
A marcha batida do presidente Chávez contra a liberdade de expressão fez outras vítimas além dessas. Em julho do ano passado, a Comissão Nacional de Telecomunicações revogou a concessão de 240 emissoras de rádio AM e FM, sob a alegação de que haviam perdido um prazo de recadastramento. E a Globovisión, que atualmente canaliza as reações contra o arbítrio governamental, tem sido ameaçada por autoridades e por manifestantes chavistas, acusada de fazer “terrorismo midiático” apenas porque não se conforma em dançar na toada do coronel-presidente.
Num processo que expõe a vocação totalitária de alguns governantes do continente, esse avanço agressivo sobre um princípio tão caro e tão essencial às democracias como é o da liberdade de imprensa representa um retrocesso. Infelizmente, tal viés liberticida encontra defensores e seguidores, como está acontecendo no Equador e na Bolívia, como chegou a conquistar a maioria parlamentar argentina e como, vez por outra, renasce em projetos do governo brasileiro.
A VIOLÊNCIA CONTRA A MÍDIA
Tornou-se lugar-comum afirmar que uma imagem vale mais que mil palavras. Mas, apesar de exaustivamente repetido, há vezes em que o chavão traduz melhor a mensagem que se quer transmitir. É o caso das manobras de Hugo Chávez. O presidente venezuelano mandou imprimir a Constituição em edição de bolso. O livrinho o acompanha 24 horas por dia. Nos comícios, nas entrevistas ou nos despachos, brande a Carta à vista de todos.
A cena é emblemática. Chávez usa os mecanismos da democracia para pisar a democracia. Ao longo de 10 anos de mandato, emendou a Constituição e aprovou leis com um objetivo claro — colocar o arcabouço legal a serviço do próprio projeto. Ainda que consultas populares sejam prática frequente, com a manutenção das eleições e a convocação constante de referendos e plebiscitos, há dúvidas quanto à prevalência no país de predicados caros ao Estado Democrático de Direito. Editorial do Correio Braziliense
Primeiro, é tênue a independência dos poderes. Depois, não há regras claras, estáveis. A lei muda ao sabor das conveniências, em ambiente de insegurança jurídica. A mídia é silenciada quando ousa criticar o governo. A oposição é tratada a ferro e fogo. O tal socialismo bolivariano, que nem ele sabe conceituar, justifica as medidas totalitárias que se vêm tornando constantes no país. Ante os protestos de uma oposição quase inexistente, diz estar cumprindo os mandamentos da lei.
Não foi outro o argumento utilizado para justificar mais um ataque à imprensa. Por determinação governamental, o canal de televisão a cabo independente Radio Caracas Televisión Internacional (RCTV) teve o sinal suspenso às 24h de 23 de janeiro. A justificativa para o ato de violência, que atingiu mais cinco canais, foi o desrespeito à nova legislação do setor que entrou em vigor na semana passada. A norma obriga os canais com ao menos 70% do conteúdo produzido na Venezuela a transmitir programas oficiais sempre que solicitado. A TV punida não pôs no ar a íntegra do discurso do presidente.
Trata-se do segundo ataque à RCTV. Em 2007, o canal, um dos mais populares da Venezuela, teve de migrar para a TV a cabo. Chávez alegou que a emissora teria apoiado o golpe de Estado que tentou apeá-lo do poder em 2002. Com a mudança, a RCTV perdeu audiência, mas estima-se que um terço dos lares ainda lhe acompanhe a programação. Dezenas de veículos, entre os quais 34 emissoras de rádio e duas de tevê, foram alvo de sanções do Estado. Agora, a estatística engorda.
Analistas avaliam a ofensiva contra a mídia como medida desesperada para desviar a atenção de problemas internos sérios cuja responsabilidade não pode ser atribuída à oposição. A situação interna tira o sono de Hugo Chávez. Inflação alta, desabastecimento e violência são ingredientes capazes de implodir qualquer governo. O dinheiro do petróleo ajuda-o a manter-se no poder. Mas a paciência popular tem limites. Daqui a oito meses haverá eleições legislativas no país. A resposta dos cidadãos talvez não seja a que Chávez gostaria de ouvir.
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