Diário de Dilma Rousseff: A manicure e o sonho de valsa

Nada me impressionou, a não ser, o gosto musical. Gostar de Emilinha Borba e de outros dinossauros, posso imaginar o restante da "modernidade". Quando digo que não me impressiono, é porque o linguajar dessa gente é o mais chulo possível. Eis, a presidente do Brasil!  Aí, Jesus! É mole? Movcc/Gabriela


“DIÁRIO DA DILMA”, PUBLICADO NA EDIÇÃO 54 DA REVISTA PIAUÍ

30 DE JANEIRO_Ai, estou tão feliz com minha primeira viagem internacional como presidenta! Botei aquele LP da Emilinha Borba para servir de trilha sonora enquanto arrumava a mala. Dobrei com cuidado a blusinha de seda zebrada.

Lula ligou com uma lista imensa de pedidos para comprar no free shop. Disse que a Marisa adora alfajores.

Não contava com a turbulência. É chato não ter ninguém para pegar na minha mão. O Edison Lobão teria algo gentil para fazer nesse momento.

31 DE JANEIRO_Cristina estava chiquérrima, supercheirosa. Vou pedir para aquele general que é chefe dos arapongas descobrir o perfume que ela usa e como faz para esconder as pontas duplas. O saldo foi bom: acertamos acordos bilaterais, trocamos dicas de botox e peguei uma receita de empanadas cordobesas.

1º DE FEVEREIRO_Balanço do primeiro mês: até agora só o Lobão e a Marta Suplicy me chamaram de “presidenta”. Como recompensa, vou encarregar a Marta de organizar o Dia Internacional da Mulher. O que é do Lobão está guardado.
Preciso trocar esses sofás escuros do gabinete. Toda vez que olho para eles me lembro do fhc. Têm um carma muito ruim. Vou chamar um estofador e fazer uma reforma.

Temer ligou para indicar um estofador ligado ao PMDB de Sergipe. Aceitei: às vezes é preciso ceder. Cinco minutos depois, o estofador chegou, acompanhado de quatro assessores e dois primos. Um deles perguntou se eu queria uma massagem nos ombros.

2 DE FEVEREIRO_Tudo certinho com o discurso na Câmara. Espero que os deputados entendam o recado: depois do superaumento que aprovaram para eles mesmos, não sobrou nada para o salário mínimo.
Estava louca para pedir um autógrafo ao Tiririca, mas o pessoal aqui achou que pegava mal.
Assim que Sarney venceu a eleição do Senado, chegou um bilhetinho dele: “Vou enterrar todos vocês.” Fazer o quê? O maranhense é profissa.

3 D
E FEVEREIRO_Chegaram as camisetas para o camarote do G
ilberto Gil no Carnaval. Pedirei para o Herchcovitch cortar as mangas. Sérgio Cabral também me convidou para o Sambódromo. Prometeu que desta vez não vai beber. Sei, sei.

4 DE FEVEREIRO_Quando cheguei, todos me esperavam com cara de assustados. Ninguém queria contar do apagão no Nordeste. A Miriam Belchior criou coragem, contou e xinguei até a quarta geração dela.

Quando retomei a serenidade, pedi um copo d’água com açúcar e meio que pedi desculpas. Fui ao banheiro e saquei da bolsa o envelope que o Lula me deu no dia da posse, aquele com o aviso “Abrir somente em caso de emergência”. O recado, escrito à mão, dizia: “Telefonar para o João Santana.”
Telefonei. Ele disse que ia botar umas notas na imprensa falando que reagi com frieza, não aceitei as explicações e exigi um relatório detalhado.

5 DE FEVEREIRO_Não aguento mais falar de salário mínimo, outro abacaxi que o Lula me deixou. Fazer reunião com esse pessoal do Paulinho me cansa. E ainda tem o Paim, aquele chatonildo.
Saíram as notinhas do Santana. Não é que colou? A Miriam continua chateada comigo.

7 DE FEVEREIRO_Estreei o Café com a Presidenta. Me deu um nervoso e tive de repetir o texto sete vezes. Vamos ver se agora “presidenta” emplaca.
Por falar em café, mandei reduzir a verba do Supremo. O chantilly para o Gilmar Mendes era um exagero. Voltaram os digníssimos juízes à boa e velha garrafa térmica.

10 DE FEVEREIRO_“De noite, eu rondo a cidade a te procurar, sem te encontrar.” Acordei com essa música na cabeça. Será que o Lobão vai ao aniversário do PT?
Na festa, li para o Lula e o Santana a coluna do Jabor comparando os presidentes e concluindo que sou muito melhor. O Lula só faltou fazer xixi nas calças de tanto que ria.
O Santana mandou servir coxinha, tubaína e quibe do Habib’s. O bolo foi doado pelo Eike Batista. O partido tem que dar impressão de austeridade, disse o Santana. Tudo bem, mas a sidra Cereser me deu uma azia que nem te conto, e o bolo era mais chinfrim que a peruca do Eike.

12 DE FEVEREIRO_ Que fofa a foto, nos jornais, do Lula num avião comum. Mandei botar como descanso de tela no meu computador.

14 DE FEVEREIRO_Cheguei atrasada no serviço: a manicure foi lá em casa e a minha mãe quis fazer a unha primeiro. Tive que brigar com a minha tia, que também queria passar na frente. Resultado: cheguei com as unhas borradas e a Miriam fez questão de notar.

16 DE FEVEREIRO_Hoje tem votação do salário mínimo. Chamei o Temer na minha sala e o fiz sentar no sofá estofado pelo PMDB sergipano. Ele entendeu o recado.
Passei o dia tensa. Coloquei a Isaurinha Garcia no último volume e escrevi um relatório sobre energia eólica para relaxar. Quando vi, tinha comido uma caixa inteira de Sonho de Valsa.

Temer ligou para dizer que “o PMDB conquistou uma vitória magna”. A petulância do bofe…

19 DE FEVEREIRO_Noite de sabadão no cineminha privê do Alvorada: ê, vidão! “Valeu a pena ter pegado em armas”, disse o Lobão no terceiro uísque.

O Lula, abelhudo, estragou tudo: chegou sem avisar e trouxe o Sarney, o Santana, o Vicentinho e uns 35 sindicalistas. O filme, escolhido pelo Santana, foi O Discurso do Rei. A mensagem é óbvia: sem marqueteiro não se vai a lugar nenhum. No fim, o Lula fez um discurso me imitando, todo gago: “Nã-nã-nã. (pausa) Não. Te-te-te-ter (pausa) gi-gi-gi (pausa) versarei!” Anotei o nome dos que se escangalharam de rir. O Sarney ficou roxo, mas não deu nem um sorrisinho. É um profissa, realmente.

21 DE FEVEREIRO_Aniversário da Folha à noite. Ter que confraternizar com paulistas, tucanos e jornalistas, ah, meu querido diário, essa nem o Lula encarava. E ainda por cima vou perder o paredão do BBB.

Pouquinho antes da festa da Folha, o Palocci mandou um SMS: “Evite opiniões sobre o Oriente Médio, a taça das bolinhas e o novo corte de cabelo do Justin Bieber.” Deu tudo certo. O Palocci é ninja, entende de paulista como ninguém.

22 DE FEVEREIRO_Acordei mais cedo para tomar café sossegada. Mas minha mãe e minha tia, que andam de morte, já tinham comido todo o pão de queijo. Com esse calorão me deu a maior vontade de entrar na piscina, mas o Kamura falou que o cloro ia desmanchar meu look Carolina Herrera.
23 DE FEVEREIRO_Preciso escolher a roupa que vou usar quando a Michele vier. A Marcela do Temer recomendou um estilista de Mato Grosso que faz coisas tipo indígenas. Disse que preciso prestigiar a moda étnica. Não sei não: parece que índio dá azar.

24 DE FEVEREIRO_Para evitar briga com a minha mãe, saí cedíssimo. E quem estava no meu gabinete, sentado na minha mesa, fuçando no meu computador? O Lula, claro. Ficou hiper sem graça, falou que estava passando e resolveu dar uma olhada no e-mail. Fingi que acreditei e ele saiu com o rabo entre as pernas.

Aproveitei que estava com o computador aberto e votei no paredão do Big Brother. Aquele pedaço de mau caminho que é o Rodrigão não pode sair de maneira alguma. Nem o pão do Wesley. Fora, Adriana!

25 DE FEVEREIRO_O Temer ligou para contar que o tal estilista índio que a Marcela indicou é do pmdb e daria um excelente presidente da Funai.

26 DE FEVEREIRO_Caiu a ficha do Lula: ligou para perguntar por que tem uma foto dele em avião comum no meu computador.

28 DE FEVEREIRO_Não vejo a hora de chegar o Carnaval.

* Escrito por Renato Terra, apresentado pela revista Piauí como o ghost-writer não oficial e não autorizado de Dilma Rousseff