Como a esquerda justifica o apoio a Assad e Kadafi?

Lá vai um trechinho: “O que me deixa nauseado sobre pessoas de esquerda, especialmente os intelectuais, é sua total ignorância sobre como as coisas realmente acontecem. Eu sempre ficava impressionado a respeito disso quando estava na Birmânia e costumava ler literatura antiimperialista”. Orwell tinha uma postura não doutrinária, em uma das cartas se considerava “definitivamente de esquerda”, mas tinha “horror” de partidos esquerdistas e pontificava que o dever de um verdadeiro socialista era combater o totalitarismo. Ao final de sua jornada política e intelectual, Orwell assumiu que “a divisão real não é entre conservadores e revolucionários, mas entre autoritários e libertários”.

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Por Caio Blinder
De Nova York - VEJA ONLINE
Em relação à intervenção militar ocidental na Líbia (e eu destaco que se trata de uma intervenção humanitária), Talal Salman, o editor do jornal esquerdista libanês As-Safir, escreveu que “o retorno dos poderes coloniais vestidos de libertadores é mais perigoso do que qualquer um possa imaginar”. Ora, habib Talal, facílimo listar coisas bem mais perigosas, bem mais infames.

Podemos começar por um dirigente que você, habib, trata com camaradagem, o presidente sírio Bashar Assad. Ele também tem recorrido a esta linguagem surrada que seu país (perdão, o seu regime) é vítima deste “novo imperialismo”. Assim, obviamente, Assad tenta remover a legitimidade de um movimento de resistência interna à sua ditadura, como se fosse um mero instrumento de potências ocidentais e mesmo Israel. Imagine, a Irmandade Muçulmana que integra esta resistência irmanada com Israel. Na verdade, temos a ditadura de Bashar Assad irmanada com países como China, Rússia, Cuba e Equador.

Foram os quatro países que se opuseram à decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (o infame organismo que tomou um pouco de vergonha na cara) pedindo investigação das denúncias de crimes contra a humanidade cometidos na Síria. Os quatros irmãos de Assad argumentaram que a iniciativa tem “fins destrutivos” e busca “desestabilizar” a situação. Ao que consta (e aqui nem é preciso investigação), Bashar Assad é o grande desestabilizador com sua repressão sanguinária e a perda de oportunidade histórica para fazer reformas efetivas quando ainda havia tempo.

Muito mais perigoso, habib Talal, é “novo imperialismo” de Bashar Assad. O eixo Damasco-Teerã-Hamas-Hezbollah parece muito interessado em desestabilizar a situação no Oriente Médio. Nada mais conveniente do que as provocações do grupo terrorista Hamas e outros grupelhos palestinos contra Israel, com o objetivo de provocar uma escalada militar em Gaza e quem sabe gerar um racha gravíssimo entre israelenses e egípcios.

A situação ficaria ainda mais explosiva com a abertura de uma frente ao norte, com provocações contra Israel do grupo xiita libanês Hezbollah. Para um regime como o da Síria, que luta por sua sobrevivência a ferro e fogo, nada mais oportuno do que desviar a narrativa para um conflito regional. A prioridade para os sírios deixaria de ser a guerra civil e passsaria a ser o “imperialismo israelense”.

O habib libanês Talal Salman claro que não está sozinho nesta sua narrativa surrada, que bate na tecla que para os ocidentais se trata basicamente de garantir o petróleo. Ele está irmanado com o bandoleiro-petroleiro Hugo Chávez e outros apologistas de tiranos como Kadafi e Assad, que consideram uma intervenção ocidental pior do que a soberania (não do povo) mas destes regimes infames.

É uma experiência intelectual extenuante ver que ainda existe gente que se diz de esquerda ou favorável a movimentos de libertação nacional vender (ou comprar) esta narrativa que os Kadafis e Assads estejam lutando contra o imperialismo e esta pataquada toda. Como consolo nestas horas, é bom beber na fonte do profeta George Orwell. Por estes dias, eu andei lendo algumas cartas que ele escreveu nos anos 30.

Lá vai um trechinho: “O que me deixa nauseado sobre pessoas de esquerda, especialmente os intelectuais, é sua total ignorância sobre como as coisas realmente acontecem. Eu sempre ficava impressionado a respeito disso quando estava na Birmânia e costumava ler literatura antiimperialista”. Orwell tinha uma postura não doutrinária, em uma das cartas se considerava “definitivamente de esquerda”, mas tinha “horror” de partidos esquerdistas e pontificava que o dever de um verdadeiro socialista era combater o totalitarismo. Ao final de sua jornada política e intelectual, Orwell assumiu que “a divisão real não é entre conservadores e revolucionários, mas entre autoritários e libertários”.

Nem preciso dizer se fico com o habib Talal Salman ou o big brother George Orwell.

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