Tiro no pé

Pragmáticos por dever de ofício, nossos empresários são pouco dados a devaneios ou metáforas, e da obra de um poeta como Castro Alves talvez se recordem apenas dos trechos que leram na escola. Então talvez se espantem se alguém lhes disser que andam a imitar o Poeta dos Escravos, num aspecto bem prosaico de sua atribulada biografia.

Morto aos 24 anos, Castro Alves tinha apenas 21 quando tropeçou durante uma caçada e atingiu com um tiro de espingarda seu calcanhar esquerdo — o que levou à amputação do pé e a uma fragilidade permanente que, agravada pela tuberculose, encerrou sua vida em 1871. Pouco dados a metáforas, nossos empresários também estão (metaforicamente) atirando no próprio pé. Por Antonio Fernando Borges

Falar em cegueira talvez seja exagero, mas uma coisa é certa: sejam donos de redes de supermercados, herdeiros de impérios na área da construção civil ou lideranças do ascendente setor da telefonia, nossos empresários mostram uma surpreendente miopia quando elogiam e aplaudem um governo — na verdade, um projeto político — que vai lhes roubando, aos poucos, a própria liberdade de agir. Que o digam a legislação cada vez mais restritiva e a carga tributária.

Mais do que exemplos pontuais, no entanto, seria melhor falar de um “espírito de época”: se um empresário declara, em entrevista, que o país “está no rumo certo”, outro afirma, em artigo, que o presidente merece um terceiro mandato, para poder completar seu trabalho. E vários deles, juntos, ajudam a financiar o hagiográfico filme sobre “o filho do Brasil” — poderosa peça de campanha eleitoral para 2010.

É triste ver nossos empresários apostando em projetos “culturais” que pregam a longo prazo, mas abertamente, a substituição do capitalismo por “um outro mundo possível”.

Pragmáticos por dever de ofício, cientes de que faz parte do jogo ceder alguns anéis para preservar as mãos, nossos empresários só precisam se lembrar de que o capitalismo deve sua existência e desenvolvimento a um conjunto de valores e crenças, também conhecido pelo nome genérico de Civilização. E, na medida em que este legado se encontra na mira do próprio governo, sua sobrevivência como empresários também pode estar comprometida.

A longo prazo, leitor, estaremos todos mortos, é claro. Mas “um tiro no pé”, neste caso, é mais do que uma agonia lenta: é sinal de irresponsabilidade com o futuro. E isso inclui os filhos e netos que os próprios empresários geraram — ao contrário do desditado poeta baiano, que não transmitiu a ninguém o legado de nossa miséria. O Globo


LULA: EMPRESÁRIOS TERÃO QUE APRENDER A CONVIVER COM IMPOSTOS
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse na segunda-feira que os empresários brasileiros vão ter que aprender a conviver com impostos altos. Discursando para uma plateia de exportadores, em evento promovido pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, Apex Brasil, no Rio, Lula rebateu as críticas recorrentes dos empresários de que o Brasil exporta imposto:

- É uma bobagem achar que é possível viver com imposto baixo no Brasil. O empresário não tem que ter medo do Estado forte, ele tem que ter medo de um Estado intruso - afirmou Lula.

Respondendo às queixas recorrentes de empresários, presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que só existem duas alternativas, imposto na produção ou imposto na renda. E se não tiver imposto, o Estado não tem como fazer serviço de bem-estar social.

Para Lula, a crise ensinou a todos que não existe manifesto, como fizeram os comunistas, e nem manual ou receita, precisa-se criar coisas novas diariamente

- Falta um ano para de eu sair do governo, não existe possibilidade de abaixar imposto.

Segundo Lula, o Brasil conseguiu mostrar nesta crise que não só tem mercado interno capaz de enfrentar adversidades, como tem uma pauta de exportação altamente diversificada, capaz de deixar o Brasil apto a competir no mercado internacional.

Em seu discurso, o presidente ressaltou que as empresas também precisam buscar mercado lá fora.

- Os bancos também têm que ir lá para fora. Não faz sentido o Banco do Brasil não ter agência nem em Lima nem em Angola. Essa crise mostrou a fragilidade de todo mundo e a competição vai ficar ainda mais forte.

E novamente mencionou a crise como um indicador de fragilidade e força de cada setor e economia.

- Eu briguei com o Roger (Agnelli, presidente da Vale) pela imprensa porque eu quero que os navios que a Vale use sejam produzidos no país. Mas é claro, se esses navios forem muito caros, é natural que prevaleça o interesse empresarial.

Lula pediu ao presidente do BNDES para fazer estudos setoriais, na intenção de levantar as dificuldades de alguns setores e identificar o motivo pelo qual alguns produtos brasileiros tão mais caros que estrangeiros.

- O vagão do metrô de Brasília custou o dobro do que o Sérgio Cabral comprou na China, com ar-condicionado. E o de Brasília foi comprado em São Paulo. Temos que ver nossa dificuldade para baixar preço, o que não significa reduzir imposto - completou Lula. Por Liana Melo -
O Globo

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