Tavares, o canalha, foi um dos grandes tipos criados por Chico Anysio. Sempre de pileque, copo de uísque na mão, topete de galã de antigamente, terno e gravata amarfanhados que identificam boêmios de botequim, o personagem passava o tempo tentando conciliar o noivado com a moça rica e feia com assédios explícitos às empregadas da casa ou às amigas do alvo do golpe do baú. O quadro terminava com o bordão popularíssimo no Brasil dos anos 70: “Sou, mas quem não é?”
O PT é uma espécie de Tavares da política brasileira: a cada canalhice consumada, alega ter feito o que todo mundo faz. Os companheiros começaram a incorporar a criatura de Chico Anysio em 2005, quando o escândalo do mensalão revelou que o templo das vestais era só o esconderijo das messalinas. Aperfeiçoado ao longo do segundo mandato de Lula, o script se repete com ligeiros retoques a cada bandalheira descoberta pela imprensa. Enquanto atribui a denúncia da vez a “manobras políticas”, o partido que antes reivindicava o monopólio da ética agora prefere acusar o inimigo de ter incorrido no mesmo pecado. Todos são canalhas.
Contada pelos devotos de Lula, a história recente do país não tem nada a ver com o mundo real. Informa, por exemplo, que a roubalheira do mensalão não foi o maior de todos os escândalos, mas uma confusão envolvendo recursos não contabilizados. Muito mais graves foram o mensalão mineiro, coisa do PSDB, e o mensalão do DEM, protagonizado em Brasília pela turma do ex-governador José Roberto Arruda.
Na campanha presidencial, a mesma alquimia tentou equiparar Erenice Guerra, que fez da Casa Civil o covil da quadrilha chefiada pela melhor amiga de Dilma Rousseff, a um certo Paulo Preto, que na hipótese mais sombria embolsou dinheiro doado por empresas privadas à campanha de José Serra. Também ampliada pela lupa da malandragem, a partilha de obras do metrô combinada por grandes empreiteiras nem precisou acontecer para ser apresentada como um crime bem mais hediondo que o estupro do sigilo fiscal de dirigentes do PSDB.
“Quanto mais mentiras contarem sobre nós, mais verdades diremos sobre eles”, prometeu José Serra às vésperas do lançamento oficial da candidatura à Presidência. Cabe ao governador Alberto Goldman cumprir a promessa que Serra esqueceu no discurso. Com a determinação e a ênfase que faltaram ao candidato, Goldman precisa cobrar o pronto esclarecimento do assassinato de Walderi Braz Paschalin, prefeito de Jandira eleito pelo PSDB. Só a identificação dos criminosos e a aplicação do castigo que merecem podem evitar que o PT transforme Paschalin num Celso Daniel tucano e Jandira numa Santo André do PSDB.
Quem acha que os fins justificam os meios é capaz de vender a mãe (e entregar a domicílio), tratar o pai a bofetadas, roubar a poupança da avó, encontrar semelhanças entre Lula e Winston Churchill ou entre os dois crimes sem parentesco. Celso Daniel já fora escolhido para exercer na campanha de 2002 as funções que, repassadas a Antonio Palocci, pavimentaram o caminho que o levaria ao Ministério da Fazenda. Paschalin era só mais um entre centenas de prefeitos tucanos.
Os cofres abarrotados da prefeitura de Santo André continham boladas suficientes para bancar campanhas do partido e a boa vida da companheirada. Não é o caso de Jandira. Mas os companheiros já decidiram que houve na cidade um crime decorrente de motivações políticas que negam ter existido em Santo André. E agora desconfiam de que o prefeito tucano andou pagando a vereadores o que batizaram de “mensalinho”. É preciso ser muito canalha para agir dessa forma, dirão os leitores. Mas quem não é?, retrucarão os sócios do clube dos cafajestes.
O Brasil decente espera que Goldman, a polícia e a Justiça encerrem o quanto antes o espetáculo da desfaçatez. Para tanto, basta que o crime seja inteiramente desvendado e que se aplique aos autores a punição devida. Feito isso, que se estenda o exemplo ao caso ainda pendente de Santo André. É preciso impedir que o PT use um cadáver para livrar-se da assombração que o persegue há oito anos ─ e haverá de persegui-lo até que a verdade seja exumada.
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