O regime tolera a blogueira dissidente, mas a mantém
na mira: Não posso participar de encontros onde
poderia expressar minhas críticas". (Foto: Orlando Luiz Pardo)"Eu sou louca. Todos os jovens de minha idade não têm mais que um desejo: fugir, sair de Cuba. Dizem que este país não tem esperança. De minha parte, decidi ficar." E denunciar o regime por meio de suas palavras, talvez pudesse acrescentar. Claudia Cadelo é uma dessas vozes que sabem aproveitar a web para relatar a "sua" Cuba cotidiana. Tem 26 anos e uma têmpera de aço. De seu blog, inaugurado há quase dois anos, ela fez uma arma e um escudo. Uma arma porque suas palavras não fazem nada além de golpear um regime absurdo e violento. E um escudo porque a notoriedade que alcançou no exterior a protege – até certo ponto.
A aventura começou em 2008, quase sem querer. "Naquele tempo, meu amigo, que depois virou meu marido, tocava numa banda de punk rock", relata a jovem. A letra de suas canções era violenta, às vezes vulgar e sempre desrespeitosa com Fidel Castro, "El Comandante", e seu irmão Raúl, O Herdeiro, atual número 1 do país.
O quarteto foi proibido de fazer apresentações. Quando se apresentava era às escondidas. Os convites eram enviados poucas horas antes do espetáculo, realizado em locais privados ou em cinemas abandonados. O telefone servia de enlace. "Em julho de 2008", continua Claudia Cadelo, "o líder da banda foi para a prisão, acusado de 'delito potencial'. Meu companheiro pediu que avisasse por email aos amigos do interior e do estrangeiro, e que colocasse em contato com Yoni Sánchez, a blogueira mais conhecida do país, para que ela nos ajudasse, coisa que ela fez. Como ela escreve em espanhol, comecei a traduzir seu blog para o francês", língua que Claudia domina.
A mensagem correu mundo e rendeu frutos. O líder do grupo foi posto em liberdade. E, ainda que pudesse ser condenado a quatro anos de prisão, não recebeu nada além de uma multa por "tumulto". Quanto a Claudia, o episódio lhe permitiu descobrir o poder da internet. "Primeiro pensei em criar um jornal na web, mas a ideia era maior do que eu", confessa Claudia. Depois, se decidiu por um blog, um diário de bordo de circulação esporádica. E com razão: Cuba autorizou há pouco tempo a posse de computadores pessoais, mas é proibido ter conexão com a internet a partir de casa. "Depois que escrevia meu texto, ia a um grande hotel de Havana com conexão à internet", explica. "Às vezes o colocava no ar por conta própria, outras vezes mandava para meus amigos que vivem no exterior. Eu não os conheço pessoalmente, mas eles se encarregavam de difundir os textos."
O tom de seu blog, Octavo Cerco, alusão aos círculos do inferno de Dante, varia de semana a semana. É gozador quando se trata de saudar a volta à capital dos vendedores ambulantes que haviam sido expulsos por Raúl Castro em nome das "mudanças", irônico quando Claudia investe contra alguns de seus amigos que se prestam ao jogo das "manifestações espontâneas" organizadas pelo regime, inflamado quando está em jogo os direitos humanos. Então as palavras se tornam duras, como ocorreu em fevereiro, por causa da morte do grevista de fome Zapata Tamayo. "É preciso ser implacável, indolente e tolo para deixar morrer alguém de fome. E é preciso ser muito, mas muito diabólico para tirar a vida de um homem por seus princípios", escreveu em seu blog. Nessa morte, agrega, "está o lamento de três gerações que se perderam e se esqueceram dessa maravilhosa palavra que tanto guarda: liberdade. Nela está o legado da absurdamente longa revolução cubana: nossos princípios mortos ou morto quem luta por eles".
Claudia não espera nada de um regime ao qual seu pai, diplomata de profissão, serviu com convicção, mas que ela abomina. Até as negociações iniciadas por Raúl Castro com a Igreja Católica para melhorar a condição dos prisioneiros políticos e liberar os mais doentes a deixam impávida. "Eu não creio em boas ações de um estado cuja existência é a prova do totalitarismo em que se apóia", se podia ler em um de seus textos mais recentes.
Na blogosfera cubana, o eco da jovem blogueira é muito real. Traduzidos por voluntários, seus textos podem ser lidos em seis idiomas. Em 2009, seu blog, em cuja primeira página se vê seu documento de identidade, foi selecionado como "o melhor blog do ano" sobre Cuba por um júri internacional, formado por jornalistas e escritores que acompanham os acontecimentos da ilha.
De seu lado, o regime tolera a blogueira dissidente, mas a mantém na mira. "Não posso participar de encontros onde poderia expressar minhas críticas. Sempre há alguém para impedir minha entrada. Me conhecem bem." Recentemente não pôde participar em Berlim de um encontro de blogueiros dissidentes que reuniu gente do mundo inteiro, iniciativa de uma ONG. Poucas horas antes da decolagem que a tiraria da ilha (pela segunda vez na vida), sua autorização foi negada. Sem explicação.
Do incidente saiu um texto saboroso, no qual relata sua jornada com riqueza de detalhes. "As oito horas de minha bela vida passada na fila, antes de ser interrogada sobre minha viagem, minha família, meu marido, meus estudos e inclusive a forma como me conecto com a internet", a via-crúcis de um guichê a outro no escritório de imigração, as entrevistas que se sucediam, as montanhas de papeis oficiais que teve de apresentar.... "Hoje vejo a negação do meu visto de saída e tenho paz: não doeu, não me surpreendi. É a longa linha com que vou escrevendo meu caminho, a certeza de que não me equivoquei. É a prova que o governo cubano me deu, apesar de seu partido e de seu estado, de suas certezas e de sua impunidade, que posso viver como uma mulher livre."
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