Crise perene

MAIS UMA ESTOCADA NO MERCOSUL

Periodicamente, a Argentina é sacudida por crises que revelam um frágil arcabouço institucional. O pior momento, em tempos recentes, foi na virada de 2001 para 2002, quando o presidente Fernando de la Rúa renunciou na metade do mandato com a economia desmoronando e protestos nas ruas. Nos 12 dias seguintes, a Argentina esteve à deriva, empossando nada menos do que quatro presidentes. Em 2003, depois de o país começar a se recuperar com o peronista Eduardo Duhalde, assumiu Néstor Kirchner, também do Partido Justicialista. Ele foi sucedido em 2007 por sua mulher, a então senadora Cristina Kirchner, o que, se não é o ideal do ponto de vista ético, pelo menos respeitou preceitos institucionais.

Porém, para infelicidade dos argentinos, a convivência do casal K com a democracia tornou-se cada vez mais difícil, acelerando a degradação institucional, e com uma economia sem perspectivas. Para isto concorreram o controle do câmbio, a maquiagem dos índices de inflação, o congelamento das tarifas públicas (que resultou, por exemplo, em apagões), o interminável contencioso com os produtores rurais pela elevação do imposto de exportação e o confisco dos depósitos dos fundos de pensão privados, para pagamento da dívida externa.

Recorde-se que, após a moratória de 2001, a Argentina não resolveu de todo os problemas com os credores internacionais, os quais caloteou, e, por isso, tem problemas de crédito. Além disso, os Kirchner estiveram, ao longo dos últimos seis anos, em guerra com a imprensa, num ataque direto a outro pilar da democracia — a liberdade de expressão.

Outra gravíssima crise se instala agora com o decreto assinado ontem pela presidente, com o aval dos ministros, determinando o afastamento do presidente do Banco Central, Martín Redrado. A razão foi este não ter aceitado a ordem de destinar US$ 6,5 bilhões das reservas do país para um fundo criado para pagamento da dívida externa. O BC argentino é independente e seu dirigente só pode ser destituído pelo Congresso. Trata-se, portanto, de mais uma manobra da Casa Rosada contra as instituições.

Tudo é péssimo para os argentinos e preocupante para o Brasil.

Nosso principal parceiro no Mercosul se enfraquece e atrai cada vez menos investimentos externos, na medida em que aumenta a insegurança jurídica. Cristina ainda tem dois anos de mandato e nada indica que mudará o estilo autoritário e arrogante, como o do marido. E a meta do casal K é se perpetuar no poder, a não ser que a oposição se prepare para vencer as eleições de 2011. A crise persistirá. O Globo

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