VEXAME
O Brasil se candidata à quinta posição no ranking das economias mundiais. Não pode mais, por isso, ser considerado país pobre. É desigual, como a Índia e a China. Apesar, porém, do lugar privilegiado, não logrou dar o salto qualitativo capaz de incluí-lo no seleto clube do Primeiro Mundo. Mantém-se como nação periférica. Há muitas explicações para o fenômeno. Uma delas sobressai: a educação subdesenvolvida.
Nenhum país ultrapassou a fronteira do atraso sem antes ter vencido os desafios de educar a população. Nós começamos tarde a dar os primeiros passos. Há menos de 40 anos iniciamos o processo de universalizar a escola. Independentemente da cor partidária ou das preferências do ocupante do Palácio do Planalto, em nenhum momento interrompemos a caminhada. Hoje, 97% das crianças estão matriculadas no ensino fundamental. Editorial do Correio Braziliense
A cifra merece o aplauso da sociedade. O esforço hercúleo, porém, ficou na metade do caminho. Ao longo do percurso, mirou a quantidade sem atentar para a excelência. Pecou pela miopia. O resultado é de todos conhecido. Meninos, meninas e jovens fazem a parte que lhes cabe. Vão à escola, executam as tarefas, submetem-se a provas. Mas não aprendem. Submetidos a testes desde a década de 1990, revelam desempenho vexatório.
De cada 10 brasileiros entre 15 e 64 anos, só três desenvolveram a habilidade de ler, entender e fazer operações matemáticas. Muitos conseguem juntar letras e sílabas, enunciar o vocábulo e articular a frase, mas não decifram o que leem. São incapazes de ler textos longos, diferenciar fato de opinião, resolver problema que envolva percentual ou interpretar tabelas. Nada menos que 75% das pessoas na faixa etária estipulada (que já cursou a 8ª série) encontram-se nessa situação.
São dados divulgados pelo Indicador de Alfabetismo Nacional (Inaf). Criado pelo Instituto Paulo Montenegro e pela Ação Educativa, o índice visa mensurar os níveis de alfabetização dos brasileiros adultos. Embora a situação dos alfabetizados plenos (os que completaram a 8ª série) se mantenha estável desde 2001, houve avanços entre os alfabetizados básicos, os alfabetizados rudimentares e os analfabetos.
Em bom português: os que se encontram em estágios avançados estacionaram. Os demais deram alguns passos. Há necessidade de elevar o nível de todos. Sem isso, o estrangulamento continua. Nas avaliações internacionais, o país se manterá na rabeira do ranking. Na busca de mão de obra com a sofisticação exigida pelo mundo globalizado, terá de importar profissionais. O sonho de ocupar posição central no concerto das nações será mais uma vez adiado. Vale parodiar o assessor de Bill Clinton que chamou a atenção para o foco da campanha eleitoral: “É a educação, estúpido”. Correio Braziliense
NOTA VERMELHA
Relatório aponta problemas graves no ensino e destaca deficiências em três quesitos: formação de professores, desempenho de estudantes e falta de padronização curricular
Um acesso cada vez maior das crianças à escola contrasta com o baixo nível de aprendizado. Anos depois do ingresso, a evasão é assustadora. E embora haja sistemas eficientes de avaliação, os resultados não se revertem em melhorias. Essas e outras conclusões baseadas em dados oficiais levaram a educação brasileira a tomar bomba em sete de nove temas considerados prioritários para o aperfeiçoamento do setor. Relatório intitulado Boletim da educação no Brasil: saindo da inércia?, divulgado pelo Programa de Promoção da Reforma Educacional na América Latina e no Caribe (Preal) em parceria com a Fundação Lemann(1), atribuiu conceito insatisfatório a três quesitos: formação dos professores, desempenho dos estudantes e falta de padronização curricular na rede de ensino (leia quadro ao lado). Outro dado importante avaliado como regular diz respeito ao investimento em educação pública, cerca de U$ 1,5 mil anuais por estudante do ensino fundamental — valor mais baixo do que o registrado em países como México e Chile.
Para Ilona Becskeházy, diretora executiva da Fundação Lemann, falta vontade política para gastar mais com educação no Brasil, ao mesmo em que a sociedade precisa ser “arrebatada” em torno do assunto. “Defendemos temas estratégicos para melhoria do ensino, entre eles o financiamento”, afirma Ilona. Maria do Pilar Lacerda, secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), concorda com a necessidade de aumentar os investimentos, mas destaca avanços recentes. “Com a dívida histórica enorme no Brasil na área educacional, temos que gastar muito mais que países como a Coreia, por exemplo. Mas estamos nesse caminho, se analisarmos que, em 2003, o orçamento do MEC era de R$ 23 bilhões e, este ano, chegou a R$ 48 bilhões”, afirma. Pilar lembra ainda que o mecanismo constitucional denominado Desvinculação dos Recursos da União (DRU) foi extinto, para a área da educação, por decisão unânime no Congresso Nacional, o que significará injeção de R$ 11 bilhões por ano no setor, mas só a partir de 2011. Em 2009, o país aplicou 4,8% do PIB em educação.
Outra crítica feita no relatório do Preal e da Fundação Lemann diz respeito à baixa qualidade do ensino, a despeito do número crescente de matrículas nas fases iniciais, já que mais de 95% das crianças hoje estão na escola. “Embora o Brasil tenha sistemas de avaliações tecnicamente muito bons e avançados, vemos um desempenho fraco dos estudantes, tanto em testes nacionais quanto nos internacionais. Sentimos falta de ver uma aplicação mais efetiva dos resultados dessas avaliações, que tenha um real objetivo de melhorar o aprendizado”, ressalta Ilona. Pilar, do MEC, discorda que isso não esteja acontecendo. E cita o caso do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) como uma verificação que tem ajudado a aprimorar o ensino. “Trabalhamos diretamente com as escolas que tiraram nota ruim no Ideb em 2005 e conseguimos uma melhora geral do índice no país, na edição de 2007. Esse indicador, no período, passou de 3,8 para 4,2”, ressalta a secretária. A meta do MEC é chegar a ter um Ideb nacional de 6 ou mais para chegar ao patamar da Comunidade Europeia.
A falta de padrão pedagógico nas escolas foi um dos pontos que levaram a pior menção na pesquisa, conceito D, ou insatisfatório. Pilar defende os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), criados na década de 1990, como bons indicadores de como as aulas devem ser conduzidas pelo país. “Esse é um assunto delicado e polêmico, mas o MEC defende a autonomia do professor. Mesmo porque, num país como o Brasil, como padronizar totalmente o processo educacional? Vamos exigir um mesmo ritmo de um aluno que vive numa aldeia no interior da Amazônia e outro que mora na periferia do Rio de Janeiro?”, questiona a secretária. Segundo ela, o professor ganha, com a experiência, discernimento para decidir como abordar seus alunos. Contrária a tal filosofia, Ilona diz que os PCNs são muito vagos. “São subjetivos demais, não dizem exatamente o que um aluno da 4ª série deve terminar o ano sabendo, por exemplo. Existe, entre os docentes, uma ideologia clara contra a padronização, que só prejudica os mais pobres. Pois na classe mais esclarecida, os pais sabem minimamente o que seus filhos deveriam estar aprendendo, só que, entre os menos favorecidos, isso não ocorre”, critica.
1 – Entidades
Criada em 2002, a Fundação Lemann é uma organização sem fins lucrativos, que escolheu como foco de atuação a melhoria da educação no Brasil. Já o Preal é um projeto conjunto do Diálogo Interamericano, com sede em Washington, DC (EUA), e da Corporação de Pesquisas para o Desenvolvimento (Cinde), com sede em Santiago (Chile). Foi criado em 1995 com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade e para a igualdade da educação. Por Renata Mariz - Correio Braziliense
O Brasil se candidata à quinta posição no ranking das economias mundiais. Não pode mais, por isso, ser considerado país pobre. É desigual, como a Índia e a China. Apesar, porém, do lugar privilegiado, não logrou dar o salto qualitativo capaz de incluí-lo no seleto clube do Primeiro Mundo. Mantém-se como nação periférica. Há muitas explicações para o fenômeno. Uma delas sobressai: a educação subdesenvolvida.
Nenhum país ultrapassou a fronteira do atraso sem antes ter vencido os desafios de educar a população. Nós começamos tarde a dar os primeiros passos. Há menos de 40 anos iniciamos o processo de universalizar a escola. Independentemente da cor partidária ou das preferências do ocupante do Palácio do Planalto, em nenhum momento interrompemos a caminhada. Hoje, 97% das crianças estão matriculadas no ensino fundamental. Editorial do Correio Braziliense
A cifra merece o aplauso da sociedade. O esforço hercúleo, porém, ficou na metade do caminho. Ao longo do percurso, mirou a quantidade sem atentar para a excelência. Pecou pela miopia. O resultado é de todos conhecido. Meninos, meninas e jovens fazem a parte que lhes cabe. Vão à escola, executam as tarefas, submetem-se a provas. Mas não aprendem. Submetidos a testes desde a década de 1990, revelam desempenho vexatório.
De cada 10 brasileiros entre 15 e 64 anos, só três desenvolveram a habilidade de ler, entender e fazer operações matemáticas. Muitos conseguem juntar letras e sílabas, enunciar o vocábulo e articular a frase, mas não decifram o que leem. São incapazes de ler textos longos, diferenciar fato de opinião, resolver problema que envolva percentual ou interpretar tabelas. Nada menos que 75% das pessoas na faixa etária estipulada (que já cursou a 8ª série) encontram-se nessa situação.
São dados divulgados pelo Indicador de Alfabetismo Nacional (Inaf). Criado pelo Instituto Paulo Montenegro e pela Ação Educativa, o índice visa mensurar os níveis de alfabetização dos brasileiros adultos. Embora a situação dos alfabetizados plenos (os que completaram a 8ª série) se mantenha estável desde 2001, houve avanços entre os alfabetizados básicos, os alfabetizados rudimentares e os analfabetos.
Em bom português: os que se encontram em estágios avançados estacionaram. Os demais deram alguns passos. Há necessidade de elevar o nível de todos. Sem isso, o estrangulamento continua. Nas avaliações internacionais, o país se manterá na rabeira do ranking. Na busca de mão de obra com a sofisticação exigida pelo mundo globalizado, terá de importar profissionais. O sonho de ocupar posição central no concerto das nações será mais uma vez adiado. Vale parodiar o assessor de Bill Clinton que chamou a atenção para o foco da campanha eleitoral: “É a educação, estúpido”. Correio Braziliense
NOTA VERMELHA
Relatório aponta problemas graves no ensino e destaca deficiências em três quesitos: formação de professores, desempenho de estudantes e falta de padronização curricular
Um acesso cada vez maior das crianças à escola contrasta com o baixo nível de aprendizado. Anos depois do ingresso, a evasão é assustadora. E embora haja sistemas eficientes de avaliação, os resultados não se revertem em melhorias. Essas e outras conclusões baseadas em dados oficiais levaram a educação brasileira a tomar bomba em sete de nove temas considerados prioritários para o aperfeiçoamento do setor. Relatório intitulado Boletim da educação no Brasil: saindo da inércia?, divulgado pelo Programa de Promoção da Reforma Educacional na América Latina e no Caribe (Preal) em parceria com a Fundação Lemann(1), atribuiu conceito insatisfatório a três quesitos: formação dos professores, desempenho dos estudantes e falta de padronização curricular na rede de ensino (leia quadro ao lado). Outro dado importante avaliado como regular diz respeito ao investimento em educação pública, cerca de U$ 1,5 mil anuais por estudante do ensino fundamental — valor mais baixo do que o registrado em países como México e Chile.
Para Ilona Becskeházy, diretora executiva da Fundação Lemann, falta vontade política para gastar mais com educação no Brasil, ao mesmo em que a sociedade precisa ser “arrebatada” em torno do assunto. “Defendemos temas estratégicos para melhoria do ensino, entre eles o financiamento”, afirma Ilona. Maria do Pilar Lacerda, secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), concorda com a necessidade de aumentar os investimentos, mas destaca avanços recentes. “Com a dívida histórica enorme no Brasil na área educacional, temos que gastar muito mais que países como a Coreia, por exemplo. Mas estamos nesse caminho, se analisarmos que, em 2003, o orçamento do MEC era de R$ 23 bilhões e, este ano, chegou a R$ 48 bilhões”, afirma. Pilar lembra ainda que o mecanismo constitucional denominado Desvinculação dos Recursos da União (DRU) foi extinto, para a área da educação, por decisão unânime no Congresso Nacional, o que significará injeção de R$ 11 bilhões por ano no setor, mas só a partir de 2011. Em 2009, o país aplicou 4,8% do PIB em educação.
Outra crítica feita no relatório do Preal e da Fundação Lemann diz respeito à baixa qualidade do ensino, a despeito do número crescente de matrículas nas fases iniciais, já que mais de 95% das crianças hoje estão na escola. “Embora o Brasil tenha sistemas de avaliações tecnicamente muito bons e avançados, vemos um desempenho fraco dos estudantes, tanto em testes nacionais quanto nos internacionais. Sentimos falta de ver uma aplicação mais efetiva dos resultados dessas avaliações, que tenha um real objetivo de melhorar o aprendizado”, ressalta Ilona. Pilar, do MEC, discorda que isso não esteja acontecendo. E cita o caso do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) como uma verificação que tem ajudado a aprimorar o ensino. “Trabalhamos diretamente com as escolas que tiraram nota ruim no Ideb em 2005 e conseguimos uma melhora geral do índice no país, na edição de 2007. Esse indicador, no período, passou de 3,8 para 4,2”, ressalta a secretária. A meta do MEC é chegar a ter um Ideb nacional de 6 ou mais para chegar ao patamar da Comunidade Europeia.
A falta de padrão pedagógico nas escolas foi um dos pontos que levaram a pior menção na pesquisa, conceito D, ou insatisfatório. Pilar defende os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), criados na década de 1990, como bons indicadores de como as aulas devem ser conduzidas pelo país. “Esse é um assunto delicado e polêmico, mas o MEC defende a autonomia do professor. Mesmo porque, num país como o Brasil, como padronizar totalmente o processo educacional? Vamos exigir um mesmo ritmo de um aluno que vive numa aldeia no interior da Amazônia e outro que mora na periferia do Rio de Janeiro?”, questiona a secretária. Segundo ela, o professor ganha, com a experiência, discernimento para decidir como abordar seus alunos. Contrária a tal filosofia, Ilona diz que os PCNs são muito vagos. “São subjetivos demais, não dizem exatamente o que um aluno da 4ª série deve terminar o ano sabendo, por exemplo. Existe, entre os docentes, uma ideologia clara contra a padronização, que só prejudica os mais pobres. Pois na classe mais esclarecida, os pais sabem minimamente o que seus filhos deveriam estar aprendendo, só que, entre os menos favorecidos, isso não ocorre”, critica.
1 – Entidades
Criada em 2002, a Fundação Lemann é uma organização sem fins lucrativos, que escolheu como foco de atuação a melhoria da educação no Brasil. Já o Preal é um projeto conjunto do Diálogo Interamericano, com sede em Washington, DC (EUA), e da Corporação de Pesquisas para o Desenvolvimento (Cinde), com sede em Santiago (Chile). Foi criado em 1995 com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade e para a igualdade da educação. Por Renata Mariz - Correio Braziliense
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