A dívida dos brasileiros já cresce mais do que a renda

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Valor de dívida cresce mais do que renda

Em cinco anos, o número de brasileiros com dívidas acima de R$ 5.000 passou de 10 milhões para 21 milhões, segundo o Banco Central. Obtiveram empréstimos que, somados, chegam a R$ 430 milhões. Esse valor equivale a 70% do total de crédito concedido pelo sistema financeiro para as famílias do país. Muitos fizeram pela primeira vez financiamento de veículos ou casa própria.

Para especialistas, descompasso em relação à capacidade de pagamento deve gerar uma elevação na inadimplência em 2010. Governo avalia que aumento no crédito para o consumo foi fator importante para tirar o país da recessão verificada na virada do ano. Por Eduardo Cucolo

O número de brasileiros com dívidas acima de R$ 5.000 mais que dobrou nos últimos cinco anos, segundo dados do Banco Central. Para algumas dessas pessoas, isso significou o acesso, pela primeira vez, a crédito para aquisição da casa própria ou do primeiro veículo.

Outros, no entanto, entraram nas estatísticas oficiais devido ao acúmulo de dívidas e a prestações não pagas.

Os dados oficiais sobre o sistema bancário confirmam essas duas interpretações. Por um lado, mostram que o aumento no crédito para pessoa física ocorreu, principalmente, nos segmentos imobiliário e consignado, aqueles que têm juros menores e desequilibram menos o orçamento familiar, quando bem planejados.

Também mostram, no entanto, que o valor total da dívida dos brasileiros cresceu mais do que a renda dos trabalhadores. Além disso, a inadimplência continua próxima dos patamares recordes alcançados no período mais agudo da crise.

Em setembro deste ano, aproximadamente 23 milhões de pessoas físicas tinham empréstimos, ou dívidas, que somavam R$ 5.000 ou mais, de acordo com dados do SCR (Sistema de Informações de Crédito do BC). Isso representa mais de 10% da população brasileira. Há cinco anos, eram menos de 10 milhões de pessoas.

Juntos, esses clientes têm R$ 430 milhões em crédito, o que representa 70% do estoque de empréstimos existente no sistema financeiro para as famílias brasileiras. São cerca de R$ 20 mil por devedor.

Nem a crise financeira conseguiu interromper essa expansão. Entre setembro de 2008 e setembro deste ano, o número de "grandes e médios" endividados subiu 22%. Foram quase 4 milhões de brasileiros a mais que assumiram dívidas acima desse valor, praticamente o mesmo número verificado nos 12 meses anteriores.

Aspecto positivo
Para o governo, esse movimento se deve a um aspecto positivo. O aumento no crédito para o consumo foi um fator importante para tirar o país da recessão verificada na virada do ano. Além disso, com a retomada dos empréstimos, o consumidor conseguiu trocar dívidas mais caras, como a do cheque especial, por financiamentos mais baratos.

O advogado Ricardo William Camasmie, por exe
mplo, aproveitou os benefícios fiscais e o fato de estar com as contas em dia para entrar novamente em um financiamento de veículo. "É uma coisa de cada vez. Eu já tinha quitado o veículo anterior e não tinha mais dívidas."

Alguns especialistas apontam, porém, para os riscos do cenário atual, no qual o crescimento das dívidas acontece mais rápido do que o avanço dos salários. Para o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian, esse descompasso em relação à capacidade de pagamento deve levar a um aumento na inadimplência em 2010. Depois de bater o recorde na metade do ano, o volume de empréstimos em atraso teve um pequeno recuo nos últimos meses.

"Esse movimento de queda da inadimplência vai se interromper em breve, devido à piora que estamos vendo na qualidade do crédito e à disparidade entre o endividamento e a renda das pessoas", diz Rabi.

Perfil saudável
Para o economista Altamiro Carvalho, da Fecomercio SP, a cautela por parte do próprio consumidor e as regras rígidas do sistema bancário fazem o mercado brasileiro de crédito ainda apresentar um perfil bastante saudável.

Segundo ele, o risco de que haja um aumento maior da inadimplência vai depender do crescimento da economia no próximo ano, que precisa voltar a puxar a massa salarial.

Apesar de o trabalhador estar mais endividado, os dois especialistas descartam problemas semelhantes ao que ocorre nos EUA, onde o descontrole no mercado de crédito levou à chamada crise do "subprime".

As estimativas hoje são que os brasileiros comprometam entre um terço e 40% da sua renda com o pagamento de prestações, o que é considerado um percentual adequado para os níveis internacionais.

"O nosso nível de endividamento ainda é muito baixo. Estamos muito mais para Japão do que para EUA", diz Carvalho. Folha de São Paulo



ENDIVIDAMENTO COMPROMETE CAPACIDADE DECONSUMO EM 2010
O endividamento do brasileiro compromete parte da renda disponível para o consumo em 2010, como ocorreu nos primeiros anos do empréstimo consignado, fato preocupante em um período de recuperação da economia.

O novo endividamento do consumidor brasileiro ocorre em meio ao maior alongamento de prazos já visto, superior até ao do período anterior à crise, segundo o Banco Central.

Em agosto de 2008, os prazos médios no financiamento ao consumo estavam em 193 dias; em outubro deste ano, saltaram para 217 dias. O comprometimento da renda em 2010 só não preocupa tanto os especialistas porque o cenário que se avizinha é bastante benigno, com forte crescimento da economia e expansão do emprego e da renda.

Na reta final para encerrar 2009, bancos e financeiras estão correndo para recuperar o "tempo perdido" ao longo do ano, quando restringiram a oferta de crédito com receio do aumento da inadimplência.

O mesmo acontece com o consumidor mais rigoroso, que adiou compras de bens e serviços parcelados neste ano até ter certeza de que não tinha o emprego em risco.

"O endividamento atual é bastante saudável e decorre de um consumo represado. Tem muito espaço para crescer. Isso foi provado pelo fato de que, na crise, a inadimplência subiu, mas não explodiu. Não houve explosão de bolha de crédito. Agora, está todo mundo buscando o que deixou de fazer lá atrás", diz o consultor Alvaro Musa, ex-presidente da financeira Fininvest.

Prudência
Para Miguel Oliveira, vice-presidente da Anefac (associação do setor de finanças), os bancos retomaram a concessão de crédito com muita prudência no final de 2009. "Ninguém está deixando a prestação ficar acima de 25% da renda. Os bancos estão todos muito cautelosos. Há uma expansão firme do crédito, mas com critérios."

Sem instrumentos como o cadastro positivo, que permitirá conhecer hábitos de pagamento e o comprometimento da renda, bancos e instituições do varejo não sabe quanto seus clientes devem na concorrência. No país, só existe o compartilhamento das chamadas informações negativas, que dizem respeito aos consumidores com o nome sujo na praça. Toni Sciarretta – Folha de São Paulo

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