MINISTRO SOB INVESTIGAÇÃO POR CRIME FINANCEIRO
A CVM precisa ir adiante, punir sem distinção, mesmo o primeiro escalão do governo, para mostrar que as leis de mercado valem para todos.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que regula e fiscaliza o mercado de capitais brasileiro, está investigando um ministro do governo Lula por suspeitas de manipulação na bolsa de valores. O nome do investigado está sendo mantido sob total sigilo, porque, segundo a subprocuradora chefe da autarquia, Julya Sotto Mayor Wellisch, o processo ainda está em fase de coleta de provas. Há, portanto, um longo caminho a ser percorrido, no qual todos os envolvidos terão a oportunidade de dar as suas versões. Por Vicente Nunes
A pergunta que vem sendo feita entre os técnicos da CVM é se o órgão, vinculado ao Ministério da Fazenda, realmente levará adiante o processo contra o tal ministro, seja ele quem for, se forem coletadas informações suficientes para a comprovação do crime financeiro. Historicamente, a CVM nunca puniu um integrante do primeiro escalão do governo. A própria procuradora admite que há um vácuo na legislação nesse sentido, pois declarações de autoridades que acabam interferindo nos preços das ações negociadas em bolsas de valores são vistas como manifestações políticas.
Até certo ponto, pode-se concordar com ela. Mas chegou a hora de a CVM dar o exemplo. Não é de hoje que ministros e mesmo presidentes da República vêm interferindo no mercado acionário, provocando prejuízos enormes para o grosso dos investidores. Quem não se lembra do falecido Sérgio Motta? Como ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique Cardoso, fez estragos no mercado ao divulgar medidas sigilosas da Telebrás às vésperas da privatização da empresa.
Motta chegou ao cúmulo de anunciar números errados do balanço da companhia ainda com o pregão aberto, mudando, de forma drástica, os preços das ações mais negociadas nas bolsas naquela época. Nesse caso, especificamente, a CVM limitou-se a advertir Motta pelo disparate que havia cometido. Mas foi só, apesar de o ministro continuar dando de comer aos especuladores, fazendo com que um grupo pequeno de investidores acumulasse lucros extraordinários em detrimento da maioria.
Vale, BB e pré-sal
O governo atual tem sido pródigo em afrontar a CVM sem que a autarquia demonstre qualquer sinal de descontentamento. O que fez a CVM diante do movimento liderado pelo presidente Lula para destituir Roger Agnelli do comando da Vale, empresa emissora do segundo papel mais negociado na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)? Nada, mesmo com os preços das ações da mineradora desabando diante do temor de uma intervenção governamental na companhia. Não se pode esquecer que entre os prejudicados estão milhares de trabalhadores que usaram o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para se tornarem acionistas da Vale.
Também não se tem notícia de qualquer questionamento da CVM quanto ao vazamento do último balanço do Banco do Brasil. A imprensa não só detalhou os números do balanço da instituição, antes de eles se tornarem públicos oficialmente, como informou que, com aqueles resultados, o BB havia retomado o posto de maior banco do Brasil. Tudo comemorado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, a quem cabe indicar os dirigentes da CVM e do Banco do Brasil.
Na imensa lista, há ainda casos de ministros que anteciparam as reservas do pré-sal no Brasil e em viagens ao exterior. Como esses ministros receberam as informações antes que elas fossem divulgadas de forma simétrica para todo o mercado, sem privilégios? Tudo, no entanto, foi tratado com a maior naturalidade, sem que a CVM, que deveria coibir tal comportamento, mostrasse a sua indignação.
Sob sigilo
A procuradora da CVM diz que o órgão só pode se manifestar publicamente na hora do julgamento de um caso, nunca no período das investigações. Mesmo quando a autarquia oficia alguém ou alguma empresa de capital aberto que está sob a sua alçada, questionando alguma informação ou procedimento, não pode dar publicidade ao fato. Isso, apesar de esse sigilo não estar previsto em lei.
Para os céticos, Julya dá uma prova de que a CVM age, sim, quando autoridades cometem atos ilícitos. Em 2006, Cláudio Lembo, que havia sucedido Geraldo Alckmin no governo de São Paulo, anunciou que tinha suspendido a venda de ações da Nossa Caixa, controlada à época pelo estado, antes de divulgar um fato relevante para o mercado, como manda a lei. A CVM abriu um processo contra ele, mas não deu andamento. No meio do caminho, Lembo assinou um Termo de Compromisso com a promessa de publicar declaração sobre a importância de as informações sensíveis e relevantes serem divulgadas corretamente no seu devido tempo e de acordo com as normas legais.
Julya garante ainda que a CVM tem sido dura contra os agentes de mercado que cometem delitos. Os beneficiados por informações privilegiadas da compra da Ipiranga pela Petrobras estão com os recursos bloqueados até hoje. A Companhia Suzano de Papel e Celulose pagou R$ 2,2 milhões por ter sonegado informações ao mercado. Já o banco Credit Suisse desembolsou R$ 19,2 milhões por uso de informações privilegiadas da Embraer.
Mas, a despeito desses casos exemplares, a CVM precisa ir adiante, punir sem distinção, mesmo o primeiro escalão do governo, para mostrar que as leis de mercado valem para todos, como deve ser em um país que se vangloria de ter uma das maiores democracias do mundo. E, melhor, que bateu no peito por ter uma regulação dura que evitou as estripulias que levaram à atual crise mundial.
Vicente Nunes é repórter especial e blogueiro. Correio Braziliense - vicentenunes.df@dabr.com.br
A CVM precisa ir adiante, punir sem distinção, mesmo o primeiro escalão do governo, para mostrar que as leis de mercado valem para todos.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que regula e fiscaliza o mercado de capitais brasileiro, está investigando um ministro do governo Lula por suspeitas de manipulação na bolsa de valores. O nome do investigado está sendo mantido sob total sigilo, porque, segundo a subprocuradora chefe da autarquia, Julya Sotto Mayor Wellisch, o processo ainda está em fase de coleta de provas. Há, portanto, um longo caminho a ser percorrido, no qual todos os envolvidos terão a oportunidade de dar as suas versões. Por Vicente Nunes
A pergunta que vem sendo feita entre os técnicos da CVM é se o órgão, vinculado ao Ministério da Fazenda, realmente levará adiante o processo contra o tal ministro, seja ele quem for, se forem coletadas informações suficientes para a comprovação do crime financeiro. Historicamente, a CVM nunca puniu um integrante do primeiro escalão do governo. A própria procuradora admite que há um vácuo na legislação nesse sentido, pois declarações de autoridades que acabam interferindo nos preços das ações negociadas em bolsas de valores são vistas como manifestações políticas.
Até certo ponto, pode-se concordar com ela. Mas chegou a hora de a CVM dar o exemplo. Não é de hoje que ministros e mesmo presidentes da República vêm interferindo no mercado acionário, provocando prejuízos enormes para o grosso dos investidores. Quem não se lembra do falecido Sérgio Motta? Como ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique Cardoso, fez estragos no mercado ao divulgar medidas sigilosas da Telebrás às vésperas da privatização da empresa.
Motta chegou ao cúmulo de anunciar números errados do balanço da companhia ainda com o pregão aberto, mudando, de forma drástica, os preços das ações mais negociadas nas bolsas naquela época. Nesse caso, especificamente, a CVM limitou-se a advertir Motta pelo disparate que havia cometido. Mas foi só, apesar de o ministro continuar dando de comer aos especuladores, fazendo com que um grupo pequeno de investidores acumulasse lucros extraordinários em detrimento da maioria.
Vale, BB e pré-sal
O governo atual tem sido pródigo em afrontar a CVM sem que a autarquia demonstre qualquer sinal de descontentamento. O que fez a CVM diante do movimento liderado pelo presidente Lula para destituir Roger Agnelli do comando da Vale, empresa emissora do segundo papel mais negociado na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)? Nada, mesmo com os preços das ações da mineradora desabando diante do temor de uma intervenção governamental na companhia. Não se pode esquecer que entre os prejudicados estão milhares de trabalhadores que usaram o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para se tornarem acionistas da Vale.
Também não se tem notícia de qualquer questionamento da CVM quanto ao vazamento do último balanço do Banco do Brasil. A imprensa não só detalhou os números do balanço da instituição, antes de eles se tornarem públicos oficialmente, como informou que, com aqueles resultados, o BB havia retomado o posto de maior banco do Brasil. Tudo comemorado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, a quem cabe indicar os dirigentes da CVM e do Banco do Brasil.
Na imensa lista, há ainda casos de ministros que anteciparam as reservas do pré-sal no Brasil e em viagens ao exterior. Como esses ministros receberam as informações antes que elas fossem divulgadas de forma simétrica para todo o mercado, sem privilégios? Tudo, no entanto, foi tratado com a maior naturalidade, sem que a CVM, que deveria coibir tal comportamento, mostrasse a sua indignação.
Sob sigilo
A procuradora da CVM diz que o órgão só pode se manifestar publicamente na hora do julgamento de um caso, nunca no período das investigações. Mesmo quando a autarquia oficia alguém ou alguma empresa de capital aberto que está sob a sua alçada, questionando alguma informação ou procedimento, não pode dar publicidade ao fato. Isso, apesar de esse sigilo não estar previsto em lei.
Para os céticos, Julya dá uma prova de que a CVM age, sim, quando autoridades cometem atos ilícitos. Em 2006, Cláudio Lembo, que havia sucedido Geraldo Alckmin no governo de São Paulo, anunciou que tinha suspendido a venda de ações da Nossa Caixa, controlada à época pelo estado, antes de divulgar um fato relevante para o mercado, como manda a lei. A CVM abriu um processo contra ele, mas não deu andamento. No meio do caminho, Lembo assinou um Termo de Compromisso com a promessa de publicar declaração sobre a importância de as informações sensíveis e relevantes serem divulgadas corretamente no seu devido tempo e de acordo com as normas legais.
Julya garante ainda que a CVM tem sido dura contra os agentes de mercado que cometem delitos. Os beneficiados por informações privilegiadas da compra da Ipiranga pela Petrobras estão com os recursos bloqueados até hoje. A Companhia Suzano de Papel e Celulose pagou R$ 2,2 milhões por ter sonegado informações ao mercado. Já o banco Credit Suisse desembolsou R$ 19,2 milhões por uso de informações privilegiadas da Embraer.
Mas, a despeito desses casos exemplares, a CVM precisa ir adiante, punir sem distinção, mesmo o primeiro escalão do governo, para mostrar que as leis de mercado valem para todos, como deve ser em um país que se vangloria de ter uma das maiores democracias do mundo. E, melhor, que bateu no peito por ter uma regulação dura que evitou as estripulias que levaram à atual crise mundial.
Vicente Nunes é repórter especial e blogueiro. Correio Braziliense - vicentenunes.df@dabr.com.br
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