Escrito por Josias de Souza - Folha
Como faz sistematicamente a cada início de mês, Fernando Henrique Cardoso voltou à boca de cena neste primeiro domingo de julho.
Em artigo levado às páginas de vários jornais, o ex-presidente acusa Lula de montar uma “encenação para a eleição de outubro”.
Há quatro meses, FHC pespegara em Dilma Rousseff o apelido de “boneca de ventríloquo”.
No novo texto, o presidente de honra do PSDB realça a metamorfose a que foi submetida a candidata de Lula.
FHC estranha o sumiço da Dilma durona, dona de opiniões próprias: “Como numa fábula, a candidata do governo, bem penteada e rosada, quase uma princesinha nórdica..."
"...Dirá tudo o que se espera que diga, especialmente o que o ‘mercado’ e os parceiros internacionais querem ouvir”.
FHC recordou que, a despeito da submissão às conveniências da campanha, Dilma já declarou que “não é um poste. E não é mesmo, espero. Tem uma história, que não bate com o que se quer que ela diga”.
Lança no ar uma interrogação. Caso venha a ser eleita, Dilma “cumprirá o que disse?” De resto, FHC como que acomoda na cabeça de Lula um sombreiro.
Insinua que, à revelia do PT, o presidente escolheu Dilma à moda dos velhos mandachuvas do mexicano PRI: no “dedazo”.
O Partido Revolucionário Institucional, um das principais agremiações políticas do México, exerceu no país uma hegemonia longeva.
Entre 1929 e 2000, todos os presidentes mexicanos eram do PRI. “O presidente indicava sozinho o candidato a sucedê-lo”, recorda FHC.
O processo era “vedado ao olhar e às influências da opinião pública. No entanto, quando a escolha era revelada ao público –'el destape del tapado'–, o escolhido se via obrigado a dizer o que pensava”.
Para FHC, dá-se o mesmo no Brasil de Lula. A golpes de dedaço, o presidente apontou Dilma. “Só que ela não pode dizer o que pensa para não pôr em risco a eleição. Estamos diante de um personagem a ser moldado pelos marqueteiros”.
Evocando a biografia de Dilma, uma ex-esquerdista radical, FHC carrega na ironia: “Antigamente, no linguajar que já foi da candidata, se chamava isso de ‘alienação’.”
O artigo do grão-duque do tucanato chega num instante em que o presidenciável do PSDB leva ao noticiário insinuações de que sua rival foge ao debate.
Dilma já deixou de comparecer a duas sabatinas: uma promovida pelo portal UOL, outra organizada pela Confederação Nacional da Agricultura.
A hora não é de fuga, provoca FHC, mas “de cada candidato, com a alma aberta e a cara lavada, dizer ao país o que pensa”.
Na abertura de seu artigo, sob o título “Eleição sem maquiagem”, FHC chama a atenção para o drama econômico que eletrifica o planeta.
“O mundo continua se contorcendo sem encontrar caminhos seguros para superar as consequências da crise desencadeada no sistema financeiro”, escreve.
Acha que a cena pede “barbas de molho”. Menciona a crise na Europa, o ziguezague da economia dos EUA, a letárgica do Japão e as dúvidas que assediam a China.
“Não são sinais de uma retomada alentadora”, anota. Toma de empréstimo expressão recolhida de um editorial de jornal para alfinetar Lula:
“Enquanto isso, vive-se no Brasil oficial como se tivéssemos nos transformado em uma Noruega tropical”. Uma Noruega que se ajusta à “encenação” eleitoral da “fábula” estrelada pela “princesinha nórdica”.
“Assistimos ao espetáculo do crescimento, sem travas, dispensando reformas e desautorizando preocupações”, faz troça FHC.
Afirma que o Brasil fabuloso de Lula tornou-se “um mundo de prosperidade e o mundo, uma distante ilha em crise”.
Prossegue: “Baixo investimento em infraestrutura? Ora, o PAC resolve. Receio com o aumento do endividamento público e o crescente déficit previdenciário? Ora, preocupação com isso é lá na Europa. Aqui, não. Afinal, Deus é brasileiro. Só que a realidade existe...”
No mundo globalizado, afirma FHC, “a prosperidade de uns depende da de outros”. Acha que o Brasil não está livre de arrostar os efeitos da crise que vem de fora. Daí a defesa do debate franco, "sem maquiagem".
- Serviço: Aqui, a íntegra do artigo de FHC, disponível no portal do diário Zero Hora.
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