Um país sério não brinca com armas

A se confirmar a informação de que o governo ordenou à Aeronáutica que refaça o relatório técnico que definiu a escolha do caça sueco Gripen N/G, eliminando o caráter comparativo do estudo, estaríamos diante de uma situação grave. É a segunda vez que o Brasil anuncia o tão discutido Projeto FX-2, de substituição dos caças de Anápolis, e corre o risco de não concluir. Na primeira versão, a concorrência foi interrompida antes da fase atual, mas ainda assim arranhou a credibilidade em um mercado sensível e bilionário. Até a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à França, a licitação corria dentro de um padrão profissional. Editorial do Jornal do Brasil

Porém, em negócios desse vulto há sempre outros interesses que não só os da Força Aérea. Por isso, já no início do ano passado, representantes de um dos fabricantes mantinham sérias dúvidas se o projeto chegaria ao final de forma limpa. Será?

A intervenção oficial em uma licitação da FAB gerou um ponto de atrito sério entre a Força e o governo civil. A necessária salvaguarda política e diplomática para se chegar ao equilíbrio com a escolha técnica foi atropelada por mudanças na regra do jogo que beneficiaram apenas um dos concorrentes. Não foi a primeira vez: quando o prazo para a entrega das propostas foi encerrado, apenas duas o tinham cumprido – a favorita do Planalto não o fez. Pela regra, estaria desclassificada, mas rapidamente arrumou-se uma extensão. Irritados, os concorrentes disseram que a demora se devia à dificuldade em se reduzir o preço pedido para os aviões.

Quando o presidente Lula e posteriormente o ministro da Defesa, Nelson Jobim, atropelaram o protocolo e anteciparam a preferência brasileira pelo caça francês, o mundo caiu. A FAB, disposta a uma escolha limpa, não havia concluído os testes e avaliações dos três modelos. Mais do que jactarem-se, o presidente e o seu ministro impuseram uma moção de desprestígio e irrelevância aos militares. A muito custo o programa continuou avançando, mas dentro de um desgaste definitivo e agora sob o irremediável véu de suspeição lançado pelos concorrentes preteridos, com razão. Afinal, se já estava decidido, qual o sentido de se manter a competição?

As 30 mil páginas do relatório mostram que ninguém brincou em serviço. E que uma aquisição de US$ 2 bilhões foi levada a sério no sentido do melhor aproveitamento do erário público, a rigor um dinheiro que pertence ao cidadão. Por mais que algum burocrata consiga enxergar, não há justificativa estratégica que sustente a compra de um modelo de caça que ficou em terceiro e último lugar segundo os critérios de quem tem o principal interesse em operá-los, que é a Defesa Aérea. Que custa o dobro do selecionado pelos aviadores. E que embute um modelo de transferência de tecnologia que já não teria funcionado com a instalação da Helibras, em Itajubá.

Ao JB, em uma entrevista, o ministro Jobim disse que a escolha final passaria pelo crivo da sua pasta e não seria determinada apenas pelo critério militar. Na época, a leitura pressupunha um cuidado extremo com todos os aspectos envolvidos de forma a garantir que os jatos proporcionassem uma efetiva proteção aos interesses nacionais e não um benefício ao melhor lobby. A mudança da regra em reação à escolha tornou todo o trabalho da FAB irrelevante outra vez, desprestigiou o esforço técnico, é um acinte à inteligência do contribuinte. E uma vitória do melhor lobby.

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