Posição brasileira reconhece opção radical palestina

Ao admitir a possibilidade de manter um diálogo de alto nível com o Hamas, o chanceler Celso Amorim envia uma mensagem inequívoca: o Brasil está disposto a conferir um novo status político ao grupo islâmico e o reconhece plenamente como um interlocutor legítimo da causa palestina. Significativa, a evolução da posição brasileira vai ao encontro da estratégia da facção palestina para romper seu isolamento internacional. Por Roberto Simon

Hoje o Hamas é a alternativa islâmica e armada da causa nacional palestina ante seu eterno rival, o laico Fatah, fundado por Yasser Arafat. Se o segundo reconhece Israel e concorda que o fim da violência passa pelo diálogo, o primeiro carrega em sua carta de fundação a promessa de "destruir a entidade sionista" e recusa qualquer tipo de negociação que leve a uma solução de dois Estados. "A terra palestina é uma dádiva às futuras gerações muçulmanas. Nenhuma parte dela será dividida nem cedida", diz o documento.

Em 2007 o grupo islâmico expulsou, a bala, o Fatah da Faixa de Gaza. Desde então, está virtualmente isolado no território, cujas fronteiras se encontram bloqueadas por Israel e Egito. O Hamas viu sua situação piorar ainda mais com a brutal ofensiva israelense, há um ano, que deixou 1.300 mortos e limou boa parte do arsenais de foguetes que o grupo atirava contra o sul de Israel.

Até agora não deram resultados os esforços da Arábia Saudita e Egito para a reconciliação entre Hamas e Fatah. Isolado, o grupo islâmico luta para ser reconhecido pela comunidade internacional como um ator legítimo no jogo de xadrez do Oriente Médio - e é nesse contexto que entra a fala de Amorim.

Na esteira da aproximação com o Irã de Mahmoud Ahmadinejad, a nova posição brasileira em relação à questão palestina representa outra alfinetada em Washington, que - assim como a União Europeia - considera o Hamas "terrorista". Mais do que isso, a mudança do Itamaraty vai na contramão da estratégia de americanos, europeus e árabes moderados de investir todas as fichas na Autoridade Palestina, comandada pelo Fatah, para que o grupo melhore os indicadores socioeconômicos da Cisjordânia, reduza sua corrupção, comprometa-se com uma solução negociada e, assim, torne-se uma alternativa mais atraente à população palestina do que o Hamas, a opção fundamentalista e armada. O Estado de S. Paulo


PAÍS ESTREIA NO CONSELHO DA ONU FOCADO EM EVITAR SANÇÕES AO IRÃ
Amorim defende a tese de que diálogo e persuasão são preferíveis ao emprego da força e às punições

De posse de uma cadeira não-permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas desde 1º de janeiro, o governo Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará um custoso desafio nos próximos meses: evitar que o organismo baixe sanções contra o Irã, como punição por sua insistência em enriquecer urânio em níveis considerados perigosos. Na terça-feira, em Ancara, o chanceler Celso Amorim reiterou a uma plateia de 200 embaixadores da Turquia a visão brasileira de que o isolamento de Teerã precisa ser evitado e a via da negociação não deve ser suspensa.

Amanhã, o Brasil fará sua estreia efetiva no Conselho de Segurança, durante reunião para a avaliação das operações das Nações Unidas na Costa do Marfim. O governo brasileiro terá assento nesse órgão máximo de decisão mundial até 31 de dezembro de 2011. Essa estreia, porém, se dá em um momento delicado.

Os Estados Unidos se empenham para obter o apoio dos membros do Conselho de Segurança à imposição de sanções sobre interesses da Guarda Revolucionária, instituição militar que sustenta o regime dos aiatolás, que comanda os projetos nucleares secretos e teria vinculações com organizações terroristas. A Rússia e a China, antes menos propensas a aprovar sanções contra o Irã, deram mostra de que podem reverter suas posições.

No fim de novembro, ambos os países votaram em favor da condenação de Teerã pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), por causa da descoberta de uma usina clandestina em Qom. Se o Brasil pôde se abster nessa votação, sob a desculpa de que acabara de receber Mahmoud Ahmadinejad, agora se verá em meio a um pesado jogo político, no qual toda posição traz um custo, como reconhecem diplomatas experientes no tema.

Convidado para o encontro de Ancara pelo chanceler turco, Ahmet Davutuglu, Amorim defendeu anteontem a tese de que o diálogo e a persuasão são sempre preferíveis ao emprego da força e às sanções, ao referir-se à questão do Irã. Em um café da manhã, Amorim e Davutuglu se comprometeram a aproximar posições sobre os principais temas da agenda internacional. Assim como o Brasil, a Turquia também dispõe de uma cadeira não-permanente no conselho neste ano.

A defesa do direito de o Irã enriquecer urânio foi reiterada publicamente por Lula durante a visita a Brasília de Ahmadinejad, em novembro passado. Essa posição expõe a preocupação brasileira de que, eventualmente, seu programa nuclear possa sofrer restrições da comunidade internacional, apesar das garantias constitucionais de sua finalidade pacífica - algo inexistente, no caso do Irã. Por Denise Chrispim Marin - O Estado de S. Paulo

Nenhum comentário: