Gim Argello renuncia ao cargo de relator do Orçamento. Mas ainda é um caso de polícia

O reincidente incorrigível não será castigado pelos parceiros de Senado. A Casa do Espanto não pune suas atrações. Pena que o Brasil seja tão compassivo com os bandidos que operam de terno, protegidos por imunidades parlamentares e longe do Morro do Alemão. Se a Justiça valesse para todos, o homem que entrou no Congresso pela porta dos fundos já teria saído na traseira de um camburão.

Os senadores Gim Argello e Renan Calheiros (Foto: Dida Sampaio)
Enfiado até o pescoço em bandalheiras de grosso calibre, em qualquer país menos complacente com meliantes o cidadão Jorge Afonso Argello estaria no banco dos réus, na cadeia ou foragido. Num Brasil cada vez mais parecido com lugarejos fora-da-lei de faroeste americano, Gim Argello é senador, dirigente do PTB e conselheiro de Dilma Rousseff. Como não há limites para o absurdo, foi até a tarde desta terça-feira o relator do Orçamento da União. Acaba de renunciar ao cargo para continuar exercendo o direito de ir e vir entre o Congresso e o Planalto.

Nesta segunda-feira, uma reportagem do Estadão comprovou que, mais que uma raposa escalada para tomar conta do galinheiro, Argello era a raposa que, dentro do galinheiro, mantinha a entrada escancarada ao resto da espécie. Se já vigorasse o “controle social da mídia”, o espetáculo da roubalheira federal, reprisado a cada edição do Orçamento, seria reapresentado sem que o diretor Gim Argello sequer se desse ao trabalho de retocar o enredo.

Contratos superfaturados, instituições fantasmas, entidades com endereços inexistentes, larápios conhecidos representados por laranjas, boladas remetidas sem escalas ao bolso dos amigos ou à conta bancária dos parentes ─ nenhuma prática fraudulenta ficou fora do script que orientou a movimentação dos canastrões de sempre. Tudo somado, a farra não sairia por menos de R$ 16 milhões.

Confrontado com o vistoso buquê de emendas criminosas que subscreveu, o relator alegou que cabe ao governo apurar irregularidades. Homem de boa-fé, ele se apoiara na premissa de que todos os fantasmas são reais, incluídos os que inventou. Uma das emendas assinadas por Argello, por exemplo, repassava R$ 250 mil a uma ONG pertencente a uma amiga condenada pela Justiça.

“Acatei o pedido com boa intenção, mas agora não atendo mais ninguém”, fingiu magoar-se antes de constatar que chegara a hora de sair de cena antes da aparição de mais obscenidades. “Solicitei formalmente ao Ministério Público Federal, à Controladoria Geral da União e ao Tribunal de Contas da União que façam um pente fino nestas emendas”, diz um trecho da carta-renúncia. “Levo comigo a serenidade e a tranquilidade”. Vai perdê-las se a solicitação anterior for imediatamente atendida pelas entidades mencionadas.

Suplente do senador Joaquim Roriz, Gim Argello assumiu a vaga aberta pela renúncia do titular em 17 de julho de 2007. Para evitar que fosse despejado do gabinete novo pelo prontuário antigo, aproximou-se do grupo liderado por José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá. Para garantir a impunidade, aproximou-se de Dilma Rousseff pelo caminho mais curto: virou amigo de Erenice Guerra. Negociante de fino faro, ele sempre sabe com quem está falando.

O reincidente incorrigível não será castigado pelos parceiros de Senado. A Casa do Espanto não pune suas atrações. Pena que o Brasil seja tão compassivo com os bandidos que operam de terno, protegidos por imunidades parlamentares e longe do Morro do Alemão. Se a Justiça valesse para todos, o homem que entrou no Congresso pela porta dos fundos já teria saído na traseira de um camburão.

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