Por Guilherme Fiuza -
No primeiro debate entre os presidenciáveis, na TV Bandeirantes, a candidata do governo disse que “as mulheres brasileiras” estão preparadas para exercer a presidência. E revelouse “particularmente” interessada em investir na prevenção ao câncer. Dilma Rousseff quis dizer, com a sutileza que lhe foi possível: “Sou mulher e tive câncer. Votem em mim.”
É uma plataforma e tanto. Melhor que isso, só se Dilma fosse negra, pobre e analfabeta. Aí seria realmente imbatível na sucessão do operário nordestino mutilado, que instituiu o mito dos coitados no poder. Ela ainda não foi vista chorando a quatro olhos com Lula, mas isso é questão de tempo.
Ver Dilma Rousseff num debate ao vivo ajuda a entender por que são criados tantos personagens para fantasiá-la. Olhar fixo no nada, tom de voz estacionado na veemência automática, frases que ficam pela metade e saltam para uma conclusão categórica qualquer. “Sou contra o spread elevado”, encerrou a candidata, numa explicação tortuosa da política monetária que o governo popular fuma, e jura que não traga.
Como se sabe, Lula ficou sem sucessor depois que Antonio Palocci e José Dirceu caíram em desgraça. A ideia de oferecer ao país uma “presidenta” se encaixou bem no marketing do governo bonzinho, que dá dinheiro de graça aos pobres e critica o Banco Central (o milagre da oposição a si mesmo). A presidenta não poderia ser a ex-prefeita Marta Suplicy, nem mesmo a senadora Ideli Salvatti ou outra figura mais experimentada. Era preciso alguém que não fosse nada, para que no imaginário popular pudesse ser tudo. Uma espécie de fenômeno Collor.
A imagem final do debate na TV, com Dilma Rousseff gaguejando e baixando os olhos para ler a cola da mensagem que deveria deixar ao público, não poderia revelar um nada mais eloquente. Ao lado dela, Celso Pitta pareceria um Rui Barbosa.
É fácil compreender por que o povo, segundo pesquisas qualitativas, não acreditou na Dilma gestora, gerentona, xerifa, dama de ferro, princesa do pré-sal e outras embalagens sugeridas. A líder nas pesquisas de opinião é, basicamente, Lula. Mas como Lula tem barba e vai embora, sua criatura não poderia ficar andando sozinha por aí sem identidade. Surgiu então a solução segura, já posta na rua pelos arautos petistas: Dilma é mãe.
Não mais a “Mãe do PAC” — até porque o menino, que puxou a ela, tem fisionomia um tanto indefinida. Dilma é simplesmente “mãe”. Aí não pode ter erro. Lula já explicou a abrangência da coisa, numa palestra em Curitiba ao lado de sua candidata: “Se vocês ainda têm preconceito em votar numa mulher, parem de ser besta. Ela lhe pariu, ela formou o seu caráter. Dê uma chance à sua mãe, já que ela deu tantas chances a você.”
Pronto. Cada brasileiro tem agora a possibilidade de deixar de ser ingrato, e retribuir a quem sofreu para colocá-lo no mundo. O Brasil, que até outro dia tinha 190 milhões de técnicos, agora tem 190 milhões de filhos da Dilma. E um filho do Brasil.
Depois de se assistir à candidata do governo sozinha na TV se embaralhando com siglas, percentuais e “mágicas financeiras” que ela diz não entender — e disso ninguém duvida —, dá para compreender por que o presidente decidiu botar a mãe no meio. A opção pela mitologia é mais garantida, até porque em time que está ganhando não se mexe. O problema é quando a realidade aparece para estragar o enredo.
De repente, Lula virou o possível salvador de uma mãe iraniana. Acusada de adultério, ela foi condenada à morte por apedrejamento. O caso logo chegou ao presidente brasileiro, em forma de apelo, por sua relação de camaradagem com o ditador do Irã. Lula foi coerente ao negar ajuda:
“Um presidente da República não pode ficar na internet atendendo todo pedido que alguém pede de outro país. É preciso tomar muito cuidado porque as pessoas têm leis, as pessoas têm regras. Se começarem a desobedecer às leis deles para atender ao pedido de presidentes, daqui a pouco vira uma avacalhação.”
A pressão cresceu e Lula acabou cedendo à avacalhação, pedindo clemência à condenada. Não deixou de fazer mais um carinho no presidente sanguinário, “meu amigo Ahmadinejad”, como se pedisse com jeitinho para ele pegar leve desta vez. Foi ignorado.
Não se sabe o que as mulheres e as mães iranianas pensam de Lula, o chapa do carrasco. Mas possivelmente achassem no mínimo exótico que seja o mesmo a fazer do feminismo e da maternidade a bandeira central da sua sucessão.
Resta saber o que as brasileiras e os brasileiros acham disso. E do Plano Dilma como promessa nacional de cuidado, carinho maternal e feminilidade. Olhando para o feitio, a oratória e as práticas da candidata, talvez o bebê dinossauro, do famoso desenho animado, soltasse seu bordão de autodefesa: “Não é a mamãe!” Mas dinossauro não vota.
Fonte - Jornal “O Globo”
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