DE BRASÍLIA - FOLHA PODER
O motorista Célio Soares Pereira, 30, reafirmou hoje pela manhã à Folha que o dinheiro que ele disse ter entregue na garagem do Ministério do Esporte, em 2008, no porta-mala de um carro supostamente ocupado pelo ministro Orlando Silva, teve como origem organizações não governamentais da região de Sobradinho (DF).
Segundo Pereira, personagem-chave da crise instalada no ministério desde as revelações de "Veja" do último dia 15, ele recebeu ordens diretas de Fredo Ebling Júnior, um dirigente do PC do B e ex-candidato pelo partido a senador e deputado federal.
O motorista disse que recebeu a orientação de transportar R$ 1 milhão, entregue pelos dirigentes de quatros ONGs de Sobradinho, até a garagem num dia que ele não soube dizer com exatidão, entre novembro e dezembro de 2008.
Em nota divulgada no último dia 16, Ebling Júnior contestou as informações de Pereira: "Nunca mantive qualquer relação com a pessoa de nome Célio Soares Pereira, que sequer sei indicar quem seja. Com João Dias Ferreira meu contato restringiu-se ao período da campanha eleitoral de 2006, quando disputei a vaga de deputado federal, tendo referida pessoa buscado assento na Câmara Distrital, oportunidade em que, como em toda a minha vida, pautei-me pela ética e pela legalidade. As imputações lançadas e aqui rechaçadas [na 'Veja'], além de levianas, sequer são verossímeis".
Entrevista com o motorista Célio Soares, que diz ter entregue dinheiro para Orlando Silva, na garagem do Ministério do Esporte
Pereira, estudante de Direito e pai de seis filhos (pela primeira vez aos 14 anos de idade), disse que resolveu contar o que teria presenciado porque houve uma insistência do soldado da Polícia Militar João Dias Ferreira, pivô do escândalo no Esporte. Ferreira foi preso em 2010 na Operação Shaolin sob suspeita de desvio de recursos do programa Segundo Tempo, o que ele nega.
Os dirigentes das ONGs citados por Pereira têm sido procurados pela Folha desde a semana, mas não foram localizados.
A seguir, trechos da entrevista concedida por Pereira na casa de Ferreira, em Sobradinho.
FOLHA - Quando o sr. começou a trabalhar com Fredo?
Célio Soares Pereira - Eu trabalhei com o João Dias na campanha [eleitoral de 2006] e conheci o Fredo e fiz uma amizade com ele. E acabei indo trabalhar com ele entre 2007 e 2008. Eu dirigia para ele, andava Brasília toda. Ele usava um Fiesta em 2007 e comprou um Megane em 2008.
Onde ele trabalhava nessa época?
Eu peguei amizade com ele e ele falou `não quer rodar para mim, não?'. Porque eu sou uma pessoa discreta, não pergunto, não fico especulando. A gente sempre se encontrava, eu deixava o meu carro no estacionamento e pegava o carro dele e ia dirigir, rodar Brasília.
Mas ele trabalhava onde na época?
Era [para] recolher essas coisas. Eu nunca cheguei a perguntar.
Recolher o quê?
Ia nessas ONGs, pegar documentos, essas coisas.
O que mais ele pegava nessas ONGs?
Eu ficava dentro do carro, eu não descia.
E quais ONGs eram?
Em Sobradinho. Eu passei os nomes para o João. Que tem tanto tempo, que eu deixei com ele. Ele pode explicar direitinho. A do Michael, do Geraldo, do Toni.
De quanto em quanto tempo ele ia às ONGs?
Uma vez por mês. Ele me chamou para trabalhar, mas eu não tinha carteira assinada nem nada. Eu recebia R$ 700 e poucos, R$ 752,00.
E como ele pagava?
Em dinheiro, em mãos.
Onde ele morava?
Eu nunca cheguei a ir na casa dele, nunca cheguei a perguntar. Nem sei se ele mora mais no mesmo lugar. Eu encontrava com ele no Plano, ou aqui em Sobradinho, no Toni [Matos].
Ele te ligava para encontrar com ele?
Ele me chamava e dizia "pode vir aqui, me encontra" em tal lugar. Eu parava meu carro e pegava o carro dele. Eu só dirigia para ele. Ele entrava nos lugares e vinha com sacolas, bolsas.
Em alguma vez o sr. fez entrega de dinheiro na garagem do Ministério do Esporte?
Fiz uma vez, em 2008. Nessa vez, ele ficou doente, acho que pegou uma virose, alguma coisa assim, e aí ele me ligou: "Olha, você vai em tal lugar pegar uns negócios lá para mim". Eu falei, tá bom. Porque eu não perguntava, né, não ficava conversando muito com ele. Aí eu fui a Sobradinho, na BR ali perto do Toni Matos, e peguei um dinheiro com o Michael, com Geraldo, com Michael e com Toni. Eram sacolas.
Como o sr. sabe que era dinheiro?
Porque eu tive que botar tudo numa caixa de papelão.
Quantos sacolas eram?
Quatro.
Como eram essas sacolas?
Não lembro mais, não. Sacolas grandes, dessas bolsas reforçadas.
E como chegaram?
De carro. Aí foi um por um, chegando e saindo, e eu esperando.
Eram quatro carros?
Quatro, cinco com o meu. Eu fiquei parado, eles vinham, me entregavam, faziam um rodízio.
E o sr. colocava onde?
Aí eu juntei tudo e botei no porta-mala.
Quanto tempo demorou isso?
Não foi muito demorado não. Uns 15 minutos, por aí.
Quando o sr. colocou no porta-mala, o sr. disse que colocou numa caixa. Onde você encontrou essa caixa?
A caixa já tinha [estava] dentro do carro.
E onde o sr. fez a troca da sacola para a caixa?
O que acontece: quando eles paravam, eu chegava, descia do carro, pegava a sacola e já botava na caixa. E vinha o outro eu já ia botando no porta-mala.
O sr. abriu as sacolas?
Não, depois é que eu cheguei a abrir, aí eu deixei tudo certo [no porta-mala].
Quando o sr. abriu a sacola?
Depois que eu peguei com eles, eu parei num estacionamento e fiz [abri].
Qual estacionamento?
[Pensativo] Agora eu não lembro mais.
E por que você quis abrir a sacola?
Porque eu tinha que colocar na caixa, foi a ordem que eu recebi do Fredo. "Olha, tu vai pegar um negócio para mim, e quando tu pegar do pessoal todinho, você vai colocar dentro da caixa."
O Fredo é que tinha colocado a caixa no carro?
É.
Em momento nenhum ele disse que era dinheiro?
Não, não falou. É que como eu rodei 2007, 2008, eu não perguntava, eu ficava dentro do carro. Às vezes ele falava: "desce, vamos aqui comigo". E eu "não, vou ficar aqui".
Quando o sr. abriu as sacolas, o que tinha dentro, que cédulas eram?
Dinheiro em espécie. Notas de R$ 50, R$ 100, uns maços assim.
Havia elástico nos maços, era dinheiro usado ou novo?
Tinha, sim, ligas [de borracha]. Não sei dizer [se era usado]. Só peguei e notei lá dentro.
Então isso pesou muito, quanto pesou mais ou menos?
Não sei dizer, não. Só fiz o meu papel, ele mandou ele ir lá, peguei, botei tudo na caixa e levei para o estacionamento do ministério, e pronto.
Como o sr. entrou no estacionamento?
Porque o Fredo já tinha um cartão lá, só apresentava e o pessoal já deixava passar.
Algum segurança te barrou ou era um cartão eletrônico que você passava numa cancela?
Era um cartão. Não passava na máquina, não, só mostrava. Aí, pronto, já passava.
Quem deu esse cartão ao Fredo?
Aí não sei dizer. Ele nunca me contou e eu nunca perguntei. A ordem dele era... "Você entra lá, vai ter uma pessoa te esperando". E estava.
Que carro estava esperando?
Era um carro preto, grande, um carro oficial.
Estava com placas?
Estava com a placa oficial.
Placa branca ou placa de ministro?
De ministro. Chapa oficial.
Como é essa chapa?
Não sei dizer, não, só cheguei, entreguei e saí fora. Era um carro oficial, preto, com película.
Ele veio te receber?
O que acontece, estava o motorista e o Orlando no banco de trás.
O sr. chegou a vê-lo?
Quando eu parei do lado, abri a porta, e o motorista dele abriu. Aí quando a gente foi pegar a caixa para colocar no carro oficial, aí ele baixou o vidro de trás e perguntou: "como é que o Fredo está?". Eu falei "está melhorando". Só foi isso, o Orlando.
Quem abaixou o vidro?
O Orlando. Estava no banco de trás.
E na hora o sr. reconheceu ele?
Reconheci. Porque eu já tinha visto ele.
Onde?
Não, eu tinha visto ele de vários lugares, porque eu não sabia o que ele era. Assim, ele só abaixou e perguntou: "o Fredo está melhor?". Eu disse "não, está melhorando". Só foi isso. Botei lá no carro dele, dei ré no outro e já saí.
O sr. imagina quanto havia de valor ali?
Eu peguei 300 com Michael, 300 com Geraldo, 200 com Michael e 200 com Toni. Um milhão.
Como o sr. sabia que era 300 ou 200? Porque o sr. não contou...
Não, não contei. Quando o pessoal chegou lá, o primeiro foi o Michael, falou "entrega aqui, tem 300". Aí o Geraldo, "tem 200", e o outro e o outro.
Então você já sabia que era dinheiro, quando o sr. recebeu?
Quando eu cheguei lá no ponto... Eu já desconfiava, mas nunca perguntei, para mim não tinha interesse nenhum. Quando eles falavam "tem 300 aqui, tem 200", só falavam desse jeito e saíam.
Em que dia isso ocorreu?
A data exata eu não sei, mas foi em 2008, do final de novembro para dezembro. Foi a única vez que eu fui só.
Depois que o sr. entregou o dinheiro, para onde o sr. foi?
Peguei, voltei, passei num pessoal ali uns conhecidos meus, conversei ali, depois fui embora. Aí o Fredo estava com a virose, estava melhorando, e depois me afastei dele. Ele começou a ficar diferente, aí automaticamente me afastei dele.
O sr. trabalhou com o João Dias?
Trabalhei com ele, dei uma força aí para ele, fiz um free lance.
O sr. é filiado ou foi filiado a algum partido político?
Não, nenhum. Nunca fui.
O sr. pode revelar em quem votou nas últimas eleições?
Para presidente, Dilma. Governador, Agnelo [PT-DF].
E antes de 2010?
Lula. Duas vezes.
O sr. trabalhou para algum partido político alguma vez?
Trabalhei para o Magela [PT-DF], na campanha dele, em 2010. Ajudei muito o irmão do Magela, o Sólon, que era o coordenador dele aqui na região de Sobradinho.
Quando o sr. entregou o dinheiro, o que pensou?
A gente pensa muita coisa. Mas eu não falei nada com ninguém. Eu não ia dar essas entrevistas, mas o João é que me procurou, me pediu, e eu em consideração a ele é que estou expondo, depois desse tempo todo. Eu conhecia o João há tempos porque ele sempre teve academia e sempre foi morador de Sobradinho. Eu sempre tive amizade com o João.
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