Obras de péssima qualidade nas rodovias jogam fora R$ 5 bi todo ano

 O único objetivo da "lambança" é de engordar as contas bancárias dos gestores e os cofres de empreiteiras.

Silvio Ribas - Correio Braziliense
O vai e volta dos buracos na maioria das rodovias pavimentadas do Brasil representa um pesado custo para o bolso do contribuinte, resultado de projetos equivocados e gestões movidas a corrupção. Os danos causados pelo tempo, pelo tráfego e pelas chuvas sobre os 212 mil quilômetros asfaltados sob responsabilidade do setor público levam para o ralo todos os anos R$ 5 bilhões, segundo cálculo do Banco Mundial (Bird).

O desperdício se dá por meio de obras malfeitas e, especialmente, pelas conhecidas operações tapa-buracos, tocadas por governos municipais, estaduais e federal, muitas vezes sem licitação e com o único objetivo de engordar as contas bancárias de gestores e os cofres de empreiteiras. Coincidentemente, as obras de reparação de estradas aumentam em vésperas de eleições, uma forma de garantir o caixa de campanha de muitos políticos.

A situação beira a calamidade e vai muito além da corrupção. De um lado, diz Cláudia Viegas, pesquisadora da LCA Consultores, o desperdício de dinheiro público está associado à ineficiência, pois são comuns erros na contratação de obras. “A manutenção recorrente de estradas e rodovias pode denunciar falhas na concepção do projeto ou falta de especificações em contratos que contemplem variáveis como clima, tipo de solo e tráfego”, explica. De outro, está a burocracia. As autoridades se apegam à regra do menor preço definida pelos órgãos de fiscalização e desconsideram características regionais e exigências técnicas para os empreendimentos.

Nesses casos, entende a economista, a solução está em melhorar o planejamento, investir em estudos prévios e cobrar resultados a longo prazo. “Sobretudo nas novas obras, já há consenso sobre a validade de observar o prazo global, que inclui a expectativa de vida útil do empreendimento. As licitações devem focar qualidade, que é uma aliada do cidadão”, diz. Também começa a se consagrar a percepção sobre o tipo de pavimento mais adequado para cada obra, como o concreto usado em corredores de ônibus, pistas para aviões e rodovias de tráfego pesado e intenso. “O asfalto não é mais a única opção. Existem hoje 20 tipos de pavimentação, moldados conforme a necessidade”, acrescenta.

Os órgãos de controle de gastos públicos são indiferentes quanto ao tipo de material empregado no pavimento — asfalto ou concreto —, mesmo que o segundo dure até cinco vezes mais e represente despesa menor com manutenção ao longo dos anos. “Isso é prerrogativa dos contratantes (governos)”, esclarece Liliane Galvão Colares, secretária de Fiscalização de Obras do Tribunal de Contas da União (TCU). Mas ela ressalta que está ganhando força a exigência de “cláusulas de desempenho” em obras. Com isso, empreiteiras estão sendo obrigadas a refazer trechos que não duraram o tempo prometido nos contratos.

Limpeza no Dnit
A atenção do TCU com a construção e o reparo de estradas e rodovias é crescente. Não sem motivos. No fim de 2006, ano eleitoral e o último do primeiro mandato de Lula, o tribunal denunciou que R$ 500 milhões aplicados em uma operação tapa-buraco foram “literalmente jogados na sarjeta”. Os 27 mil quilômetros de rodovias que teriam sido recuperados voltaram a exibir buracos meses após os serviços emergenciais.

Entre as irregularidades apontadas estavam superfaturamento nas obras e ausência de contratos, o que resultou em multas ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pela operação. Em maio último, o mesmo TCU apontou custos exagerados em trechos das BRs 163 e 267, em Mato Grosso do Sul. Não é à toa, portanto, que a presidente Dilma Rousseff está fazendo uma faxina no Dnit — todo o seu comando foi demitido por suspeita de corrupção.

Desde 2007, a União reserva R$ 2 bilhões por ano para a manutenção do patrimônio rodoviário do país, conforme o Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), criado pelo Ministério dos Transportes. A programação de gastos serve para orientar investimentos em períodos de quatro anos, até 2031. Assim como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o PNLT é usado como instrumento de planejamento de médio e longo prazos. Mas de nada adiante: os impostos pagos pelos brasileiros continuam indo para o limbo com as primeiras chuvas depois da conclusão das obras.

Na avaliação de especialistas, os recursos federais destinados às estradas e rodovias são insuficientes para atender à demanda do país e não têm aplicação garantida — basta lembrar que a Cide-Combustíveis, contribuição criada para essa finalidade infla os cofres públicos em R$ 5 bilhões ao ano, mas quase nada sai dos cofres do Tesouro Nacional. Enquanto isso, a deterioração das estradas avança rapidamente com a intensificação do tráfego rodoviário de pessoas e mercadorias. Apenas em 2010, o Brasil bateu o recorde de 3,5 milhões de veículos novos vendidos.

“Por falta de recursos, trechos em péssimo estado são cobertos por fina capa de asfalto. Essa maquiagem não soluciona o problema de forma duradoura e pode até agravá-lo. É como se obturasse um dente cariado”, ilustra o engenheiro Décio de Rezende Souza, do Grupo CCR, líder nacional em concessões rodoviárias. Ele diz mais: “O trato dispensado a rodovias de quase 60 anos deixa claro como o barato pode sair caro”. Para Souza, o ideal é restaurar toda a estrutura da pista e realizar manutenções periódicas para elevar a vida útil dos materiais usados, em vez de simplesmente recapeá-la.

Concreto avança
Os fabricantes nacionais de concreto comemoram o aumento do uso do produto na malha rodoviária e esperam saltar dos atuais 2,5% para 10% até 2020. “A participação ainda seria pequena se comparada aos 25% dos Estados Unidos, da Alemanha e de países próximos, por exemplo Chile e Bolívia, mas representaria novo patamar”, comenta Fernardo César Crosara, diretor da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP). Ele informa que inovações tornaram o concreto mais competitivo no duelo de mercado com o asfalto, como a redução de ruídos e de custos iniciais de instalação. “A durabilidade ainda é o maior diferencial, evidenciado por estradas que seguem inteiras há 50 anos”, sublinha.

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