas de transmissão precisavam de investimentos.

O governo já sabia, desde 2004, do risco de apagão nas regiões onde o incidente ocorreu na última terça-feira, mas nada foi feito para impedir o blecaute. E não foi por falta de aviso. O Tribunal de Contas da União (TCU) e o próprio Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) alertaram, reiteradas vezes, que as linhas de transmissão que levam a energia elétrica gerada pela usina de Itaipu até São Paulo — mais especificamente os trechos de Ivaiporã (PR) a Itaberá (SP) e Itaberá a Tijuco Preto (SP), que são exatamente os mesmos que originaram o apagão que acabou atingindo 18 estados brasileiros — precisavam de investimentos urgentes. Caso contrário, não suportariam o aumento de sobrecarga se duas das três torres que fazem a transmissão de energia nos locais fossem afetadas por ventos fortes e tornados, comuns naquela região. As informações estão disponíveis nos sites do TCU e do ONS. Por Karla Mendes

Agora começa a fazer sentido por que o governo insiste em culpar só o “santo do tempo” pelo apagão que deixou uma conta de R$ 334 milhões, calculando apenas o custo da interrupção da geração de energia. A explicação dada na última quarta-feira de que fenômenos atmosféricos — como “descargas atmosféricas, ventos e chuvas muito fortes na região de Itaberá” — seriam os únicos vilões do apagão, como fez questão de frisar o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, na quarta-feira, com o respaldo do diretor de operações do ONS, Eduardo Barata, que replicou a versão diversas vezes, fica cada vez mais frágil.

A interpretação que pode ser feita, então, é que algum raio ou qualquer outro fenômeno da natureza pode até ter sido o gatilho inicial do problema do apagão, mas se o sistema estivesse robusto o suficiente e com a manutenção adequada, jamais teria parado de funcionar com uma ocorrência simples como essa. E muito menos proliferado para quase todo o país. Fora isso, para reforçar as torres de transmissão na região de Itaberá seriam necessários fazer cortes de luz, que sempre trazem incômodos para a população, o que traria uma repercussão negativa para a imagem da ministra.

Descrédito
Desde que veio a público, a explicação oficial do governo para o apagão não convenceu especialistas do setor elétrico, que argumentaram que se um raio é capaz de derrubar o Sistema Interligado Nacional (SIN), estamos em apuros. Há descrédito também dentro do próprio governo, a exemplo do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que reconheceu que falta uma “explicação cabal” para a pane nas linhas de transmissão.

Até o presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, disse não entender por que o sistema não funcionou da forma esperada para isolar o defeito em São Paulo; e o ministro das Comunicações, Hélio Costa, por sua vez, afirmou que deve ficar pronto até o fim do ano um sistema de emergência para o setor de telecomunicações, a fim de evitar que problemas como a falta de energia elétrica prejudiquem a prestação do serviço no país. E o governo bancou a versão mesmo depois de o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), órgão vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, ter divulgado nota afirmando que as chances de um raio ter causado a pane eram “mínimas”. Correio Braziliense


UM COLAPSO ANUNCIADO
Um apagão nas linhas de transmissão que levam energia elétrica de Foz do Iguaçu, no Paraná, às subestações de Itaberá e Tijuco Preto, no interior de São Paulo, era uma bomba-relógio que explodiria a qualquer momento. Os relatórios do Tribunal de Contas da União e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) não deixam dúvida de que, se as torres de transmissão não fossem reforçadas, o sistema poderia entrar em colapso diante de alguma intempérie no local. Daí a necessidade de se fazer investimentos, que nunca saíram do papel.

O TCU foi o primeiro a fazer o alerta. Em 2004, ao analisar suspeitas de irregularidades nos contratos emergenciais feitos por Furnas no período de 1997 a 2000, para reparação de várias torres de transmissão, o ministro do tribunal Ubiratan Aguiar, que assina o relatório, considerou que as obras eram necessárias. Ele argumentou que deveria ser levada em conta a urgência das obras de reforço das torres do Sistema de Transmissão de Itaipu “com vistas a se evitar novos acidentes, cuja extensão e consequências, embora imprevisíveis, certamente seriam desastrosas para o país”.

O aviso data de cinco anos atrás, mas se trazido para os dias de hoje, está mais atual do que nunca. O ministro ponderou que as obras emergenciais tiveram como alvo o reforço de 149 torres do sistema. Isso porque, tomando por base informações enviadas por Furnas, o TCU relata que, em 1982, ventos fortes destruíram 39 torres do sistema e novas ocorrências entre novembro de 1997 e abril de 1998 derrubaram outras 17 torres, o que levou ao desligamento de alguns circuitos por até seis dias e meio. Segundo o relatório, outras 10 torres já haviam caído em anos anteriores.

Reforço
Em 2004, relatório de planejamento do setor elétrico, feito pelo ONS, chamou a atenção para o reforço das torres de transmissão do circuito de Itaipu para São Paulo. As obras de reforço estrutural das linhas Iguaçu-Ivaiporã e Ivaiporã-Itaberá, pertencentes a Furnas, seriam realizadas em cinco meses. Em junho de 2005, porém, auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) averiguou que, naquele ano, não houve nem previsão nem gastos para reforçar as torres. A justificativa apresentada por Furnas é que o empreendimento dependia de autorização do ONS para o desligamento das linhas de transmissão “para que os reforços nas torres sejam (fossem) efetuados”, o que não ocorreu em 2005.

No planejamento da operação elétrica para o período de janeiro de 2008 a abril de 2009, o ONS, mais uma vez, previu o reforço de torres no sistema de transmissão de Itaipu. E, dessa vez, o cenário traçado era ainda mais grave, pois o ONS fez também uma avaliação sobre um novo esquema de emergência para evitar falhas, caso duas das três torres fossem afetadas por ventos fortes e tornados, comuns na região que originou o apagão.

De acordo com o documento, as torres de transmissão que ligam Foz do Iguaçu ao município de Ivaiporã (PR) até poderiam suportar uma queda dupla, mas o trecho seguinte, de Ivaiporã a Itaberá (SP) e Tijuco Preto (SP) não aguentaria (veja fac-símile).

Relatório do ONS aponta riscos de sobrecarga nas linhas de transmissão nas regiões que originaram o apagão – Correio Braziliense

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