Por Josias de Souza - Folha Online
O empréstimo de R$ 2,5 bilhões concedido pelo FGC (Fundo Garantidor de Crédito) ao Grupo Silvio Santos teve condições especiais. Deu-se ao empresário dez anos de prazo para liquidar a dívida contraída para cobrir o rombo detectado no seu banco, o PanAmericano.
A primeira parcela só vence em junho de 2014. Silvio Santos não pagará um centavo de juros. O valor das prestações será corrigido apenas pela variação da inflação.
As condições de pai para filho foram reveladas pelo próprio Silvio Santos, numa entrevista ao repórter Eurípedes Alcântara: “Acho que negociei bem com o Fundo Garantidor de Créditos, o FGC. Eles queriam que eu pagasse juros sobre aquele valor. Eu disse que juros eu não pagaria...”
“...Aceitei apenas corrigir o desgaste inflacionário em cima do dinheiro. Tenho dez anos para pagar, com três anos de carência. Isso significa que a primeira parcela vence em junho de 2014. Até lá, tenho só de cobrir a inflação”.
Para se desvencilhar da “pancada”, Silvio diz que vai vender algumas de suas empresas. Planeja se desfazer inclusive do controle do PanAmericano. E quanto ao SBT? Bem, a emissora de TV só será levada ao balaio em último caso. “Vou fazer de tudo para não vender”, afirmou Silvio.
Todo o restante de seu império empresarial vai à gôndola: “Estou com quase 80 anos e não tenho interesse especial em bancos ou indústrias de cosméticos. Posso vender empresas e ficar com a televisão, que penso em deixar para minhas filhas que se interessam por comunicações”.
Antes da encrenca, Silvio planejara vestir o pijama no ano que vem. Teve de dar meia-volta: “Vou adiar o plano de aposentadoria. O problema com o banco me fez buscar energias para entender o que está acontecendo e para negociar. Não tenho por que estar abatido...”
“...Meu banco quebrou, mas não dei prejuízo a ninguém, não peguei dinheiro público, ofereci garantias de sobra pelo empréstimo e ainda tenho dez anos para pagar”.
De fato, Silvio deu o patrimônio de suas empresas como garantia ao FGC. Como o sapo de Guimarães Rosa, não pulou por boniteza, mas por precisão. Se a coisa caminhasse para a liquidação do banco, Silvio teria todo seu patrimônio automaticamente bloqueado pela Justiça.
O FGC, entidade que socorreu Silvio Santos, é um ente privado. Foi criado sob FHC, nas pegadas do Proer, o programa de saneamento do sistema bancário.
No papel, visa proteger a clientela das instituições financeiras. Até aqui, só entrara em campo depois da liquidação extrajudicial das casas bancárias.
O caso do PanAmericano foi o primeiro em que FGC agiu para evitar que uma instituição fosse à breca. A operação foi monitorada e aprovada pelo BC. Tudo isso, em meio a evidências de fraudes. Malfeitos que o BC só farejou depois de a Caixa Econômica tornar-se sócia do mico.
Na entrevista, Silvio diz ter sido informado do rombo no PanAmericano em 11 de setembro. Era um sábado, dia em que Silvio grava programas no SBT. Ele conta: “Em um dos intervalos, me entregaram um telefone celular e disseram que era urgente. Pensei nas minhas filhas...”
“...Elas estavam viajando, e fiquei preocupado. Não eram elas. Era o presidente da holding. Ah não...! Em sábado de gravação não falo sobre questões empresariais. Mandei-o ligar depois. Bem, era a questão do PanAmericano. Disseram-me que o Banco Central já estava trabalhando lá dentro fazia três semanas e que tinha sido encontrado um rombo contábil bilionário...”
“...Foi um baita susto. Como o Banco Central estava havia três semanas em meu banco e não me informam de nada?”
Onze dias depois de receber a notícia do rombo pelo celular, Silvio voou até Brasília. Foi recebido por Lula, no Planalto, em 22 de setembro.
A audiência não constava da agenda. Silvio entrou no gabinete presidencial às 11h25. Naquela hora, anotava a lista de compromissos de Lula, seria recebido Henrique Meirelles.
Reza a versão oficial que Meirelles, presidente do BC, não participou da conversa. Diz-se, de resto, que Silvio e Lula não trocaram palavra sobre a encrenca do PanAmericano.
Teriam conversado apenas sobre o Teleton, programa que Silvio leva ao ar uma vez por ano, para coletar doações destinadas ao tratamento de crianças excepcionais.
Silvio diz ter solicitado a Lula que fizesse uma doação de R$ 13 mil. O presidente não abriu, porém, o bolso.
Afora o mistério que envolve a conversa amena do Planalto, travada em meio ao incêndio, o caso do PanAmericano esconde outro enigma.
Por que as empresas de auditoria não enxergaram a cratera de R$ 2,5 bilhões aberta na escrituração do banco de Silvio Santos?
O próprio Silvio se pergunta: “E as auditorias que davam tudo como perfeito? A Deloitte, a KPMG e os analistas do Banco Fator, que fizeram uma avaliação do PanAmericano, nada encontraram...”
“...Como acionista, eu recebo relatório mensal sobre o banco, o RGA, e não havia o menor sinal de irregularidade”.
Duas das logomarcas citadas por Silvio –KPMG e Banco Fator—perscrutaram os livros do PanAmericano a serviço da Caixa Econômica.
Informada pelos auditores de que o banco operava no azul, a Caixa adquiriu 49% das ações do PanAmericano, em novembro de 2009.
Com essa operação, foram empurrados para dentro do rombo R$ 739,2 milhões em recursos da Viúva, veneranda e eternamente desprotegida senhora.
Para sorte de todos os envolvidos, o PanAmericano é um banco. Se fosse uma padaria, o forno deixaria de assar pães, a porta seria cerrada e não se falaria mais nisso.
Acionados, o Ministério Público e a Polícia Federal abriram investigações para descobrir o que sucedeu no PanAmericano.
Recomenda-se aos curiosos que puxem uma cadeira. Em pé, pode cansar.
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