Censura em alta

Os norte-americanos respeitam a Suprema Corte. Têm consciência da importância do ato do presidente da República ao indicar seus integrantes. A opinião pública acompanha atentamente a sabatina, pelo Senado, dos indicados. Deveras, os juízes da Suprema Corte dos EUA influenciaram historicamente a evolução das liberdades civis. Ao longo de mais de dois séculos, arbitraram questões como escravidão, tributação ilegal, liberdade de expressão, discriminação racial e aborto. O ex-presidente Richard Nixon teve de renunciar depois que a Suprema Corte, por unanimidade, determinou a exibição das gravações de suas conversas com assessores na Casa Branca, durante as investigações do escândalo Watergate. Se não renunciasse, sofreria impeachment. Alguns dos juízes de então haviam sido nomeados por presidentes republicanos, inclusive o próprio Nixon. Por Rogério Medeiros Garcia de Lima

Sobretudo a partir da Constituição democrática de 1988, os brasileiros começam a perceber a importância do Supremo Tribunal Federal. Nossa mais alta corte tem contribuído para fortalecer a incipiente democracia e merece o respeito dos cidadãos. Porém não deixa de surpreender recente decisão que impediu o acesso do jornal Folha de S. Paulo aos comprovantes de despesas efetuadas por deputados federais. Medida liminar, concedida nesse sentido pelo ministro Marco Aurélio Mello, fora reiteradamente descumprida pelo eminente deputado Michel Temer, presidente da Câmara. Acabou derrubada por apertada maioria dos ministros da corte.

Ora, o princípio da publicidade exige ampla divulgação dos atos praticados pelos agentes públicos de todos os Poderes e esferas federativas. Como frisa o ilustre professor Carlos Ari Sundfeld (Fundamentos de Direito Público, 1997), se todo poder emana do povo "é óbvio, então, que o povo, titular do poder, tem o direito de conhecer tudo o que concerne ao Estado, de controlar passo a passo o exercício do poder" (arts. 1º, § 1º , e 37 da Constituição).

Isso parece não valer para as cúpulas de Brasília e encerra grave contradição. Em boa hora, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), presidido pelo próprio presidente do STF, obriga juízes e tribunais de todo o Brasil a divulgarem suas atividades e outros dados à opinião pública. Pode-se indagar: o que faria o CNJ se juízes e tribunais passassem a recusar tão ampla divulgação? Reconheceria ausência de interesse e rejeitaria eventual reclamação de algum cidadão ou entidade?

A sociedade brasileira percebe com preocupação o incremento da censura aos meios de comunicação. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou recentemente: "Não acho que o papel da imprensa é fiscalizar. É informar" (jornal O Globo, 23.10.2009, p. 4).

Nessa toada, por exemplo, o sr. Fernando Sarney obteve medida judicial liminar para impedir o jornal O Estado de S. Paulo de publicar matérias a respeito de sua suposta influência junto a órgãos da administração pública. Conseguiu ainda levar o respectivo processo a julgamento pela Justiça do Maranhão, onde sua família exerce o poder político há mais de quatro décadas.

Norberto Bobbio desencantou-se com os recorrentes escândalos de corrupção política na Itália.

Para o saudoso filósofo, "o caráter público do poder, entendido como não secreto, como aberto ao "público", permaneceu como um dos critérios fundamentais para distinguir o Estado constitucional do Estado absoluto e, assim, para assinalar o nascimento ou o renascimento do poder público, em público" (O Futuro da Democracia: Uma Defesa das Regras do Jogo, 1989).

Que democracia teremos se a imprensa não puder realizar livremente seu trabalho de investigar e informar?
Opinião O Estado de São Paulo

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