'É só o começo das manifestações', diz vítima de Battisti

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Alberto Torregiani, que ficou paraplégico e perdeu o pai, não desistirá de pedir punição ao terrorista. Ele falou ao site de VEJA antes de reunião com Berlusconi

"Eu sou a prova viva de que esse sujeito é um assassino", disse Alberto Torregiani, que se encontrou com o premiê Silvio Berlusconi (Luca Bruno/AP)

“Lula gosta de dizer que lutou pela democracia do Brasil e que essa era sua finalidade. É de se esperar que uma pessoa que diga isso tenha humanidade e respeito pela civilidade, o que não aconteceu. Eu sou a prova viva de que Battisti é um assassino"

Alberto Torregiani tinha 15 anos quando o sonho de ser jogador de futebol acabou. Integrantes do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) invadiram a joalheria de seu pai em Milão e, sem dizerem uma palavra, fuzilaram o proprietário e deixaram o filho paraplégico. Nas décadas seguintes, Torregiane transformou em causa pessoal e política fazer com que o mandante do crime, o terrorista Cesare Battisti, fosse punido conforme as leis italianas.

A decisão de não extraditar Battisti, tomada pelo ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva no apagar das luzes do seu governo, deixou Torregiani indignado. Na noite de segunda-feira, ele falou com exclusividade ao site de VEJA, poucas horas antes de se encontrar com o premiê italiano Silvio Berlusconi e de comandar protestos contra a decisão brasileira em 20 cidades de seu país. “Lula gosta de dizer que lutou pela democracia do Brasil", diz ele. "É de se esperar que uma pessoa que diga isso tenha humanidade e respeito pela civilização. Eu sou a prova viva de que Battisti é um assassino.”

Torregiani previu que, no encontro com ele, Berlusconi adotaria um discurso contemporizador - como de fato aconteceu na tarde desta terça-feira. Mas diz não desiste de fazer justiça. “Não seremos fracos", disse ele.

Leia a entrevista na íntegra:

Como foram organizadas as manifestações desta terça-feira?
Por conta própria, pessoas de diversas cidades me procuraram perguntando o que podiam fazer para colaborar. As manifestações nessas 20 cidades são para demonstrar que não é uma questão particular, mas uma coisa muito, muito séria. Que sirva também para que, no futuro, se o Brasil pensar em agir assim novamente, esteja muito atento. Não está certo desrespeitar a Justiça de um país. E não ficaremos calados, não aceitamos essa condição. Também não iremos parar por aqui. Outras manifestações virão, esta é só o começo.

O que o senhor achou da decisão do ex-presidente Lula? É incompreensível. Tudo se baseia em uma teimosia, porque ele mesmo e todo o seu governo sabem que o que fizeram está errado. Sabem que temos razão, que Battisti é um criminoso. Concederam refúgio a um assassino. Essa pessoa matou duas pessoas, ordenou a morte de outras duas, destruiu famílias. São muitas coisas. Não consigo entender, não posso aceitar que o governo de vocês diga não a algo que diz respeito ao nosso país e à nossa Justiça. Lula gosta de dizer que lutou pela democracia do Brasil. É de se esperar que uma pessoa que diga isso tenha humanidade e respeito pela civilização, o que não aconteceu.

O senhor defende retaliações da Itália ao Brasil? Acredito que a intenção da Itália não é atacar ninguém, nem retaliar ninguém. Nosso governo respeita as leis internacionais, e se precisamos esperar uma resposta, esperaremos. Mas não é só o governo que está se mexendo, ele não agirá sozinho. Toda a população italiana está reunida em manifestações que começam nesta terça-feira. Não há ninguém na Itália que esteja de acordo com essa decisão. Não estamos inventando uma situação. Trabalho há anos por uma justiça não apenas pessoal - de quem perdeu o pai, teve a família destruída e ficou preso a uma cadeira de rodas - , mas também pela justiça aos cidadãos italianos. Eu sou uma prova viva de que Battisti é um assassino.

O senhor acredita que a presidente Dilma possa reverter a decisão? Esse é o primeiro problema institucional de Dilma e desse fato pode depender como serão as relações de seu governo com a Itália. Lula foi comemorar seu ano novo e deixou esse problema para quem ficou. Não é apenas a Itália que está vendo como o Brasil se comporta. Os olhos do mundo estão voltados para o país.

Pode contar como foi o dia 16 de fevereiro de 1979? Um mês antes, meu pai estava em um restaurante quando ladrões deste grupo assaltaram o lugar. Foram até meu pai, que estava com seu material de trabalho. Ele se defendeu. Dias depois, um jornalista escreveu “Píer Luigi Torregiani, xerife de Milão”, e os terroristas sentenciaram meu pai à morte. Passaram as semanas seguintes telefonando todos os dias para o meu pai dizendo que o matariam. Naquela tarde fazíamos o que se fazia em todas as outras. Abrimos a joalheria e, quando meu pai estava na frente da janela, alguém o chamou pelo nome. Meu pai respondeu. Atiraram. Meu pai reagiu atirando, instintivamente. Eu estava no meio dos disparos, fui atingido nas costas. Meu pai morreu. Não houve diálogo. Não há diálogo. Aquela gente não conversa. Acham que você deve ser eliminado, e te eliminam.

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