Por vezes, o autor do comentário era o Outro de si mesmo.

A culpa é da "descoordenação motora".

No twitter, ministra propaga críticas a Sarney e Lula

O ser humano é um resumo das palavras que diz ou escreve. Por isso, impõe-se tomar cuidado.
Com tantas palavras ao redor, pode-se tropeçar nelas. A internet tonificou o risco. As palavras ganharam fluidez caótica.

Noutros tempos, quem quisesse dizer palavras desabonadoras ou cruéis sem comprometer-se recorria a uma muleta:

“Como diz o outro...”, diziam os que queriam se desresponsabilizar pelo dito. Por vezes, o autor do comentário era o Outro de si mesmo.

No twitter, o outro deixou de ser um. Escondido atrás de pseudônimos, virou muitos Outros. Vagos, indefinidos e desaforados.

Agora, em vez do tradicional “como diz o outro”, há o “RT”. Para propagar a sentença oportuna, basta pressionar o mouse sobre o “retweet”.

No domingo passado, um dos “seguidores” da ministra Helena Chagas (Comunicação Social) despejou no microblog dela um lote de oito mensagens.

Lourival Bonetti, eis o nome do Outro (será?). No twitter, assina @Bonettinterado. Como que a abonar um dos ditos do "interlocutor" virtual, a ministra semeou-o na web.

Helena Chagas repassou (ou seria retuitou?) aos seus mais de 7.700 seguidores a seguinte sequência de palavras:

"Ganhar menos que esta raça devoradora, políticos, como Sarney, Mubarak, Kadaf, Bush, Lula, Dirceu, Genoino, me envergonham, que nojo. Xau”.

Só nesta quarta (9), alertada por um amigo, a ministra se deu conta de que, considerando-se a cadeira que ocupa, endossara o impensável:

“Gente, o Zé veio me mostrar agora um suposto retweet meu sobre uma tal ‘raça devoradora’. Nunca tinha visto isso antes. Mas fui checar e...”

Penitenciou-se: “...Não é que estava lá a tal mensagem, retuitada por mim??!!! Tremenda bola fora, que só posso atribuir à minha total descoordenação motora”.

Autoflagelou-se: “Sou um perigo ao volante de um carro. Agora vejo que no de um blackberry também. Só pra ficar bem esclarecido: não retuitei o @bonettinterado”.

Tomou fôlego: “Ainda bem que alguém viu e me chamou a atenção. Podia passar para a posteridade xingando pessoas de quem gosto muito...”

No seu primeiro livro das Epístolas, Horácio ensinou: “A palavra, uma vez lançada, voa irrevogável”. Na velocidade do cristal líquido, não há nêutron que consiga revogar o próton.

Depois de ecoar o Outro, Helena tentou, por assim dizer, chamar de volta as palavras postas fora do lugar. Fez bem em dar o dito alheio por não dito.

Como diria o Outro, a verdade não só é mais incrível do que a ficção como é muito mais difícil de inventar.

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