O olhar de quem acaba de ser demitido por justa causa recomendava descanso. A voz de quem implora para que o bigode cresça e cubra o rosto inteiro sugeria que deixasse a entrevista para o dia seguinte. Mas Aloízio Mercadante não se emenda. Perto da meia-noite, frustradas as manobras para pousar no segundo turno a bordo de um tapetão, o senador em fim de mandato convocou a imprensa para avisar que não é um político em fim de carreira.
“Eu considero os votos que tivemos uma grande vitória política”, começou o candidato derrotado por Geraldo Alckmin. Como é que é?, deixaram de berrar em coro todos os jornalistas presentes. Pode o capitão do barco que naufragou pela segunda vez na mesma rota alcançar a praia semimorto e fazer de conta que é surfista? Por polidez ou cumplicidade, ninguém pareceu espantado.
Autorizado pelo silêncio, Mercadante foi em frente: “Metade do Estado escolheu a mudança, a outra a continuidade do governo que aí está há 16 anos”. As contas do Herói da Rendição somam os milicianos do PT, os capitalistas selvagens e os socialistas do século 18 igualados por Paulo Skaff, os justiceiros que votaram no carcereiro-jornalista Celso Russomano e o povo da floresta cujo pajé é Fabio Feldmann.
Como não existem entre os eleitores de José Serra e Marina Silva as distâncias cósmicas que separam essas tribos paulistas, Mercadante acabou piorando um pouco mais o péssimo domingo de Lula. Aplicado o raciocínio à disputa presidencial, o líder do governo no Senado entende que o principal candidato da oposição teve uma grande vitória política. A continuidade do governo que aí está há oito anos é desejada por menos que a metade dos brasileiros. A maioria escolheu a mudança.
Serra talvez devesse entrevistar Mercadante no primeiro programa eleitoral do segundo turno.
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