Reestatizar o Estado

É preciso reestatizar o Estado brasileiro, hoje submetido a interesses partidários, sindicais e privados, disse o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, hoje presidente do Conselho de Administração da Bolsa de Valores de São Paulo.

Não se trata de jogo de palavras nem de frase de efeito. Numa entrevista ao jornal Valor de quinta-feira, Fraga expôs com clareza o perigo do uso da máquina estatal pelo grupo no poder e seus associados para nele permanecerem. De modo simples e direto, ele desmontou uma das grandes mistificações dos últimos tempos: a crise mostrou a importância da boa regulação e da supervisão eficiente, mas não de um setor público mais inchado e mais gastador.

Não há nisso nenhuma novidade, observou sensatamente o entrevistado. Mas isso não é tudo. No caso do Brasil, a crise confirmou o acerto das políticas do governo anterior mantidas pelo atual. Ele não detalhou a resposta, mas o sentido é evidente: as políticas de metas de inflação, de câmbio flutuante e de superávit fiscal primário deram ao País condições para atravessar a crise internacional com prejuízos mínimos.

A mistificação distorce amplamente as condições do debate público. Na pregação do intervencionismo crescente, o presidente Lula e seus companheiros atacam os defensores do Estado mínimo. Mas quem são esses defensores? "Não sei", respondeu Armínio Fraga. "Nem o Roberto Campos, no auge do seu liberalismo, defendia isso. Aliás, ele próprio foi o pai do BNDES (...) Essa é uma tentativa de delimitar o debate a partir de uma premissa falsa."

A mesma falsidade é evidente na tentativa de reduzir a polêmica em torno da intervenção a um embate entre nacionalistas e entreguistas, patriotas e inimigos da Pátria.

Com a mesma simplicidade, Fraga apontou a politização das decisões e da ação do governo federal no domínio econômico. Os fatos mais notórios têm sido amplamente discutidos: o modelo de exploração do pré-sal, com a presença dominante da Petrobrás, a "postura mais agressiva no mercado de crédito", as tentativas de comandar a política de investimentos da Vale e até de perseguir diretores da empresa. Os bancos públicos estaduais e federais, lembrou o economista, sempre acabaram com problemas gravíssimos quando foram manipulados por interesses políticos.

Mas os sinais preocupantes, observou Fraga, não são recentes. Existiram desde o início do governo Lula. Dois exemplos importantes e frequentemente esquecidos foram apontados na entrevista: "as tentativas de controlar a imprensa (com a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo) e os meios eletrônicos (tentativa de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual)." Em nenhum momento Armínio Fraga usou a palavra autoritarismo, mas o sentido de sua análise é inequívoco. O problema discutido na entrevista não se reduz à tradicional oposição mais Estado/mais mercado. Os aspectos mais importantes da questão são políticos e imensamente relevantes para o futuro da democracia brasileira.

Fraga tocou no assunto mais abertamente ao mencionar um artigo de um professor de Chicago, Luigi Zingales, a respeito do debate recente sobre a ampliação do papel do Estado. No fundo, disse o entrevistado, a mensagem do artigo é a seguinte: "Existe uma defesa do Estado porque, tipicamente, os interessados conseguem identificar onde vai estar a sua boquinha." A maior parte da população sente aos poucos o custo da mudança, mas não consegue mobilizar-se para reagir. "Essa é a marca de um Estado que a literatura chamava de corporativo, patrimonialista, populista e que, infelizmente, acaba desembocando num Estado hiperdimensionado, pouco eficiente, injusto e corrupto."

A descrição é expressiva, mas a mensagem completa é mais ampla: a hipertrofia do Estado posto a serviço do governo acaba resultando, paradoxalmente, na sujeição do público ao privado, na subordinação do interesse geral ao interesse particular. Daí a proposta de Armínio Fraga de reestatização do Estado. Daí, também, sua defesa da incorporação da enorme renda esperada do pré-sal, dentro de alguns anos, ao Orçamento-Geral da União, "o espaço mais natural e mais democrático" para se decidir como usar o dinheiro do povo. Restaria discutir um detalhe: a qualidade do processo orçamentário brasileiro.

Mas isso seria assunto para outro amplo debate. O Estado de S. Paulo

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