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Bradford Berenson se lembra do sujeito que fumava tranquilo do lado de fora da Gannett House, jeans e jaqueta de couro, naquele final de verão. Um "cara sossegado do Havaí", calado, com um quê de exotismo e sem nenhuma pinta de ambição.
Era 1989, e os ânimos andavam polarizados em Cambridge, Massachusetts. A casa em questão, a mais antiga da Faculdade de Direito de Harvard, 21 anos depois ainda abriga sua principal publicação estudantil, a "Harvard Law Review".
Já o sujeito descrito por Berenson hoje tenta parar de fumar. E ocupa a Casa Branca. "[Barack] Obama era querido pelos colegas, mas não era um desses tipos ultra-ambiciosos que se encontra tanto em Harvard", disse à Folha o advogado, que trabalhou no governo de George W. Bush e hoje é sócio em um escritório em Washington. "Ele era mais "cool"."
O então estudante de direito Barack Obama posa para foto no campus da Universidade Harvard no início dos anos 90
Berenson se formou com Obama em 1991. Nos dois anos finais do curso, eles foram colegas na revista jurídica mensal da qual o democrata se tornou, em 1990, o primeiro presidente negro.
Os sentidos de "cool" citados pelo advogado são os mesmos atribuídos ao presidente hoje: por um lado sangue frio e distanciamento; por outro, o ar de cara bacana e seguro de si.
"A personalidade dele era fria em um lugar cheio de divisões e de paixões políticas e filosóficas", recorda. "Mas era um cara que atraía as pessoas com sua calma."
O impacto de Obama em seus professores foi forte, sobretudo nos progressistas. O renomado constitucionalista Laurence Tribe, a quem Obama tomaria como mentor, lembra-se de quando o conheceu, ainda calouro, em março de 1989.
"Ele veio ao meu gabinete discutir questões constitucionais antes mesmo de se inscrever no meu curso", contou Tribe em e-mail à Folha. "E me impressionou tanto que, no ato, o convidei para ser meu principal assistente de pesquisa. Nunca fiz essa oferta a outro calouro."
Em entrevista à "Gazeta de Harvard" após a eleição presidencial de 2008, a hoje reitora Martha Minow descreveu Obama como um aluno "que tinha uma eloquência e um respeito admiráveis entre os colegas".
Ele alçou a antecessora de Minow, Elena Kagan, para a Suprema Corte. Nove outros professores da escola frequentam hoje as fileiras de seu governo.
METAMORFOSE
Em 1989, porém, as aspirações de Obama ainda eram latentes. Berenson demorou a perceber que o colega, pouco afeito às discussões esquentadas da Gannett House, poderia presidir a "Law Review". Muito menos que enveredaria pela política. A mudança, conta, se operou lá dentro.
Para David Remnick, autor da competente biografia "A Ponte" (2010), foi em Harvard que o presidente americano percebeu seu potencial e passou a alimentar uma ambição política.
Até então ele havia sido um aluno mediano. "Foi a Faculdade de Direito que o acordou politicamente", disse Remnick à Folha.
A escola que formou 6 dos atuais 9 juízes da Suprema Corte e funciona desde 1817 é a mais antiga dos EUA ainda na ativa. Com Yale, encabeça os rankings da área.
"Essa elite o escolhe", diz o biógrafo. E a eleição do primeiro negro para comandar a revista teve repercussão nacional. "É aí que Obama passa a ter noção de suas possibilidades na vida adulta." Berenson lembra com ironia que um ponto que diferenciava o colega dos demais candidatos era que ele parecia "menos oportunista".
"Quando nos formamos, já era piada corrente que ele tinha aspirações políticas."
O "New York Times" e o "Los Angeles Times" de 6 de fevereiro de 1990 destacaram a eleição. Nas reportagens, Obama declara que o fato de ele, negro, chegar ali era "um enorme progresso". Havia, porém, "muito por fazer".
Mas nem o biógrafo nem o colega veem no jovem Obama o conflito interno para firmar sua identidade racial --pano de fundo de seu livro de memórias "A Origem dos Meus Sonhos" (1995).Nessa época, ele já namorava Michelle Robinson, a ex-aluna de Harvard com quem se casaria em 1992 e que conhecera no estágio de verão em um escritório de Chicago.
Após a formatura, rejeitou convites de escritórios renomados e a chance de ser assistente de um juiz na Suprema Corte dada aos presidentes da "Law Review". Preferiu um escritório menor, de direitos civis, em Chicago.
"Menos de 1 em cada 100 estudantes recusa essa chance", comenta Berenson. "Já era um sinal claro de que ele pretendia seguir na política."
Tivesse escolhido uma cidade maior para atuar, avalia Remnick, sua ambição poderia acabar esmagada.
CONCILIADOR
Durante o crucial período editando a "Law Review", Obama ganharia fama de conciliador. Como agora, os ânimos estavam acirrados.
"Era um ambiente político muito azedo na Faculdade de Direito, e a resenha condensava isso", conta Berenson.
Ação afirmativa e raça eram debates quentes. "Os alunos discutiam sobre a nomeação de professores. As pessoas se davam bem, mas, nas salas de aula e na revista, havia uma dose de conflito."
O advogado afirma que o presidente era respeitado e estimado na ala direitista da publicação. Quem se irritava, diz, era a esquerda mais radical --situação ecoada hoje na crítica progressista de que Obama esmoreceu.
"Era claro que ele era de esquerda, mas na edição da revista ele era muito mais pragmático e conciliador do que combativo", descreve.
Por isso, Berenson não esperava o que chama de "o presidente ideológico" dos primeiros 20 meses de governo (os dois não eram próximos, embora tenham mantido contato esporádico).
Para o ex-colega, "o Obama que vimos desde a eleição legislativa em novembro", quando o governo perdeu para os republicanos a maioria na Câmara, "se parece muito mais com aquele Obama da "Law Review"".
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