Um notável assassino da verdade

Se você é do tipo que tem apreço pelos fatos, não faz o que fez a TV Cultura só para provar que, não tendo telespectadores, não tem também preconceitos nem se subordina ao PSDB: chamar Franklin Martins, o ministro da Supressão da Verdade, para um debate. Porque ele há de exercitar a sua especialidade, ora essa: suprimir a… verdade! Assim, independentemente da questão partidária, há um óbice de natureza ética: raposas não arbitram sobre galinheiro. Este gigante moral deixou claro ontem o que entende por liberdade de imprensa: armou uma entrevista do presidente Lula, que é figura pública, com blogueiros. Mas havia uma exigência: eles tinham de ser “progressistas”. E o evento — bisonho, constrangedor — reuniu os blogs que fizeram campanha para Lula, alguns deles financiados, de modo oblíquo, por dinheiro público. “Queria ser convidado, né?” Não queria. Tivesse sido, não teria ido. Há outros que não têm o nariz marrom. Mas não servia.

Franklin é autor de algumas teses famosas no jornalismo. A mais ousada, sem dúvida, é aquela que assegura que o mensalão nunca existiu — e vocês verão daqui a pouco como ele continua a investir de modo determinado contra os fatos. Essa “coragem” lhe garantiu o apreço de Lula. No poder, sua mais obstinada tarefa tem sido tentar se vingar da Rede Globo, que lhe pregou um pé no traseiro. Tenta transformar a sua vendeta pessoal numa causa pública. E o faz com o caráter sem fronteiras de sempre. Franklin é aquele homem capaz, ainda hoje, de relatar, às gargalhadas, que a ordem era mesmo matar o embaixador americano Charles Elbrick se o governo não atendesse às reivindicações dos seqüestradores. O filme está aqui. Ele era um dos chefetes da ação e foi quem redigiu o manifesto anunciando a operação e fazendo as exigências. Talvez fosse candidato a fazer com Elbrick o que faz cotidianamente com a verdade.

Quem garante?
Em sua intervenção, o ministro da Supressão da Verdade afirmou que “o governo garantiu a liberdade de imprensa, mesmo apanhando muito”. Bem, é mentira! O governo não garante coisa nenhuma! A garantia vem da Constituição Federal. Os valentes não censuram oficialmente a imprensa porque não podem, não porque não queiram. E acrescentou uma frase de efeito, que costuma repetir, acreditando certamente se tratar de um fabuloso achado: “A imprensa é livre, o que não significa que seja boa”. Franklin deu mostras ontem do que entende por imprensa boa e livre…

Ao defender o que chama de “regulação” do setor, tentou fazer um pouquinho de sociologia, esforço que, no seu caso, é sempre barateado por sua incompreensão essencial do que seja democracia e pluralidade. E, mais uma vez, espancou a verdade com incrível determinação. Leio no Estadão Online — que não se ocupou de, objetivamente, deixar claro que há uma contradição entre a afirmação do ministro e os fatos:

Martins citou ainda o episódio da bolinha de papel como exemplo. “A TV Globo coloca no ar uma reportagem de sete minutos que há anos atrás seria incontestável. No dia seguinte, outras pessoas já haviam decomposto quadro a quadro e viram que não havia a trajetória do segundo objeto. Quer dizer, a informação foi questionada”. Segundo ele, essa alteração na forma de produzir a informação gera desconforto. “Vamos ter de nos adaptar a fazer um novo jornalismo. O leitor terá mais filtros, mais questionamentos”, disse. “Teremos muito mais imprensa do que temos hoje”, acrescentou.

É uma afirmação delinqüente de vários modos:
1 - quem afirma, a não ser os blogs sujos que servem ao governo, que “não havia a trajetória” do segundo objeto?;
2 - perícia técnica demonstrou, ao contrário do que ele diz, que existiu, sim;
3 - o SBT mandou fazer outra perícia para tentar contestar aquela levada ao ar pela Globo. Os peritos chegaram à mesma conclusão. A emissora não levou o resultado ao ar, mas se desculpou publicamente pela tal reportagem da “bolinha de papel”;
4 - a contestação a que Franklin se refere era parte da campanha eleitoral, sem qualquer credibilidade técnica;
5 - assim como o mensalão é evidente, e Franklin nega, agressão a Serra foi evidente, e Franklin também nega.

Que homem notável! Numa única consideração, ataca o PSDB e a Rede Globo, tentando sugerir uma espécie de conluio entre ambos. Notem: um ministro de Estado deslocou-se de Brasília para São Paulo para protagonizar, a exemplo do que faz seu chefe, mais um capítulo da disputa eleitoral. Os petistas, naturalmente, não seriam “ousados” a ponto de chamar um detrator do partido para um seminário promovido pela TV Brasil — lá, só entra quem conta com as bênçãos de Franklin. Mas a TV que ESTARIA sob a influência dos tucanos (nunca esteve!) convida o Supressor da Verdade para vir espancar o PSDB em São Paulo. E não que eu ache que uma e outra emissoras deveriam servir aos interesses, respectivamente, de petistas e tucanos. O que estranho é que as duas, na prática, acabem servindo ao petismo.

Observem que o próprio texto do Estadão trata, em linguagem referencial, a agressão como “episódio da bolinha de papel”. Não pensem que esse trabalho de Franklin e do subjornalismo sujo — que não se limita aos bloguezinhos; o que conta mesmo são redes de TV, portais e alguns jornais — é irrelevante. Não é, não! Contamina mesmo um veículo que não pertence à escória a soldo.

Franklin afirmou ainda:
“Não consigo ver nenhum problema do presidente Lula criticar tal ou qual revista. A imprensa não está acima da crítica. Aliás, nem o presidente Lula nem eu nem a Dilma. É normal ser criticado. Isso não afeta em nada a liberdade de imprensa. Há pessoas que, diante da crítica, acham que a liberdade de imprensa está ameaçada. Eu não acredito nisso. A crítica ajuda a crescer”.

?Quem está falando? O comandante da Conferência de Comunicação, que aprovou propostas que, na prática, instituem a censura no Brasil; o representante de um governo que já tentou sepultar a liberdade de imprensa com o Conselho Federal de Jornalismo e com uma estrovenga que, aparentemente, dedicava-se à defesa dos direitos humanos. Assim, o governo não se limita a “criticar” a imprensa; tenta amordaçá-la mesmo. Ademais, aplica de modo determinado outra forma nada sutil de controle: usa a verba publicitária do governo e das estatais para punir desafetos e premiar aliados — chegando ao extremo de financiar a pistolagem na Internet.

Mas por que não o faria o negador do mensalão, o negador da agressão a Serra, o homem que gargalha quando fala em homicídio?

Franklin deve acreditar que só escrevo isso porque ele e Lula deixam. Não! Só escrevo isso porque a Constituição me permite e porque é verdade:
- ele nega o mensalão:
- ele nega a agressão;
- ele gargalhou ao falar em homicídio. O próximo seminário da TV Cultura terá como tema: “Goebbels, um homem que revolucionou a verdade”

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